Aborto, Conservadorismo e Democracia

Alex Catharino

Alex Catharino

Em seu famoso livro A Mentalidade Conservadora, Russell Kirk (1918-1994) elencou, como primeiro cânone do conservadorismo, a “crença em uma ordem transcendente, ou corpo de leis naturais, que rege a sociedade, bem como a consciência”. A partir dessa premissa, defendeu que “problemas políticos, no fundo, são problemas morais e religiosos”. Finalmente, concluiu que “a verdadeira política é a arte de perceber e aplicar a Justiça, que deve preponderar em uma comunidade de almas”.

Amparada nas instituições do Estado de Direito e da economia de livre mercado, uma sociedade democrática, de acordo com os conservadores, deve promover os princípios da Ordem, da Liberdade e da Justiça como meios adequados para proteger os direitos humanos fundamentais à vida, à autonomia e à propriedade privada. Nesse sentido, a defesa do aborto como um direito é contrária ao respeito inalienável à vida e à dignidade da pessoa humana.

Na encíclica Centesimus Annus (1991), o Papa São João Paulo II (1920-2005) alertou que, “se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as ideias e as convicções políticas podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder”, tendo acrescentado que “uma democracia sem valores se converte facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra”. O mesmo tipo de crítica ao “risco da aliança entre democracia e relativismo ético” foi denunciada pelo mesmo romano pontífice, na encíclica Veritatis Splendor (1993), ao ressaltar que tal conjunção “tira à convivência civil qualquer ponto seguro de referência moral, e, mais radicalmente, priva-a da verificação da verdade”. Por fim, na encíclica Veritatis Splendor (1995), ao tratar, especificamente, do problema da noção de autonomia absoluta, que legitima a inaceitável prática do aborto, em sociedades democráticas, São João Paulo II afirmou que:

O primordial e inalienável direito à vida é posto em discussão ou negado com base num voto parlamentar ou na vontade de uma parte – mesmo que seja maioritária – da população. É o resultado nefasto de um relativismo que reina incontestado: O próprio “direito” deixa de o ser, porque já não está solidamente fundado sobre a inviolável dignidade da pessoa, mas fica sujeito à vontade do mais forte. Desse modo, e para descrédito das suas regras, a democracia caminha pela estrada de um substancial totalitarismo. O Estado deixa de ser a “casa comum”, onde todos podem viver segundo princípios de substancial igualdade, e transforma-se num Estado tirano, que presume de poder dispor da vida dos mais débeis e indefesos, desde a criança ainda não nascida até ao idoso, em nome de uma utilidade pública que, na realidade, não é senão o interesse de alguns.

Em outra passagem do mesmo documento pontifício, temos a advertência de que “reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros”, ao que João Paulo II concluiu que “isto é a morte da verdadeira liberdade”. Nessa mesma linha, em um dos capítulos do livro A Política da Prudência, encontramos a ressalva de Russell Kirk, segundo a qual “a defesa doutrinária da contracepção e do aborto pelos progressistas é uma prova do desejo de morte dominante”.

Infelizmente, ao ignorar tais princípios, a atual gestão federal anunciou, no dia 17 de janeiro de 2023, em nota conjunta à imprensa do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Saúde, do Ministério das Mulheres e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania o desligamento do Brasil do Consenso de Genebra, cujo documento firmado por diferentes países, além de reafirmar que “todos são iguais perante a lei” e que “os direitos das mulheres são inalienáveis, integrais e parte indivisível de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” defende que, “em caso algum deve o aborto ser promovido como método de planejamento familiar”, além de acentuar a necessidade de proteção do nascituro e ressaltar que “não há direito internacional ao aborto, nem qualquer obrigação internacional da parte dos Estados de financiar ou facilitar o aborto”.

Tal decisão equivocada do governo federal é um retrocesso na defesa da vida e da família, que, dentro da legalidade do Estado de Direito e do processo democrático, precisa ser combatida, não apenas por conservadores e/ou cristãos. Não é possível termos uma sociedade livre, próspera e justa sem defendermos o direito inalienável à vida, especialmente das crianças ainda não nascidas. Opor-se ao aborto é um dever de todos que defendem os princípios do verdadeiro conservadorismo.

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