Esquerda latino-americana abandona luta venezuelana pela democracia

Daniel Batlle

Daniel Batlle

O Prêmio Nobel da Paz de Maria Corina Machado deveria ter unido a América Latina na celebração da resistência democrática ao autoritarismo. Em vez disso, expôs uma profunda divisão ideológica.

Em seu anúncio, o Comitê Norueguês do Nobel descreveu Machado como “um dos exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos últimos tempos”, destacou seu trabalho de uma vida inteira pela democracia diante da máquina violenta do regime de Nicolás Maduro e o vínculo inextricável entre democracia e paz. O regime de Maduro é uma força desestabilizadora e destrutiva na região, e seu domínio contínuo é uma mancha na região que todos os latino-americanos deveriam desejar ver encerrada.

Em vez de aclamação universal, no entanto, as reações dos líderes políticos latino-americanos se dividiram em linhas ideológicas, com líderes da direita exultando com a notícia e os da esquerda, com algumas exceções notáveis, optando por ignorar a conquista, criticar o Comitê do Nobel por politizar o prêmio ou castigar Machado por uma série de ofensas. A reação destaca até que ponto os compromissos ideológicos têm precedência sobre a fidelidade à democracia entre muitos na esquerda latino-americana.

Embora as críticas de líderes autoritários como o presidente cubano Miguel Díaz-Canel fossem esperadas, o silêncio de líderes democraticamente eleitos é decepcionante. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum, quando questionada sobre o prêmio, evitou responder com um “sem comentários” e uma referência lacônica à tradição mexicana de não interferência. O brasileiro Lula da Silva também não fez nenhum comentário, e seu assessor Celso Amorim criticou o Comitê do Nobel por uma decisão que, segundo ele, priorizou a política em detrimento da paz.

O presidente colombiano Gustavo Petro, após publicar inicialmente uma mensagem de felicitações, porém ambígua, disparou uma série de perguntas a Machado sobre como sua aproximação com líderes estrangeiros como Benjamin Netanyahu poderia levar à democracia na Venezuela e, em vez disso, apelou por um diálogo nacional na Venezuela.

Notavelmente, Bernardo Arévalo, o presidente de esquerda da Guatemala, escreveu uma nota de felicitações a Machado por X, sendo praticamente o único entre os líderes de esquerda a reconhecer Machado.

Houve respostas discretas dos líderes de esquerda do Uruguai e do Chile, frequentemente considerados baluartes da democracia na região. Yamandu Orsi, do Uruguai, declarou que este teria sido um bom ano para o prêmio não ter sido concedido. E o presidente chileno, Gabriel Boric, não se pronunciou sobre o assunto, embora seu ministro das Relações Exteriores tenha parabenizado Machado.

As reações revelam como os compromissos ideológicos suplantaram os princípios democráticos na região. Não que Machado deva estar isenta de críticas. Pode-se questionar seu apoio às sanções americanas ou o grau em que ela se alinhou ao presidente Donald Trump, incluindo o apoio ao reforço militar americano no Mar do Caribe, sem desconsiderar a importância e o peso moral de sua campanha.

E sim, Machado dedicou seu prêmio a Trump, uma atitude calculada para manter o apoio da democracia mais poderosa do mundo em um momento em que os líderes regionais abandonaram sua causa.

Mas a facilidade com que muitos na esquerda ignoram ou menosprezam Machado e seu movimento expõe a falsidade de sua retórica sobre solidariedade e democracia, bem como a elevação de princípios defendidos como soberania e não interferência acima de direitos civis básicos e normas democráticas.

O contraste é impressionante. Líderes de esquerda analisam o apoio de Machado às sanções e seu alinhamento com Trump, mas permanecem em grande parte em silêncio sobre a prisão de quase 2.000 dissidentes por Maduro após as eleições de julho, a tortura sistemática documentada por organizações de direitos humanos ou a transformação da Venezuela em um Estado criminoso pelo regime.

O presidente Lula chegou a sugerir em 2023 que a democracia estava “prosperando” na Venezuela e criticou a “narrativa de autoritarismo” contra Maduro – isto é, sobre um regime que baniu candidatos da oposição, fechou a mídia independente e forçou 8 milhões de pessoas ao exílio.

Por sua vez, Machado permanece focada em construir um movimento democrático na Venezuela e lançar as bases para um retorno à democracia. Ela provavelmente continuará buscando apoio onde quer que o encontre e afirma que os governos devem fazer uma escolha simples: “estar com o povo da Venezuela ou com um cartel narcoterrorista”.

A resposta fragmentada de hoje, tanto ao roubo eleitoral de Maduro quanto ao Prêmio Nobel de Machado, revela o quanto a ideologia atualmente divide a América Latina, deixando os democratas venezuelanos isolados e a região enfraquecida. Até que os líderes latino-americanos possam celebrar a coragem democrática, independentemente de sua coloração política, eles permanecerão incapazes de enfrentar as ameaças autoritárias em seu próprio hemisfério.

Como observou o Comitê Nobel, “a liberdade nunca deve ser considerada garantida, mas deve ser sempre defendida — com palavras, com coragem e com determinação”. Essas são precisamente as qualidades que faltam entre os atuais líderes da região.

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