A compreensão da situação de Taiwan como um dos mais importantes focos de tensão no atual cenário internacional, em que a invasão russa na Ucrânia completa um ano deve ter como base as suas origens históricas.
A Revolução Comunista chinesa, que tem como data símbolo 1949, culminou com a consolidação do poder do Partido Comunista da China sobre todo o território continental e com a fuga de seus oponentes para a ilha de Formosa, atual Taiwan, onde as forças derrotadas estabeleceram uma República. Nesse período, a Guerra Fria estava em pleno curso e a República em Formosa passou a contar com o apoio dos Estados Unidos da América e do campo ocidental. Deve-se observar que a China Comunista nunca reconheceu Formosa como estado independente e a considera como uma província rebelde, parte inalienável da China continental. A República da China (Taiwan) representou o país na ONU até 1971 e fazia parte como membro Permanente, com poder de veto, do Conselho de Segurança (CSNU), pois foi um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial. A partir de 1971, a China Comunista passou a ter a representação plena, com a desistência dos Estados Unidos de se opor ao país comunista como um dos membros do Conselho.
A política de uma só China, que vigora desde então, fez que Taiwan passasse a ter uma atuação internacional limitada pela falta de reconhecimento externo. A ilha, contudo, tem tido relações comerciais intensas com inúmeros países, e desenvolveu-se como um polo de tecnologia avançada, destacando-se na produção de semicondutores. O Brasil, por exemplo, tem importantes relações comerciais com Formosa, embora não se relacione diplomaticamente com Taiwan desde que reconheceu a China comunista em 1974. Os dois países mantêm escritórios comerciais e culturais, e a pauta de exportações brasileira é essencialmente de produtos de base como soja, minério de ferro, café, ao passo que importamos produtos industrializados, principalmente eletrônicos de alta tecnologia.
Tendo em vista que a China nunca aceitou a existência de Taiwan como um estado autônomo, e sempre considerou que a ilha deverá ser incorporada a seu território continental como província, os Estados Unidos, desde os primórdios da Guerra Fria, veem Taiwan como um bastião anticomunista. Os americanos têm a visão de Formosa como um posto avançado na defesa do Ocidente e adotam uma política intensa de fornecimento de armas para aquela República. É interessante observar que, conquanto venham armando Taiwan, os EUA na verdade não se têm comprometido a defendê-la diretamente – ou seja, mobilizando suas próprias tropas – no caso de uma tentativa chinesa de ocupação.
Trata-se de política denominada “ambiguidade estratégica”, significando o envio de armamentos, sem envolvimento direto.
A firme caminhada da China no rumo de se firmar como superpotência econômica, industrial, comercial e tecnológica, e sua política de modernização militar tem causado crescente preocupação nos Estados Unidos, que sentem a hegemonia de que desfrutam desde a derrocada da União Soviética no início da década de 1990 ameaçada por um novo contendor que, rapidamente, parece equiparar-se a seu porte de superpotência. Ademais, a renovação do mandato do atual líder chines no Vigésimo Congresso do Partido Comunista de 2022, quando se reafirmou a possibilidade de ocupação de Taiwan por meios pacíficos (“se possível”), tem causado preocupação entre os norte-americanos.
Ainda em 2022, delegações do Congresso dos EUA realizaram visitas oficiais a Formosa, que foram objeto de protestos pelo governo de Pequim. Em reação às visitas, a China imediatamente realizou exercícios militares no entorno da ilha. Os chineses consideraram essas visitas como provocação, mas não foram além dos exercícios militares. Também em 2022, o Presidente dos Estados Unidos chegou a declarar para a imprensa que seu país poderia pegar em armas para defender o “status quo” de Formosa, mas suas declarações foram prontamente qualificadas e amenizadas pela diplomacia americana, e houve posteriormente o anúncio de reforço no fornecimento de armas para Taiwan, no âmbito da chamada ambiguidade estratégica.
A China, que tenta recuperar-se de períodos de baixo crescimento econômico por causa de sua diretriz de covid zero, problemas no mercado imobiliário, e de baixo crescimento populacional, com envelhecimento de sua população, mantém a perspectiva de continuar sua rota de afirmação no cenário estratégico mundial. Seu atual interesse preponderante é uma situação de estabilidade internacional que lhe permita seguir essa trajetória. A posição chinesa em relação ao conflito russo-ucraniano tem buscado um equilíbrio pragmático, com o menor envolvimento possível, ainda que já tenha manifestado desagrado com a invasão.
A apresentação do recente plano de paz chines relativo à guerra na Ucrânia, conflito que claramente está em um impasse, mostra a preocupação chinesa com a estabilidade do sistema internacional. A China é um ator internacional que, pelo seu peso estratégico atual, e pela proximidade com a Rússia, aliada tradicional desde a Guerra Fria, e a quem tem ajudado a contornar as sanções ocidentais, parece ser um dos únicos países capazes de mediar uma iniciativa de paz.
Em síntese, no que diz respeito a Taiwan, a China não deverá tomar a iniciativa de uma invasão no futuro previsível, pois prefere consolidar-se em ambiente de estabilidade e só recuperar sua chamada província rebelde quando as condições lhe forem inteiramente favoráveis.