A dignidade da pessoa humana constitui o fundamento ético e jurídico de todo edifício dos direitos humanos. Contudo, frequentemente se interpreta essa noção em termos predominantemente objetivos, como a proteção da vida, da integridade física ou da proteção material. Embora tais dimensões sejam indispensáveis, elas não esgotam a densidade normativa do conceito. É preciso reconhecer que a dignidade repousa, em seu núcleo mais íntimo, na experiência subjetiva que é em última análise o que nos caracteriza como seres humanos.
Vemos a centralidade da subjetividade se manifestar de forma clara na prática dos direitos humanos. A proibição absoluta da tortura, por exemplo, não se explica apenas como defesa da integridade física do corpo, mas como proteção contra o ataque intolerável à consciência vivida da dor, o ataque intencional a integridade física e moral é uma experiência considerada degradante para a condição humana. A violação aqui não é apenas corporal, mas fenomenológica: representa destruição da interioridade subjetiva que fundamenta a humanidade do indivíduo.
Do mesmo modo, a proteção da liberdade de expressão ou de religião não pode ser reduzida a meras prerrogativas externas de manifestação. Esses direitos têm como finalidade resguardar a expressão da autenticidade da experiência interior.Seja ela de pensamento, crença ou convicção, assegurando que cada pessoa possa viver de acordo com sua própria consciência. O valor protegido é, portanto, a subjetividade representada pelo termo consciência e que dá consistência à liberdade.
Essa leitura se torna ainda mais urgente no cenário contemporâneo, marcado pela inteligência artificial, pela governança algorítmica e pelo avanço das neurotecnologias. Os debates recentes sobre neurodireitos já reconhecem que, na era digital, não basta proteger corpos ou dados. O que está em risco é a própria autonomia cognitiva, isto é, a experiência subjetiva que sustenta a possibilidade de escolhas livres e conscientes. Algoritmos que manipulam preferências ou falseiam percepções atuam diretamente sobre a autenticidade da experiência humana, comprometendo inclusive o núcleo do livre-arbítrio jurídico.
Nesse contexto, quando se afirma que a dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos humanos, deve-se reconhecer que esse fundamento repousa na experiência vivida. Sem a preservação do livre experienciar interior que se entrelaça na consciência humana — seja diante da violência física, da manipulação informacional ou da opacidade algorítmica — a própria noção de dignidade corre o risco de esvaziar-se. O desafio contemporâneo dos direitos humanos, portanto, é expandir seu alcance protetivo para além da integridade corporal e patrimonial, abarcando de forma explícita a de proteção da consciência humana como condição indispensável à liberdade e da humanidade.