Derrubar Maduro é justo e necessário. Não há soberania sem legitimidade

Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte

O tema da queda de Nicolás Maduro voltou ao noticiário após dois recentes episódios: o prêmio Nobel da Paz concedido à venezuelana opositora Maria Corina Machado e a autorização formal, dada por Donald Trump, à CIA (Agência Central de Inteligência) para executar operações secretas e potencialmente letais dentro da Venezuela, visando a deposição do ditador.

Sobre as insinuações americanas, o deputado Guilherme Boulos (Psol) escreveu o seguinte: “A ameaça de Donald Trump de atacar a Venezuela é o maior ataque à soberania de países da América Latina desde o fim da Guerra Fria. Deve ser respondida com firmeza. Quem é latino-americano e compactua com isso ou é canalha ou submisso aos interesses dos EUA”.

O Partido dos Trabalhadores (PT), por sua vez, escreveu em nota oficial que “as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em que autoriza operações secretas da CIA no território da Venezuela, são uma afronta à soberania do país sul-americano e uma violação do Direito Internacional.”

Em resposta à postagem de Boulos, cumpre retorquir que canalha mesmo é quem defende o regime de Nicolás Maduro. Quem defende que o poder na Venezuela seja entregue a Edmundo González Urrutia – que foi quem, de fato, venceu as últimas eleições – não é submisso a interesses dos Estados Unidos coisa nenhuma, apenas defende a libertação de um povo das garras de um maldito tirano.

É importante destacar esse ponto. Em entrevista recente à BBC, quando questionada se, em última instância, apoiaria uma “invasão” na Venezuela, Maria Corina Machado respondeu: “Quem está falando aqui sobre invasão? A invasão já existe. O que precisamos é de uma libertação”,respondeu a vencedora do Nobel da paz.

Em entrevista também recente à Folha de São Paulo, Corina explicou que o governo de Nicolás Maduro é um “regime criminoso de narcoterroristas” e que o país vinha sendo invadido desde os tempos de Hugo Chaves por agentes “inimigos do Ocidente” (Cuba, Rússia, Irã, Hamas…). Isso ela já tinha dito à BBC, mas acrescenta novidades, entre as quais uma recomendação para o presidente do Brasil:

Seria muito útil que o presidente Lula, assim como os demais chefes de Estado do continente, enviassem uma mensagem clara a Maduro: chegou a hora de ir embora. Acabou. Vá, para o seu próprio bem Maduro. Aceite isso”.

Lula, sabemos, não vai dizer nada disso para Maduro. Pelo contrário, tentará dissuadir Trump de ajudar o povo da Venezuela a se livrar do tirano.

Pelo menos é o que se depreende de matéria da Folha, assinada por Patrícia Campos Mello e Ricardo Della Coletta, onde se lê que Lula “pretende argumentar, em uma eventual reunião presencial com o americano Donald Trump, que ações militares dos EUA na Venezuela levariam à desestabilização de governos de diversos países e teriam consequências graves para toda a região”.

A referida matéria nos informa ainda que “embora a oposicionista venezuelana Maria Corina Machado tenha saído fortalecida ao ser laureada com o Prêmio Nobel da Paz, o governo brasileiro acredita que ela não tem representatividade no país. Na percepção do Brasil, não existe movimento político na Venezuela forte o suficiente para substituir o chavismo-madurismo”.

Tal percepção do governo brasileiro sobre a Venezuela seria incompreensivelmente distorcida se não soubéssemos que, na verdade, ele é ideológica e cínica. 

O Governo do Brasil obviamente sabe que, em outubro de 2023, Maria Corina foi vencedora absoluta da eleição realizada pela Comissão Nacional de Primárias para selecionar um candidato unitário para as eleições presidenciais de 2024.

Na ocasião, Corina recebeu aproximadamente 93% dos votos válidos, o que representou mais de 2,2 milhões de votos a seu favor. A participação total superou os 2,4 milhões de eleitores, tanto na Venezuela quanto no exterior, superando as expectativas e ocorrendo em meio a enormes desafios.

Esse resultado foi notável, com eleitores enfrentando longas filas sob condições climáticas adversas em bairros tradicionalmente pró-governo, demonstrando um desejo amplo por mudança. 

A vitória de Machado foi descrita como “esmagadora” e unificadora para a oposição, e, por isso mesmo, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), subserviente a Maduro, suspendeu os resultados dias depois, alegando fraude, e ratificado uma inabilitação política contra ela, impedindo sua candidatura oficial.

