A percepção de que as ações do Judiciário são políticas enfraquece a instituição e fortalece os políticos. É especialmente preocupante porque uma democracia pode sobreviver a políticos ruins, mas não a um Judiciário desacreditado. A confiança nos juízes é essencial. Os apressadinhos se metem a dizer que ninguém confia no Judiciário há muito tempo. É um erro.
Pense em qualquer caso de difamação que você vê em redes sociais. Quando a coisa desanda, o que o pessoal diz? “Esse merece um processinho”, ou seja, há confiança de que o Judiciário resolve. O mesmo vale para quando alguém te deve e não quer pagar, para violência doméstica, para casos trabalhistas. Fora do mundinho pantanoso dos políticos, o Judiciário é visto como quem vai defender o cidadão e fazer valer a lei.
No entanto, como explicar decisões judiciais inconsistentes em casos políticos? Por que o ministro Fachin vota para extinguir processos contra Renan Calheiros e Romero Jucá, mas vota para manter a pena de José Dirceu? A ministra Cármen Lúcia aliou-se a ele. Do outro lado estavam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Quem seria o fiel da balança para decidir se a pena de Dirceu seria ou não extinta? Um ministro indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques. E foi ele quem liberou o petista.
Casos como o da Odebrecht, onde delações premiadas resultaram na devolução de bilhões de dólares, agora são anulados. E não são casos apenas do Brasil, envolvem diversos países. Casos assim iniciam o falatório de que o Judiciário decide conforme convém, minando a confiança no sistema.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também trouxe no mesmo dia um outro exemplo. O caso das jóias de Bolsonaro virou uma crise nacional, enquanto Lula foi liberado para ficar com as jóias, no caso relógios caríssimos, que recebeu na presidência. Como explicar isso para o cidadão comum?
Por enquanto, o Judiciário tem a sorte de duas coisas. A primeira é que as pessoas, por falso senso de elitismo, atribuem decisões a ministros e não à Corte. Para fingir que sabem do tema, dizem que “o ministro tal decidiu isso”, não que “o STF decidiu isso”. Se a Corte fosse contrária, reformaria a decisão rapidamente, simples assim. Mas o desconhecimento aliado à necessidade de demonstrar intimidade com a matéria pulverizam a responsabilização. A carga de imagem que cairia sobre o STF se divide em onze.
A segunda coisa é que os brasileiros ainda confiam no Judiciário para questões não políticas. O problema surgirá se essa contaminação política se expandir para outras áreas, ligadas à rotina do cidadão comum.
A democracia depende de um Judiciário forte e confiável. O Judiciário precisa agir com transparência e consistência para manter a confiança pública. Se falhar, veremos um aumento da descrença e da busca por soluções alternativas. Que soluções seriam essas? A julgar pela forma como o brasileiro vota, não dá para ser otimista.