Reequilíbrio Comercial, Corte De Impostos, Desregulamentação: O Novo ‘Sonho Americano’ De Trump2

Paulo Kramer

Paulo Kramer

No meu mais recente podcast para o portal do Instituto Monitor da Democracia, em entrevista ao nosso presidente Márcio Coimbra, procurei lançar um pouco de luz sobre a aparentemente errática e sem dúvida volátil política econômica externa do segundo governo Donald Trump. No presente artigo, pretendo prosseguir nessa reflexão, se possível aliviando o debate de sua forte carga emocional sempre que vem à baila a figura do polêmico presidente que promete fazer a América grande novamente….

Durante os 100 primeiros dias de Trump2, o stop-and-go da sua política alfandegária elevou escalonadamente os direitos de importação sobre as mercadorias  vendidas aos Estados Unidos por todos os seus parceiros comerciais, para, logo em seguida, suspender temporariamente essa majoração, na expectativa de uma ‘pausa para negociações, com a solitária e notável exceção da China,  cujas exportações ao mercado norte-americano continuam taxadas em 145% e que retaliou na mesma moeda, chutando para cima suas tarifas sobre produtos americanos.

O vaivém produziu um frenesi nos mercados, ora derretendo bilhões de dólares em ativos, ora impulsionando recuperações de preços não menos espetaculares. Até o dia 5 deste mês de maio, as ações das empresas integrantes do índice S&P 500 — quinhentas maiores companhias de capital aberto listadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos — acumularam nove dias seguidos em alta, algo inédito desde 2004. O crescimento de 10% em tão pouco tempo cancelou as perdas decorrentes do anúncio do tarifaço por Trump em 2 de abril, data que o presidente batizou de “Dia da Libertação”. Os sinais contraditórios emitidos pela nova política tarifária e a contração do PIB norte-americano em 0,3% no primeiro trimestre de 2025 projetaram uma sombra de incerteza sobre os planos de investimentos das empresas, ao mesmo tempo em que reacenderam os temores de uma estagflação.

Para reavivar o otimismo dos empresários e consumidores, Trump e a bancada Republicana no Capitólio negociam um novo pacote de redução permanente de impostos e corte de gastos públicos. Fontes do governo também acenam com a possibilidade de atenuação das pressões tributárias sobre a China, em troca da cooperação de Pequim com a cruzada de Trump contra o ingresso ilegal de fentanyl produzido pela indústria farmacêutica chinesa, princípio ativo dos opióides que alimentam uma epidemia mortal no seio das camadas mais pobres da sociedade americana.

Com a palavra, o secretário Bessent — Em artigo para o Wall Street Journal, Scott Bessent, o secretário do Tesouro que fez fortuna no mercado de capitais, procura substanciar a estratégia de relações públicas de seu chefe Trump, visando à restauração da confiança dos agentes econômicos.

Bessent inicia sua argumentação lembrando que, desde a década de 1980, quando teve início a atual etapa de globalização, as desigualdades socioeconômicas na América se acentuaram entre uma minoria de vencedores (empreendedores tecnológicos, banqueiros de investimentos e segmentos profissionais de nível superior nos litorais do Atlântico e do Pacífico) e uma maioria de perdedores (classes média e trabalhadora,  empobrecidas pela liberalização comercial e pela desindustrialização no coração continental dos Estados Unidos). Trump se elegeu para ampliar a participação desses setores desfavorecidos, hoje a espinha dorsal do seu eleitorado, nas riquezas acumuladas por Wall Street. O tarifaço é visto por Bessent como instrumento essencial para o reequilíbrio do comércio exterior e a revitalização da base industrial do País, com a criação de mais e melhores postos de trabalho.

O autor cita um paper de 2016, elaborado por três economistas (“China shock”, de David Autor; David Dorn; e Gordon Hanson) que mediram o impacto socioeconômico da liberalização comercial na ‘América profunda’, durante o mesmo período que a China se transformou na fábrica do mundo e superpotência exportadora: os trabalhadores dos Estados Unidos perderam 3,7 milhões de empregos. Nas palavras de Bessent, “milhões de americanos sofreram um declínio absoluto da sua renda real”.

Para virar esse jogo, o secretário do Tesouro propõe uma tríplice estratégia:

(a) renegociar os termos do comércio global. Isso inclui o tarifaço, mas também a redução das barreiras alfandegárias dos outros países,  de modo a abrir mercados externos e, ao mesmo tempo, “trazer de volta milhares de postos de trabalho na indústria de transformação”;

(b) tornar permanentes os cortes de impostos de 2017 (governo Trump1), acrescidos de inovações como a isenção de tributos sobre gorjetas, horas extras e Seguridade Social. Isso significa deixar mais dinheiro nos bolsos dos empresários para investir e dos consumidores para gastar. Lembra Bessent que a lei tributária de 2017 aumentou a renda de 50% dos domicílios da América mais rapidamente do que para os 10% mais ricos.

Ele calcula que, se os cortes de impostos, programados para expirar no final deste ano, não forem perenizados, a família mediana dos Estados Unidos perderá US$ 4 mil em renda. O novo pacote propõe, ainda, deduções sobre financiamentos para a compra de automóveis made in USA, bem como incentivos fiscais para a construção de novas fábricas; e

(c) desregulamentar/desburocratizar de forma a estimular a produção de tudo na América — de materiais de construção a chips (semicondutores) de inteligência artificial.

Paralelamente ao impulso que dará à prosperidade de patrões e empregados, acredita Bessent, que essa nova estratégia também vai assegurar a dianteira militar dos Estados Unidos vis à vis a China.

As primeiras medidas desburocratizantes decretadas por Trump2, cancelando regulamentos da era Biden, teriam economizado US$ 2.100 para uma família norte-americana com quatro pessoas. Mais: a eliminação de requisitos de compliance, considerados excessivos, para pequenos bancos locais facilitará o acesso ao crédito do consumidor de bens duráveis. Outro objetivo dessa desregulamentação/desburocratização é tornar mais abundante a oferta de energia. Por isso, Trump recentemente decretou “emergência energética” e abriu 1,53 milhões de acres à exploração no Alasca. O preço da gasolina já caiu 50 cents em relação ao ano passado.

Scott Bessent busca contagiar com seu entusiasmo todo o público norte-americano informando que, por dois meses seguidos, as contratações de mão de obra no setor não rural superaram as expectativas, com a incorporação de 177 mil empregos ao mercado de trabalho.

Em suma, a política econômica de Trump2, formatada pelo secretário do Tesouro, promete um forte e duradouro ciclo virtuoso, com mais empregos, reindustrialização acelerada, menores custos de energia, robustecimento da segurança nacional e vitória na competição econômica e militar com os chineses.

Basta agora aguardar o que os parceiros e adversários da América farão para reagir e/ou se adaptar a todas essas mudanças decretadas pelo segundo governo Trump e pela estreita maioria Republicana no Congresso….

Em tempo: Estados Unidos e China realizarão no fim de semana de 10 e 11 de maio, em Genebra, Suíça, seu primeiro encontro para discutir e negociar alternativas à mútua escalada tarifária. O lado americano será representado por Bessent e pelo representante comercial Jamieson Greer; e o chinês, pelo premiê He Lifeng.

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