O valor e a humildade de Maria Corina Machado

Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte

Pela primeira vez, fiquei emocionada após a divulgação de um prêmio Nobel da paz. A honraria, algo sempre tão distante, pareceu-me, dessa vez, ter sido concedida a alguém que me era próximo. Não estranhei minha reação. Sou mesmo emotiva; meus olhos marejam facilmente.

A razão logo acorreu, justificando-me: claro que se tratava de alguém próximo. A pessoa laureada era alguém cuja luta observo há mais de uma década, alguém cuja coragem me inspira e com cujos ideais me identifico. Ademais, é uma mulher. E é latina. Chama-se Maria, esse nome simples e familiar.

Maria Corina Machado receceu o Prêmio Nobel da Paz, 2025, “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”, conforme as palavras do Comitê Nobel norueguês.

Ela “é um dos mais extraordinários exemplos de coragem civil na América Latina nos últimos tempos”, acrescentou o comitê.

Assisti ao vídeo em que o diretor do Instituto Nobel Norueguês, Kristian Berg Harpviken, compartilhou com Corina, por ligação telefônica, a notícia de sua premiação, antes que fosse anunciada ao mundo. Foi bem tocante. Não apenas ela, mas o próprio representante do Instituto estavam emocionados.

Ah! A emoção genuína e nobre! Não a emoção confusa, patética e febril advinda de impulsos irracionais e primitivos, mas a emoção suave, espécie de abalo sutil e desabafo da alma que se sente movida por e impulsada para valores altos, universais e eternos.

Ambos, Corina e Harpviken se emocionaram, naquele momento, porque estavam provavelmente envolvidos pelo mesmo sentimento moral.

Segundo o filósofo Max Scheler (1874-1928), há um universo de valores hierarquicamente organizados, que são percebidos pela visão emocional ou intuição sentimental. 

Há basicamente quatro níveis nessa hierarquia. No terceiro nível, abaixo apenas dos valores religiosos (sagrado-profano), estão os valores culturais ou espirituais, dentre os quais os valores ético-jurídicos (justo-injusto).

Nem todos são capazes de perceber a manifestação no mundo dos valores espirituais. Isso porque estão ainda embotados, ora seduzidos por valores hierarquicamente inferiores, ora emocionalmente conturbados por ideologias.

Para aqueles, porém, dotados de certa sensibilidade, a premiação de Maria Corina foi um tributo à coragem, à liberdade e à justiça, valores objetivos que a sua luta política representa. 

O prêmio emociona porque, ao reconhecer valores morais onde eles realmente existem, o mundo se mostra um pouco menos doente.

Foi feliz o editorial do Estadão ao escrever que, ao premiar Corina, “o Comitê Norueguês do Nobel lembrou a todos que a luta pelo regime das liberdades ainda exige firmeza de caráter e sacrifício pessoal

Sim! Sacrifício. Isso se dá porque a percepção dos valores espirituais leva à clara evidência de que os valores inferiores devem ser sacrificados perante eles. 

O colega Duda Teixeira foi igualmente feliz quando destacou, no programa Papo Antagonista, transmitido no mesmo dia da divulgação do prêmio Nobel, que, de forma alguma, Corina é movida por um projeto pessoal de poder:

Ela está realmente se doando para a causa da democracia na Venezuela. E, de fato, a vida dela toda, está em função disso. A Maria Corina tem três filhos e um marido. Os filhos estão em diferentes países por questão de segurança. O marido também já não vive com ela, pois ela vive praticamente na clandestinidade devido a ameaças constantes e reais da ditadura. Então, essa é uma mulher que não tem momento de ócio, de lazer com a família, de descontração. A vida dela é vinte e quatro horas por dia fugir da ditadura e lutar por democracia”.

Olhando por esse ângulo, enfatizado por Duda Teixeira, a concessão do Nobel da Paz a Maria Corina torna-se ainda mais importante. Ele dá a quem enfrentou e enfrenta, de peito aberto, uma brutal ditadura, um enorme respaldo internacional que lhe servirá também como forma de proteção. 

A inveja de Lula e Trump

A inesperada premiação de Maria Corina recebeu, naturalmente, atenção internacional. As reações foram de fortes elogios a críticas histéricas. Tanto se fala sobre esse assunto que o silêncio de quem cala se torna eloquente.

Tem quem faça pior e não fale nem silencie, mas apenas enrole; foi o caso do governo brasileiro, que se escondeu na omissão, mas mandou o secretário Celso Amorim falar qualquer coisa.

Amorim, contumaz adulador do ditador Nicolás Maduro, tentou desmerecer Maria Corina dizendo que, em detrimento da paz, o Prêmio Nobel havia priorizado a política. Ele estava apenas repetindo o que a Casa Branca – revelando a mágoa do presidente Donald Trump por não ter sido o premiado – havia exposto horas antes.

Ora, o Prêmio Nobel da Paz é geralmente considerado a mais importante honraria política do mundo; isto porque um dos principais instrumentos para a construção da paz é justamente a política. Mas o prêmio costuma honrar a boa política, aquela que a baixa envergadura moral do atual governo brasileiro não permite reconhecer.

María Corina e Donald Trump, no entanto, logo se acertaram. Pessoas humildes não têm muita dificuldade em lidar com pessoas vaidosas, pois não disputam com elas. Sabem do próprio valor e não precisam ostentá-lo, mas tentam até diminuí-lo para que outros brilhem em seu lugar.

A líder venezuelana dedicou seu prêmio primeiramente ao povo venezuelano, mas também ao vaidoso presidente norte-americano, a fim de mitigar-lhe a mágoa de ter sido preterido. Em seguida, conversaram por telefone. Trump referiu-se à conversa nos seguintes termos:

A pessoa que recebeu o Prêmio Nobel hoje me ligou e me disse: ‘Estou aceitando isso em sua homenagem, porque realmente você merecia’. Foi algo muito amável da parte dela. Eu não disse ‘então me dê’, embora eu ache que ela poderia ter feito isso. Ela foi muito legal“, disse o presidente americano.

Chega a ser cômico o contraste entre um perfil e outro. Corina é comunicada do prêmio e afirma, emocionada ao diretor do Instituto Nobel: “Esta é uma conquista de toda uma sociedade. Eu sou apenas, sabe, uma pessoa. Eu certamente não mereço isso”. Trump, por sua vez, clama aos quatro ventos que o merece.

É como diz canção de Vinícius: “O homem que diz sou (não é); porque quem é mesmo é (não sou)”. 

A verdadeira virtude é silenciosa, não se afirma; é descoberta, revelada. E, algumas vezes, merecidamente premiada.

Você também vai gostar:

Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

colunistas

Pesquisar

REDES SOCIAIS

Artigo mais lido

youtube

twitter

instagram