María Corina Machado em Oslo: a “jornada rumo à liberdade” da Venezuela

Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte

A líder opositora venezuelana María Corina Machado, figura que há anos encarna a resistência contra o regime autoritário de Nicolás Maduro, tornou-se um símbolo de luta pela democracia, marcando indelevelmente a história política venezuelana. 

Seu percurso da clandestinidade venezuelana à presença em Oslo – onde deveria receber o prêmio Nobel da Paz — é o retrato vivo do drama e da resistência de um povo cuja soberania tem sido usurpada pelo arbítrio e pela violência institucionalizada.

Oculta dos olhos públicos por mais de um ano, Machado vivia em clandestinidade desde meados de 2024, quando uma ofensiva do regime venezuelano contra opositores foi intensificada após a eleição presidencial daquele ano – disputada em condições dramáticas, vencida pela oposição e usurpada pelo ditador Nicolás Maduro. 

Encarada como ameaça pelo aparato estatal, Corina Machado passou a ser procurada sob acusação de “conspiração, incitamento e terrorismo” — termos usados pelo regime ditatorial venezuelano para criminalizar a dissidência política.

Com o objetivo de receber o reconhecimento internacional que lhe fora outorgado, ela empreendeu nos últimos dias uma fuga clandestina que mais parece saída de um roteiro cinematográfico. 

Disfarçada, com peruca e sob tensão constante, atravessou múltiplos postos de controle militar venezuelanos até alcançar uma embarcação de pescadores que a conduziu ao mar do Caribe, rumo à ilha de Curaçao. Em Curaçao, exaustão e alívio: uma noite em um quarto anônimo, um breve descanso e uma mensagem gravada para agradecer “tantas pessoas que arriscaram suas vidas”, e a espera por um avião privado que cruzaria o Atlântico em direção à Noruega.

Pouco antes da meia-noite do dia 11 de dezembro, na sacada do Grand Hotel de Oslo, essa mulher formidável apareceu, saudando a multidão e entoando o hino da Venezuela. 

Horas antes, a sua filha havia assegurado que ela viria: “minha mãe nunca quebra uma promessa. E é por isso que eu, com toda alegria no meu coração, posso dizer que, dentro de poucas horas, nós poderemos abraçá-la aqui, em Oslo, depois de dezesseis meses vivendo no exílio.”  

O discurso do Nobel da Paz

Embora María Corina Machado não tenha conseguido chegar a tempo de receber presencialmente o Nobel da Paz, ela foi bem representada por sua filha, Ana Corina Sosa Machado, que leu o seu discurso na cerimônia. 

Nesse texto há uma dupla dimensão: o testemunho histórico da Venezuela pré-autoritarismo e a denúncia contundente das práticas que corroeram a vida política daquele país.

Logo no início de sua intervenção, Machado articula a genealogia da liberdade venezuelana como um legado avesso ao totalitarismo: a Constituição de 1811, evocada como referência fundadora, ressoa não como mera evocação histórica, mas como fundamento ético de uma comunidade política que foi desfigurada. 

Desfigurada por Hugo Chavez, que iniciou o desmonte das instituições, e por Nicolás Maduro, que efetivou um terrorismo de Estado:

“Quando percebemos quão frágeis nossos institutos haviam se tornado, um homem que havia liderado um golpe militar para derrubar a democracia foi eleito presidente. Muitos acreditaram que o carisma poderia substituir o Estado de Direito. A partir de 1999, o regime desmontou nossa democracia: violou a Constituição, falsificou nossa história, corrompeu as Forças Armadas, expurgou juízes independentes, censurou a imprensa, manipulou eleições, perseguiu dissidentes.

[…] Enquanto isso, algo ainda mais profundo e corrosivo acontecia: um método deliberado de dividir a sociedade por ideologia, raça, origem e modos de vida, empurrando os venezuelanos a desconfiarem uns dos outros, a se calarem, a se verem como inimigos. Eles nos esmagaram. Nos prenderam, nos mataram e nos forçaram ao exílio. […]

Após quase três décadas lutando contra uma ditadura brutal, tentamos de tudo. […]

Edmundo González Urrutia venceu com 67% dos votos. Em todos os estados, cidades e povoados.

Em cada estado, cidade e vila, cada ata contava a mesma história. Em poucas horas, elas foram digitalizadas e publicadas em um site para o mundo ver. Mas a ditadura respondeu com terror.

Duas mil e quinhentas pessoas foram sequestradas, desapareceram e foram torturadas. Casas foram marcadas, famílias inteiras transformadas em reféns. Padres, professores, enfermeiros, estudantes. Qualquer pessoa que ousasse compartilhar uma ata foi caçada. Esses são crimes contra a humanidade documentados pelas Nações Unidas. Terrorismo de Estado usado para enterrar a vontade do povo.

Mais de 220 crianças detidas após as eleições foram eletrocutadas, espancadas e sufocadas até repetirem a mentira que o regime precisava: incriminarem-se falsamente, dizendo que haviam sido pagas por mim para protestar. […]”

A Venezuela, sob Maduro, não é apenas um país em crise política é um país destruído pela perversidade dos que sustentam tal regime. O discurso de Corina Machado expôs a captura autoritário do Estado venezuelano, transformado em instrumento de aniquilação da esfera pública; o testemunho de Corina Machado expôs os valores que regem sua alma ordenada e equilibrada; o reconhecimento de Corina Machado expôs que tais valores são reais, objetivos e compartilhados por todos aqueles que não estão entorpecidos por nefastas ideologias.

“Compreendemos que nossa luta era muito mais do que eleitoral. Era uma luta ética pela verdade, uma luta existencial pela vida, e uma luta espiritual pelo bem”, escreveu a ganhadora do prêmio Nobel da Paz. E continuou:

“A causa da Venezuela transcende nossas fronteiras. Um povo que escolhe a liberdade, escolhe contribuir não apenas para si mesmo, mas para a humanidade. Somente por meio desse alinhamento interior, dessa integridade vital, nos erguemos para encontrar nosso destino. Só então nos tornamos quem realmente somos, capazes de viver uma vida digna de ser vivida.” 

Tais palavras têm força porque não são meramente retóricas. Há total coerência entre seu discurso e suas ações. 

Maduro cairá. A História, se descrita com seriedade e fidedignidade, mostrará à posterioridade sua mediocridade e a covardia dos que, como o presidente do Brasil, Luís Inácio Lula as Silva, o ajudaram a instaurar e a manter a tirania. E honrará a grandeza de uma heroína que liderou seu povo em uma jornada rumo à liberdade”.

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