Sua liderança e popularidade são tais que, mesmo em meio a toda sorte de repressão, ardil, ameaça e perseguição do regime, Edmundo González Urrutia, o candidato por ela apoiado, obteve 7.443.584 votos nas eleições presidenciais de 28 de Julho de 2024, sendo ele, portanto, o verdadeiro e legítimo presidente da Venezuela com 67% dos votos válidos.

É, portanto, uma gritante hipocrisia e uma vil covardia para com os nossos irmãos venezuelanos que líderes de esquerda fiquem repetindo a ladainha de “soberania” para impedir que Maduro seja merecidamente deposto do lugar que ele simplesmente usurpou e que de modo algum é seu por direito.

Não há soberania se não há legitimidade

A esquerda autoritária – admiradora de tiranias e bajuladora de autocratas – tem sempre na manga a carta da “defesa da soberania” ou da “política de não intervenção” quando se trata de garantir que os companheiros ditadores se perpetuem no poder.

A soberania nacional é frequentemente citada como princípio que impede intervenções estrangeiras em assuntos internos de um país. Essa noção é, de fato, uma das bases do sistema internacional contemporâneo, segundo o qual o Estado possui o direito exclusivo de governar seu território sem ingerência externa. No entanto, esse direito é verdadeiramente ilimitado?

Quando o Estado se torna uma máquina de opressão, subjugando seu próprio povo e traindo o contrato social que justifica sua existência, sua soberania perde fundamento moral e político.

Na tradição contratualista (em especial John Locke), a legitimidade do Estado repousa na proteção dos direitos dos governados. Quando o poder se torna tirânico — isto é, quando é exercido além do direito e passa a perseguir ou subjugar o povo — o Estado viola a obrigação fundamental do contrato e perde sua legitimidade.

Dessa perspectiva, a invocação da soberania do tirano como proteção contra intervenção externa é incoerente: um poder que não cumpre as funções essenciais não pode reclamar soberania plena.

Em termos mais contemporâneos, pode-se afirmar que agentes externos — Estados e instituições — têm deveres morais de não permitir ou de corrigir grandes violações de direitos humanos, especialmente quando existe capacidade de agir sem prejudicar terceiros inocentes. 

A responsabilidade moral não termina na fronteira; há deveres positivos de evitar danos massivos a pessoas. Isso sustenta a obrigação moral de intervir em casos extremos de opressão.

Se um regime oprime sua população a ponto de negar liberdades fundamentais, a obrigação de justiça pode justificar ações externas destinadas a restabelecer direitos fundamentais — sobretudo quando outras vias (sanções, apoio à resistência civil, boicotes) falharam.

A teoria política moderna defende, portanto, que a soberania não é um direito absoluto, mas condicional à legitimidade do governo.

O governo de Nicolás Maduro não tem nenhuma legitimidade. Trata-se de um regime repressor, torturador e assassino que recentemente tentou enganar o mundo com uma gigantesca fraude eleitoral, e que, ao ser desmascarado, promoveu mais um autogolpe.

Politicamente criminoso, tal regime é também um desastre econômico de tal monta que tem levado milhões de venezuelanos, forçados pela pobreza extrema, pela fome, pela perseguição política, pelo desespero, a deixarem seu país.

A grande objeção contra apelos simplistas à intervenção é o risco de arbitrariedade, imperialismo, interesses ocultos e danos colaterais. Para mitigar isso, a literatura moral/política costuma exigir condições estritas — semelhantes às clássicas da teoria da guerra justa — que justificam uma intervenção legítima.

Para que uma intervenção seja legítima é preciso causa justa, intenção correta, último recurso, proporcionalidade, perspectivas razoáveis de sucesso e responsabilidade pós-intervenção. Esses critérios trabalham como salvaguardas filosóficas: se aprovados, transformam a ideia de intervenção num instrumento regulado por princípios morais, não num pretexto para agressão.

Não defendo, portanto, que Donald Trump, sozinho, autorize uma invasão à Venezuela. Não se trata disso, absolutamente. Mas a ajuda da CIA ou de qualquer agente estrangeiro para depor Maduro do poder e entregar a presidência a quem a detém por direito só pode ser bem-vinda. Buscar tal ajuda, como o faz Maria Corina Machado, não é trair seu povo. É lutar para libertá-lo.

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