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Invasão da Ucrânia. Erro estratégico russo?

Márcio Cambraia

Márcio Cambraia

Algumas iniciativas e ações do Governo russo, desde o início da invasão da Ucrânia, suscitam questões sobre o sistema de informações russo, sua capacidade militar, a condução das operações, e a cadeia de comando. As últimas derrotas, em setembro e outubro de 2022, das tropas de ocupação russas na região ucraniana de Donbass, levaram a retiradas caóticas com abandono de blindados, munição e equipamentos. Os ucranianos conseguiram recuperar territórios em áreas de tradicional influência étnica do invasor. Motivadas e bem articuladas, as forças ucranianas contaram com armas mais modernas e sofisticadas fornecidas pela OTAN e pelos Estados Unidos. Os militares russos tiveram problemas logísticos, ficaram gravemente desabastecidos e sofreram com instruções confusas, em momento em que estão cansados pela já longa campanha militar, iniciada em fevereiro de 2022.

Na esteira do recuo, o Governo do Kremlin convocou 300 mil reservistas, o que levou a fuga e exilio maciço de homens em idade de prestação de serviço militar, e a protestos públicos, objetos de forte repressão, causando desgaste político às lideranças do país. Esses conscritos terão que passar por treinamento militar antes de seguirem para o combate. A imprensa, oficial, passou a criticar o alto escalão militar, poupando naturalmente a figura de Putin, que tem sofrido pressão de setores mais radicais do espectro político russo no sentido de que o líder russo deveria ser ainda mais firme na invasão. Seguiu-se a realização de referendos nas áreas de influência étnica russa onde têm raízes movimentos separatistas pró-russos que têm lutado para integrar a Federação Russa.

Os referendos deram vitória quase total (mais de noventa por cento) aos separatistas e foram considerados manipulados pelas potências ocidentais. Tendo como fundamento a vitória nos referendos, o Governo russo institucionalizou a incorporação dos territórios e realizou cerimônia pública no final de setembro no Kremlin, sob o comando do Presidente Putin, e com a presença dos dirigentes dos novos territórios de Zaporíjia, Kerson, Luhansk e Donetsk. Embora esses territórios não estejam sob completo controle da Rússia, a anexação formal faz com que os russos considerem suas divisas como fronteiras da Federação Russa e um ataque a esses territórios seja visto como um ataque direto à Federação. Ademais, deve facilitar o aumento do processo de absorção cultural e administrativa dos territórios anexados, apesar da ausência de reconhecimento internacional.

A Ucrânia reagiu a essas ações com pedido formal de entrada na Aliança Atlântica. Há uma cristalização da posição estratégica ucraniana, embora a adesão à OTAN não seja possível no curto prazo. As considerações acima provocam questões sobre a estratégia russa em relação à invasão da Ucrânia. Um grande problema estaria na área de informações.

O sistema político russo estaria sem condutos adequados de interação com a sociedade, por ser fechado e monolítico, e não ter imprensa livre que facilite a entrada de informações. O sistema fechado ao seu meio ambiente social tem levado a uma inanição, ou seja, falta de informações adequadas para o processo de tomada de decisão. Isso explicaria por exemplo a expectativa de que a população ucraniana receberia bem os invasores, que seriam vistos como libertadores, expectativa que se revelou inteiramente falsa. Tampouco o Governo russo estaria bem informado sobre a vontade ucraniana de lutar, a mobilização de civis da Ucrânia, e a reação e apoio da OTAN e dos Estados Unidos.

A fracassada tomada de Kiev, junto com os eficientes ataques ucranianos a longa e vulnerável (inclusive pelo precário fornecimento de combustível) coluna de blindados que se dirigiam paraa capital mostraram, além de informações inadequadas, falhas da doutrina militar da Federação da Rússia, herdada da antiga União Soviética. Assim, ao invés de tomar rapidamente a capital e instalar um governo pro-russo, como esperado, houve uma mudança de estratégia, que passou a ter como foco a região do Donbass, base de separatistas, onde os russos estão sofrendo as atuais derrotas.

Por outro lado, a estrutura militar russa mostrou falhas na cadeia de comando, com falta de liberdade dos comandantes no teatro de operações para tomarem decisões, que foram concentradas em Moscou. Essa falta de flexibilidade imobilizou o exército invasor em várias situações e o tornou alvo de ataques ucranianos, cujas forças têm maior motivação, unidades mais ágeis e mais autônomas.

Há informações de que o próprio Presidente da Federação Russa estaria dando ordens diretamente a generais no campo de batalha, contraditórias em relação as instruções do Ministério da Defesa. Outras informações dão conta de que, além da falta de interação do sistema político com a sociedade, o Presidente russo teria se isolado demasiadamente, desde a pandemia, ouvindo apenas a um círculo restrito de assessores de sua inteira confiança. Assim, além da falta de informações fidedignas, o governo russo estaria com dificuldades no processo de tomada de decisão de alto nível.

Embora a Rússia esteja tendo êxito ao contornar as sanções ocidentais desde o início da guerra, não tem conseguido o domínio nem mesmo de territórios pro-russos no Donbass, o que tem levado o governo a se sentir acuado e a reiterar as ameaças de uso de armas de destruição em massa, inclusive nucleares. A explosão da ponte que liga a Rússia a Crimeia, vital para suprimentos, e motivo de orgulho pessoal do Presidente Putin, levou a uma barragem de misseis russos contra a Ucrânia, de forma indiscriminada, atingindo alvos militares e civis. Note-se que esses bombardeios, de retaliação, além de causarem revolta na população civil, não devem levar a benefícios estratégicos russos, pois tropas que realmente conquistam e mantêm território são compostas pela infantaria.

Não se consegue ver os ganhos russos com a invasão, que se arrasta desde fevereiro de 2022, na medida em que a Federação Russa não logrou vitórias estratégicas, fez com que as potências ocidentais se unissem e se mobilizassem, e tem perdido prestigio até em territórios de tradicional influência étnica na Ucrânia. Mesmo a China, sua aliada, tem se mostrado crescentemente reticente e cautelosa em relação a invasão, como manifestado na reunião da Organização de Shanghai, em 15 de setembro no Uzbequistão pelo dirigente chines, que disse ” ter preocupações ” com a guerra na Ucrânia.

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