Motim, invasão, ocupação…; estes e outros termos de atos incompatíveis com a democracia são historicamente associados a correntes da esquerda radical.
No Brasil, há vários exemplos de movimentos ou partidos mais ou menos identificados com uma ou outra dessas práticas: MST, MTST, PSOL, PCdoB e mesmo o PT em épocas mais antigas ou quando as conveniências eleitorais permitem.
A direita bolsonarista, que engrenou a marcha da insensatez com a tentativa de golpe de Estado, em 2023, que continuou fora do prumo pela cumplicidade com Trump nos ataques ao Brasil, resolveu agora submeter o Congresso Nacional a seu talante, ocupando os plenários das duas Casas legislativas e interditando as mesas diretoras a fim de obstruir as pautas da Câmara e do Senado.
O Congresso Nacional brasileiro já sofreu invasões, pela direita e pela esquerda. No quesito das obstruções aos trabalhos legislativos, a direita bolsonarista também pôde se inspirar na esquerda:
Durante o governo Temer, em 2017, para retardar a tramitação da reforma trabalhista, a deputada Luiza Erundina, do PSOL, sentou na cadeira do presidente da Câmara, enquanto deputados do PSOL e do PT cerraram fileira em volta dela na Mesa. Quando a reforma trabalhista chegou ao Senado, senadoras do PT, PSOL e PCdoB conseguiram manter a Mesa ocupada por longas seis horas.
Em 2018, tendo por mote o “Lula Livre”, os trabalhos legislativos foram seguidamente conturbados por parlamentares e militantes lulistas enfurecidos.
Na ocupação de agora, parlamentares amotinados taparam a boca com esparadrapo e alguns chegaram a se acorrentar, em um performance teatral, típica do espetáculo circense que tem sido a política brasileira.
A rebelião de 6 de agosto de 2025, protagonizada pela direita bolsonarista repete, pois, péssimas práticas da esquerda oportunista; a diferença está exatamente na posição ideológica dos agentes.
“Pacote da paz”
A pauta que o grupo de parlamentares rebeldes tentou impor na marra foi chamada por eles de “pacote da paz”.
O tal pacote pretende emplacar o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, a anistia ampla aos envolvidos na invasão aos Três Poderes e o fim do foro privilegiado dos parlamentares.
Não tenho nenhuma simpatia pelo ministro Alexandre de Moraes; se ele for afastado do cargo de ministro do Supremo pelas vias regimentais, não lamentarei nem protestarei, embora também não tenha propriamente militado pelo seu impeachment.
Tal apatia política vem desde quando percebi que a maioria das bandeiras de luta legítimas no Brasil passaram a ser cooptadas e instrumentalizadas a serviço dos interesses escusos ou nada republicanos desta mesma direita bolsonarista que ora critico.
Isso é o que acontece agora, quando não se faz distinção entre um pedido de anistia para cidadãos comuns e para as figuras do alto escalão político e militar que efetivamente planejaram e iniciaram a tentativa de golpe.
Defendo a anistia para as centenas de anônimos manipulados/teleguiados que estão pagando penas escandalosamente exorbitantes e cruéis pelas invasões de 8 de janeiro.
Entendo, porém, que a ampliação dessa anistia para os mandantes, especialmente para o ex-presidente Bolsonaro – como é a pretensão do referido pacote – constitui grave empecilho à anistia dos que merecem ser anistiados.
Aliás, não fosse pela apropriação de que foi alvo por parte dos bolsonaristas mais extremados, a anistia ao 8 de Janeiro já poderia ter sido aprovada, ou estaria bem avançada.
No pleito pelo fim do foro privilegiado, os pacotistas visam ao interesse próprio ou de colegas, pois, segundo vem sendo noticiado, vários parlamentares estariam sob investigação e em vias de serem denunciados e caírem nas mãos do Supremo Tribunal Federal: última e única instância para quem tem tal foro.
Não existe, portanto, “pacote da paz”. O que existe é um pacote de conveniências partidárias e interesses pessoais: uma mixórdia produzida por uma nova direita inspirada em péssimas práticas da velha esquerda; não vai dar certo.