A toga não pode ser trincheira

Ismael Almeida

Ismael Almeida

A possível indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal representa muito mais do que uma escolha técnica — é um movimento político com potencial de alterar o equilíbrio entre os Poderes e abalar a confiança do cidadão na Justiça.

Como advogado-geral da União, Messias ultrapassou os limites do cargo e assumiu um papel político, ao criar, por iniciativa própria, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia — um órgão que se propôs a combater a desinformação, mas que na prática se transformou em instrumento de controle narrativo, mirando quase exclusivamente opositores do governo. Nenhuma ação foi dirigida a atores da esquerda, embora a desinformação exista em todos os campos políticos. Quando o Estado escolhe a quem punir por falar, a democracia começa a perder a voz.

A transição de Messias da Advocacia-Geral da União para o STF agrava o problema. O papel de um ministro do Supremo exige distanciamento político, independência e neutralidade. No entanto, sua trajetória recente mostra identificação clara com a agenda do Executivo e uma atuação que beira o ativismo ideológico. Um juiz que já escolheu um lado não pode ser o guardião de todos. Levar ao Supremo alguém com esse perfil significa aproximar perigosamente o tribunal do governo, transformando o guardião da Constituição em parte interessada nos rumos da política.

Há ainda uma contradição evidente na tentativa de apresentar Jorge Messias como um nome “evangélico”, numa estratégia de aproximação do governo com um segmento de valores morais conservadores. Messias pode ser um homem de fé, mas sua atuação institucional e o campo político que representa colidem com princípios caros à maioria dos evangélicos, como a defesa da vida, da família e da liberdade religiosa. Não basta citar a Bíblia; é preciso honrar seus valores. Vender essa imagem é uma tentativa de usar a identidade religiosa como escudo simbólico para legitimar uma escolha essencialmente política.

O Supremo Tribunal Federal precisa de ministros que ajam com isenção, respeito à pluralidade e compromisso com o equilíbrio entre os Poderes — não de intérpretes de governo travestidos de juízes constitucionais. A Constituição não precisa de defensores de narrativa, mas de guardiões da lei. A toga é símbolo de justiça, não de militância. A eventual ida de Jorge Messias ao STF seria mais um passo na politização da Justiça e na perda de confiança do cidadão comum nas instituições que deveriam proteger a liberdade e o Estado de Direito.

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