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Equador: Crime Transnacional e Democracia

Mário Machado

Mário Machado

O ano de 2024 começou com imagens terríveis e angustiantes de criminosos mascarados e armados fazendo apresentadores e equipe de um programa de televisão reféns no Equador. Um espetáculo trágico e simbólico da deteriorização das instituições e da Segurança Pública do país andino. A declaração de estado de ‘conflito interno’ autorizou o recrudescimento da segurança e o uso de forças militares contra as quadrilhas criminosas, mas causou pouco efeito em restaurar a sensação de segurança e a paz social.

Era o início dos anos 2000, eu ainda era um estudante de graduação de Relações Internacionais e junto com vários colegas fui selecionado para uma visita técnica ao Equador. Uma oportunidade para aprender a me portar durante uma missão de negócios e a chance de conhecer um país que eu descobriria ser encantador e muito interessante.

Por duas semanas pudemos conhecer e vivenciar um pouco da cultura, do jeito de ser da culinária e do jeito de conduzir negócios do Equador. Pudemos ver as belas plantações de flores que se aproveitam das particularidades de se estar sobre a linha do Equador. Freqüentamos aulas na universidade local, convivemos com estudantes, líderes políticos regionais, profissionais e pessoas de negócio. Vi pela primeira vez a hipnotizante visão de um vulcão ativo e passamos muito tempo nas sinuosas estradas andinas tanto nauseantes quanto apaixonantes. Nenhum momento desses dias, nem quando explorávamos sozinhos as ruas das cidades do interior, ou belo conjunto arquitetônico colonial de Quito pensamos em nossa segurança.

Era em todos os sentidos um país que nos passava mais segurança que o Brasil, alguns sinais estavam lá, mas minha capacidade analítica ainda estava em formação devo admitir, e só muito mais tarde conectei os pontos, abaixo daquela tranqüilidade aparente começava a escalada da presença do crime transnacional, que hoje é uma ameaça a democracia equatoriana.

O medo de quarteladas e golpes é um tema recorrente na política dos países da América Latina e o Equador pelo menos de 2010 é presença constante nos noticiários internacionais por tentativas de golpe e revolta nas forças de segurança. Cada uma dessas crises e as recorrentes denúncias de corrupção minam a confiança nas instituições, a crença no sistema político e escancaram para grupos do crime organizado transnacional que há espaço para ocupar e corromper agentes públicos e o próprio tecido social.

Não há vácuo em Política se o Estado se faz ausente, se as instituições se fazem ausentes outros grupos vão ocupar esse lugar. O ambiente político conturbado criado pela constante crise institucional gerou o ambiente perfeito para que as quadrilhas de criminosos ganhassem poder e organização se tornando perigosos elementos de crime organizado, capazes de usar táticas terroristas na consecução de seus objetivos, sobretudo, de influenciar tomadores de decisão política.

A crise no Equador é muito grave tanto pelas vidas equatorianas em risco, bem como elemento de desestabilização da região, ao que se soma as aventuras militares planejadas por Caracas. E pode tanto pelo fortalecimento das quadrilhas transnacionais como por um efeito demonstração se espalhar por toda América do Sul. É preciso haver uma resposta consertada dos países da região, bem como uma resposta institucional interna que pacifique o jogo político no Equador, fortaleça e aprimore seu sistema prisional e a qualidade das políticas públicas de segurança e qualidade das forças de segurança. Deixar o Equador sozinho nessa luta pode ser desastroso para toda região.

Não há dúvidas a democracia equatoriana está em risco, períodos de aumento de criminalidade, ainda mais com imagens terríveis de universidades sitiada alimentam o mito de que somente um líder forte, com amplos e totais poderes pode restaurar a ordem. É preciso muito esforço para vencer essa crise, o caminho institucional e democrático pode parecer o mais difícil, mas é o único que garante restauração da paz social e manutenção das liberdades individuais.

Devo confessar, ainda é muito difícil conciliar as memórias de paz, alegria e muito aprendizado dos meus dias de juventude no Equador com a violência das quadrilhas do crime transnacional, que o povo equatoriano comum que acorda cedo e trabalha duro para que seus filhos tenham comida, teto e educação, possam novamente viver em paz, como a paz que senti com meus vinte e poucos anos olhando em incredulidade a beleza do Cotopaxi.

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