O dilema de uma só China

Mário Machado

Mário Machado

Semicondutores controlam o mundo moderno, os chips de computador que permitem processamento de grandes quantidades de dados, comunicações instantâneas globalmente e funcionamento de nossos computadores e celulares são feitos usando semicondutores. A importância econômica e estratégica dessa tecnologia é autoevidente. Quase nada hoje funciona sem um chip de computador.

Estimativas do mercado colocam que em torno de 56% de toda a produção mundial de semicondutores está concentrada nas fundições da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, mais conhecida pela sigla TSMC. Não é exagero dizer que a qualquer instabilidade na ilha de Taiwan prejudica em grande proporção a economia mundial, ainda mais se levarmos em conta que as placas gráficas de alto poder computacional tão necessárias para pesquisa e desenvolvimento no campo da Inteligência Artificial, dependem das fábricas da TSMC para serem produzidos.

O governo chinês continental tem uma visão imutável de que todos os lados do estreito de Taiwan fazem parte de uma só China, logo a ilha seria uma província rebelde, que Pequim estaria disposta a permitir um regime especial, similar ao de Hong Kong (que nos últimos anos tem visto a sua lista de liberdades democráticas serem erodidas).

Taiwan também comunga da visão de que há uma só China, a ilha nunca declarou sua independência e essa questão é ponto de debate interno, embora o campo pró-independência seja minoritário. Em Taiwan se diz que há uma só China com várias interpretações.  Esse status ambíguo de Taiwan resulta em certo isolamento da ilha em termos internacionais, não sendo aceita como membro da Organização das Nações Unidas e seu sistema de agências, por pressão direta da China, que entende como inadmissível manter relações diplomáticas com Pequim e Taipei simultaneamente.

Os Estados Unidos mantêm o que chamam de política de ambiguidade com Taiwan, ou seja, a um só tempo não possuem laços diplomáticos oficiais, mas vendem armas e fazem exercícios militares regulares, além de administrarem uma embaixada de facto em Taipei e diversos outros laços culturais e econômicos. Asseguram a defesa da ilha em caso de invasão ao mesmo tempo sem um arranjo institucional adensado para tanto.

Nos últimos anos o governo de Pequim tem aumentado a presença militar no estreito de Taiwan. Muitos especialistas em segurança internacional apontam que o esforço de modernização do Exército Chinês é motivado pela necessidade operacional advinda dos planos para a tomada do que eles enxergam ser uma província rebelde. A ameaça que paira sobre Taiwan por conta da política de reintegração da ilha ao território chinês por qualquer método possível, não é como diz a expressão popular “da boca pra fora”. É uma possibilidade relevante, que muitos analisam ser uma questão de quando e não de se irá ocorrer.

As Forças Armadas chinesas demonstram seu poderio conduzido vôos de reconhecimento, bombardeios simulados, além de movimentarem porta-aviões e outros meios navais com constância pela região. Os gastos militares de Taiwan embora em tendência de aumento de seu volume comparado ao PIB taiwanês, ainda estão muito abaixo das capacidades do gigante comunista.

Pequim também se vale de outros recursos, como campanhas de desinformação para tentar a um só tempo influenciar os resultados de eleições em Taiwan e enfraquecer a democracia local contribuindo para a erosão da confiança nas instituições e atores políticos.

Taiwan é uma democracia jovem a ilha pela maior parte de sua história de 1949 a 1987 viveu sobre o regime Lei Marcial que se seguiu a vitória comunista nos estertores da Segunda Guerra Mundial, tendo realizado em 1992 sua primeira eleição presidencial. Ainda assim, as instituições e a própria democracia da ilha têm se mostrado resilientes diante dos ataques chineses, mas quanto tempo poderão resistir, ainda mais se levarmos em conta que Pequim está observando e aprendendo com erros e acertos russos na Ucrânia?

Muito do nosso mundo moderno e do crescimento e desenvolvimento econômico mundial dependem das fundições da TSMC e não é factível no curto e médio prazo mitigar os riscos criando novos fabricantes de semicondutores, a literatura econômica nos mostra que muito do poder fabril se constrói a partir de pesquisa e desenvolvimento, pessoal altamente capacitado e inovador e conhecimentos tácitos internos as firmas. , o que aumenta ainda mais os riscos envolvidos nessa região. Como os governos do mundo vão reagir aos riscos intrínsecos desse dilema chinês?

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