O atual cenário internacional, complexo e em rápida transformação, caminha para a bipolaridade, com duas superpotências, os Estados Unidos e a China, já em postura de rivalidade crescente. Essa bipolaridade que se vislumbra é mitigada por grandes potências, as vencedoras da Segunda Guerra Mundial, como o Reino Unido, a França e a Rússia. Ademais, temos as potências regionais ou médias, como a Índia, a Indonésia, o Egito, o Irã e o Brasil. A Alemanha e o Japão, com economias extremamente importantes e tecnologicamente sofisticadas, estão se rearmando pela primeira vez desde sua derrota na Segunda Guerra Mundial e se grandes potências novamente. Essa transformação verifica-se na esteira da invasão russa na Ucrânia e da escalada chinesa. A Alemanha deve ter papel importante na contenção da Rússia, no âmbito da OTAN, e o Japão será essencial no estabelecimento de um “cordon sanitaire” cercando a China, de que fazem parte também a Austrália, a Coreia do Sul e a Índia. Quad diálogo quadrilateral, embora busque equilibrar-se entre suas relações com a China e a Rússia e seus laços ocidentais. Em outra vertente, deve-se registrar que o “pivot” da economia, do comércio e da tecnologia mundial tem se movido para a Ásia.
Nesse cenário que se delineia o planejamento da política externa brasileira deve, necessariamente levar em conta, racional e realisticamente, as vantagens e vulnerabilidades na busca dos objetivos básicos de segurança internacional e desenvolvimento econômico.
Entre as vantagens, estão o território continental e a diversidade de recursos energéticos, minerais e de terras agrícolas, que têm permitido o crescimento da produção de matérias primas industriais e de alimentos sem prejudicar o meio ambiente. No caso da agricultura desenvolvemos tecnologia avançada, que permite a expansão da produção sem alargamento da fronteira agrícola sem a necessidade de incorporação de novas terras, o que nos proporciona uma das maiores áreas preservadas do mundo. No entanto, essa tecnologia pode ser obtida por outros países produtores, futuros concorrentes, como temos exemplos históricos. Disso, a China, em busca de garantir suprimentos, tem investido em infraestrutura em países agrícolas e ricos em minerais africanos por meio de seu programa “Belt and Road”. Outra vulnerabilidade importante é a nossa dependência de fertilizantes, como ficou demonstrado pela guerra da Ucrânia. Também é preocupante a precariedade da estrutura de transporte e armazenamento de grãos, em um país das dimensões do Brasil, que depende maciçamente de transporte rodoviário, mais caro e ineficiente do que o ferroviário.
No que diz respeito à indústria, o Brasil não tem tido desenvolvimento tecnológico adequado e está ultrapassado em relação a países de economias muito menores como por exemplo Taiwan, maior produtor de semicondutores do mundo, e a Coreia do Sul. O atraso na tecnologia de ponta tem impedido a integração da nossa indústria às cadeias de produção internacionais e somos levados a constante dependência de exportação de ”commodities”, com menor valor agregado e mais sujeitas às instabilidades de preços. De a economia brasileira ser ainda relativamente fechada, a indústria reflete as graves deficiências do nosso ensino. Embora tenhamos áreas de excelência, existe no Brasil uma enorme massa de analfabetos funcionais.
Deve-se observar que embora a dimensão territorial do país e de sua costa marítima sejam vantagens em termos de produção agrícola, mineral e energética, representam vulnerabilidade em termos de segurança. As fronteiras brasileiras pela sua enorme dimensão são expostas ao tráfico de armas, drogas e contrabando de mercadorias. A entrada de armas e a circulação de drogas suprem o crime e o tráfico, cada vez mais organizado. Facções criminosas dominam áreas inteiras na periferia das grandes cidades, onde as forças de segurança têm entrada restrita e onde se digladiam facções rivais. Está se gerando uma situação de anomia, em que não se reconhecem regras sociais. O Estado perde controle de seu próprio território, de sua jurisdição, e o governo chega a ter partes de sua estrutura colonizadas pelo crime. Essa perda de controle do Estado tem se espraiado por regiões portuárias e áreas de fronteira como na Amazônia, no Sul e no Centro Oeste do país, facilitando as conexões com grupos criminosos estrangeiros. As forças de segurança encontram crescente dificuldade em manter presença efetiva do governo.
Brasil não tem autossuficiência energética, principalmente no refino de petróleo, o que aumenta nossa dependência do mercado internacional de combustíveis.
A localização do país, distante dos atuais focos de tensão, representa inegável vantagem, embora tenhamos também como fator negativo a distância de centros atualmente mais dinâmicos da indústria, comércio e tecnologia mundiais, o que dificulta, junto com nosso atraso em tecnologia de ponta, o acesso a mercados e a integração nas cadeias produtivas.
A política externa multidirecional e ecumênica que o Brasil tem adotado tradicionalmente contribui para minorar algumas dessas vulnerabilidades, como demonstrou-se no período da pandemia de Covid19 e desde o início da guerra da Ucrânia. O Brasil deve persistir na abordagem pragmática que lhe tem permitido atenuar os efeitos de crises internacionais. A bipolaridade, embora ainda mitigada, que se parece avizinhar no cenário estratégico internacional deve aumentar pressões por lealdades e alinhamentos, “zero sum game”, ganhos e perdas de um núcleo de poder correspondem direta e simetricamente a perdas do outro. Quanto mais rígida for a bipolaridade, maiores serão as pressões.
Em outra vertente, o Brasil não tem problemas de relacionamento com seu entorno. A perigosa rivalidade com a Argentina terminou com a pragmática iniciativa da diplomacia brasileira nos anos 1980 e 1990, que possibilitou ações de integração como o Mercosul. É essencial para o Brasil ter uma presença forte e dinâmica na América do Sul, tanto para garantir nossa segurança estratégica e econômica, quanto para termos um peso específico mais adequado no cenário internacional. É imperativo, no entanto, que a política externa do Brasil não ceda às tentações de caráter populista e ideológico.