Geopolítica Comercial

Márcio Coimbra

Márcio Coimbra

Foto: Camille Delbos/Getty Images
Foto: Camille Delbos/Getty Images

As rotas de transporte marítimo são essenciais para o comércio exterior, responsáveis pelo transporte de commodities e também bens de valor agregado ao redor do mundo. Para esta circulação de mercadorias ser eficiente, certos pontos de passagem são considerados vitais, como os canais do Panamá, Suez e Kiel e os estreitos de Bósforo, Gibraltar, Singapura e Ormuz. São as chamadas pedras basilares da navegação, pois sua importância estratégica é crucial para a comunicação marítima internacional.

O mais recente conflito no Oriente Médio levou a desdobramentos perigosos que afetam o trânsito em um dos canais mais importantes do mundo, o chamado Canal de Suez, que realiza a ligação do Mar Vermelho com o Mediterrâneo, localizado no Egito. Embarcações estão sendo atacadas por rebeldes Houthis do Iêmen, estacionados no estreito de Babelmândebe, fronteira do Mar Vermelho com o Golfo de Aden, entrada para o Oceano Índico, que divide o país dos vizinhos Djibouti e Eritréia e a África da Ásia.

Segundo a The Economist 80% do comércio mundial em volume e 50% em valores é transportado pela frota de 105 mil navios porta-contêineres, petroleiros e cargueiros convencionais e o Canal de Suez é responsável por 10-15% do comércio mundial, incluindo as exportações de petróleo, e por 30% dos volumes globais de transporte de contêineres. Isto significa que qualquer instabilidade na região com reflexos nas rotas comerciais pode levar a sérios desdobramentos nas cadeias de abastecimento globais.

Seis das 10 maiores empresas de transporte de carga – como Maersk, MSC, Hapag-Lloyd, CMA CGM, ZIM e ONE – estão evitando em grande parte ou completamente o Mar Vermelho devido à ameaça dos Houthi.  O Banco Mundial alertou que a interrupção das principais rotas marítimas estava “corroendo a folga nas redes de abastecimento e aumentando a probabilidade de ‘estrangulamentos’ inflacionários”. A instabilidade já entrou nos custos globais, porém, seus reflexos podem ainda se expandir.

A crise no Iêmen é grave. Os conflitos já mataram mais de 400 mil pessoas, seja na guerra interna ou mesmo de fome. A disputa é política/religiosa e os Houthis xiitas recebem apoio do Irã, enquanto os sunitas são apoiados pelos vizinhos sauditas. Os Houthis, uma mescla de rebeldes com terroristas, intensificaram suas ações atingindo as cadeias de comércio global com apoio de Teerã em um suposto movimento de apoio ao Hamas. Na verdade, é um grupo que usa a chamada causa palestina para ampliar sua força, poder e apoios na região, assim como vários outros. Da mesma forma como o Hezbollah, tornou-se um mero fantoche que opera sob a orientação dos iranianos.

As rotas de transporte marítimo são essenciais no modelo econômico global. A liberdade de navegação pelos estreitos internacionais é de fundamental importância estratégica para a livre circulação de mercadorias e bens ao redor do planeta, reconhecida pelo Direito Internacional em Convenção das Nações Unidas. A estratégia de usar os Houthis e um país miserável e destruído pela guerra, o Iêmen, como peões contra o Ocidente é apenas mais um capítulo da reorganização de forças da geopolítica global estabelecida por uma rede de países autocráticos, teocráticos e antidemocráticos na construção de uma nova arquitetura internacional. Estamos diante do mais perigoso e desafiador movimento geopolítico desta geração.

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