Na sua viagem à África do Sul, para a cúpula do Brics, Lula declarou: “Agora, você pode fazer uma reunião do Brics com o G7 em condições de superioridade porque o PIB, na paridade de compra, os Brics tem mais”.
Quer dizer que os BRICS – ao contrário do que o próprio Lula declarou horas antes de proferir a fala acima – são para se contrapor ao G7? O que Lula entende por “superioridade”? Nas ditaduras reunidas no Brics há mais direitos políticos e liberdades civis do que nos países do G7? Há mais inovação tecnológica e social? A renda (o PIB per capita) é maior do que nas democracias liberais?
Vejamos.
NOS DIREITOS POLÍTICOS E NAS LIBERDADES CIVIS
Dos 20 países com mais direitos políticos e liberdades civis no ranking da Freedom House (FH 2023), todos (ou quase todos) são democracias liberais (V-Dem) ou plenas (The Economist Intelligence Unit – EIU 2023). Obviamente nenhum deles faz parte do Reino do Bricstão.
1 Finlândia
2 Noruega
3 Suécia
4 Nova Zelândia
5 Canadá
6 Dinamarca
7 Irlanda
8 Luxemburgo
9 Holanda
10 Bélgica
11 Japão
12 Portugal
13 Suíça
14 Uruguai
15 Austrália
16 Eslovênia
17 Barbados
18 Chile
19 Estônia
20 Alemanha
NA INOVAÇÃO
Entre os 10 primeiros colocados no ranking do IGI – Índice Global de Inovação 2022 da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) – só um não é uma democracia liberal (Singapura, o eterno ponto fora da curva e a exceção que confirma todas as regras). Mas, novamente, não aparece no ranking nenhum país do Reino do Bricstão.
1 Suíça
2 EUA
3 Suécia
4 Reino Unido
5 Holanda
6 Coreia do Sul
7 Singapura
8 Alemanha
9 Finlândia
10 Dinamarca
NA RENDA PER CAPITA
A renda per capita média do Brics inflado (US$ PPP 2020) é 20.898. A renda per capita média das democracias plenas (sem Taiwan, porque a China se apropria dos índices) é 48.917. Só uma ditadura, das que foram recentemente incluídas no grupo – os Emirados Árabes Unidos –, tem uma renda acima desse valor. Sim, no ranking dos 27 países com renda per capita (US$ PPP 2020), acima de 40 mil dólares, 20 são democracias liberais ou plenas e apenas 7 são autocracias:
1 Luxemburgo: 112.557
2 Singapura: 93.397
3 Irlanda: 90.789
4 Qatar: 85.290
5 Suíça: 68.755
6 Noruega: 63.548
7 Emirados Árabes Unidos: 63,299
8 EUA: 59.920
9 Hong Kong: 56.154
10 Dinamarca: 55.820
11 Holanda: 54.324
12 Islândia: 52.376
13 Áustria: 51.858
14 Alemanha: 51.423
15 Suécia: 50.923
16 Bélgica: 48.770
17 Austrália: 48.679
18 Finlândia: 47.154
19 Canadá: 46.064
20 Kuwait: 44.847
21 Arábia Saudita: 44.328
22 Nova Zelândia: 42.775
23 Reino Unido: 42.676
24 Coréia do Sul: 42.336
25 França: 42.321
26 Barein: 41.481
27 Japão: 40.232
O QUE É NA VERDADE O BRICSTÃO
Por que o Brasil se alinha a esses países tão “atrasados” – em democracia, em inovação e em renda per capita – do Reino do Bricstão? A justificativa dos militantes lulopetistas é que os BRICS são apenas um acordo econômico “para o Brasil vender mais”. Mas é falsa! O próprio Lula falou várias vezes que os Brics deveriam intervir para forçar uma paz na Ucrânia. E falou também (tem vídeo) que a aproximação com ditaduras como a China não é só comercial, mas estratégica (principalmente geopolítica).
Com efeito, no dia 14 de abril de 2023, em viagem de rendição simbólica à China, Lula declarou:
“A compreensão que o meu governo tem da China é a de que temos que trabalhar muito para que a relação Brasil-China não seja meramente de interesse comercial… Queremos que a relação Brasil-China transcenda a questão comercial… [para] elevar o patamar da parceria estratégica e, junto com a China, equilibrar a geopolítica mundial”.
Fica claro que o BRICS inflado não é outra coisa: é o mesmo delírio do Sul Global. O Bricstão é o embrião de um bloco autocrático de ditaduras (autocracias eleitorais e autocracias fechadas) e de democracias (apenas) eleitorais (não-liberais) parasitadas por populismos e capturadas pelas maiores tiranias do planeta para combater as democracias liberais (sob o pretexto anacrônico e risível de que é preciso derrotar o imperialismo norte-americano e o suposto neocolonialismo europeu).
NÃO É SÓ EUA X CHINA
O fato é que uma segunda grande guerra fria já começou. Claro que ela não se parecerá com a primeira: é outra coisa. E não é apenas EUA X China, como se repete. Estamos diante de uma campanha de exterminação das democracias liberais.
Quando tudo passa a ser China – num modelo explicativo pedestre (porque a China é populosa, porque a China é uma potência econômica e militar que vai ultrapassar os Estados Unidos, porque a China manda na Ásia e na África etc.) o que se esquece com isso?
a) Com isso se esquece que há um eixo autocrático em formação articulando dezenas de países.
b) Com isso se esquece que existem hoje no mundo, segundo o V-Dem, 89 ditaduras (56 autocracias eleitorais e 33 autocracias fechadas), para não falar das 58 democracias (apenas) eleitorais, não liberais, que estão sendo disputadas para ser capturadas pelo eixo autocrático.
c) Com isso se esquece que os populismos, digam-se de esquerda ou de direita, objetivamente, estão tentando levar os regimes que parasitam a se alinharem ao eixo autocrático.
d) Com isso se esquece que, escondido dentro do eixo autocrático, há um projeto de império neoeurasiano capitaneado pela Rússia que, conquanto alucinado, busca juntar Armênia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Sérvia, Irã, Síria e anexar ou colonizar Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Polônia, Finlândia e os países bálticos.
e) Com isso se esquece – o mais importante – que o eixo autocrático tem por objetivo principal destruir as democracias liberais ou plenas, reduzidas hoje a menos de quatro dezenas de países. A união das 32 democracias liberais (segundo o V-Dem) com as 24 democracias plenas (segundo a The Economist Intelligence Unit) fornece a seguinte lista dos 35 alvos prioritários atuais ou inimigos principais das tiranias: Alemanha, Australia, Austria, Barbados, Belgica, Canadá, Chile, Chipre, Coreia do Sul, Costa Rica, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, República Checa, Seicheles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai.
É para preocupar? Sim, e muito. Os democratas são acentuada minoria no mundo atual. Vivem em democracias plenas apenas 631 milhões de pessoas. O que dá menos de 8% da população mundial.