O papel dos democratas na idade das trevas

Augusto de Franco

Augusto de Franco

O atual debate polarizado sobre a guerra do Hamas contra Israel evidenciou como o analfabetismo democrático é profundo e generalizado entre nós. Sobre isso, no dia 25 de novembro de 2023, publiquei no X (antigo Twitter) a seguinte declaração que tem como título a imagem de três velas acesas (para lembrar que a democracia não é a luz de um holofote, mas a de miríades de pequenas velas).

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Não adianta tentar convencer da democracia pessoas que não fazem a menor ideia do que é democracia (tomando-a como sinônimo de regime eleitoral) e, se sabem o que é, não apostam na democracia. Elas não acham que a democracia seja um valor universal, mas apenas ocidental, quando não imperialista e colonialista. Elas nem sabem que existem ou não acreditam nos grandes centros que monitoram a democracia no mundo, como a Freedom House, a The Economist Intelligence Unit e o V-Dem.

Então essas pessoas defendem um Estado palestino, mas estão pouco se lixando se esse Estado, comandado pelo Hamas ou por outra organização do jihadismo ofensivo islâmico, for uma tirania teocrática (como o Irã) ou uma autocracia genocida (como a Síria). Estão assobiando e andando se uma sociedade dominada por um Estado desse tipo for misógina e com altos graus de violência doméstica, onde LGBTs são reprimidos e mortos, onde não vigora a liberdade de opinião pela própria ausência do conceito de opinião (doxa), onde fazer oposição é um ato de traição.

Seria preciso um longo processo de conversão para que uma pessoa que pensa assim pudesse participar constutivamente de conversações democráticas.

Toda uma geração que foi doutrinada com ideias antidemocráticas (como a maioria dos combatentes atuais do Hamas, da Jihad Islâmica, do Hezbollah) e ensinada a reproduzir comportamentos autocráticos não virará, em sua imensa maioria, defensora da democracia só porque agora têm um Estado para chamar de seu. E não deixará de querer exterminar Israel só porque têm sua própria ditadura reconhecida internacionalmente. Se fosse assim, o Irã, a Rússia e outras autocracias onde vive a maior parte da população mundial – que são Estados reconhecidos – não estariam financiando ou apoiando o terrorismo e a guerra contra as democracias liberais em escala global.

Infelizmente é forçoso reconhecer que isso significa que, para a maioria da humanidade, no curto (e talvez no médio) prazo não haverá democracia, não haverá paz, nem haverá respeito aos direitos humanos. É a terceira onda de autocratização na qual já estamos imersos, que não sabemos quanto durará.

O papel dos democratas durante essa idade das trevas é manter vivas conversações democráticas onde for possível, multiplicando – mesmo que em iniciativas locais – o número de democratas, encontrando e palmilhando novos caminhos na escuridão e usando suas pequenas luzes para usinar novas matrizes de interação com o mundo que tenham a ver com comportamentos consonantes com ideias de liberdade como sentido da política, de autonomia, de colaboração, de auto-organização, de rede (mais distribuída do que centralizada) e de convivencialidade (amistosa ou não-adversarial).

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