Por que a mídia não fala do genocídio cristão na Nigéria?

Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Bill Maher não é conhecido por suavizar opiniões. Comediante, roteirista e apresentador de televisão, há décadas provoca polêmica em seu programa Real Time with Bill Maher na HBO. Frequentemente ácido em relação à fé cristã, surpreendeu parte da audiência ao destacar, em setembro, uma tragédia que raramente ocupa espaço no noticiário internacional: o massacre de cristãos na Nigéria.

“Não sou cristão, mas eles estão matando sistematicamente os cristãos na Nigéria”, afirmou Maher. “Eles já mataram mais de 100 mil desde 2009. Já queimaram 18 mil igrejas. Isso é muito mais uma tentativa de genocídio do que o que está acontecendo em Gaza. Eles estão literalmente tentando exterminar a população cristã de um país inteiro. Onde estão os jovens protestando contra isso?”

A contundência da fala quebrou o silêncio ensurdecedor da grande imprensa. E a pergunta se espalhou rapidamente pelas redes sociais: por que uma crise humanitária dessa magnitude só veio ganhar visibilidade porque um comediante ateu a mencionou na televisão? Onde estão os correspondentes internacionais, os repórteres investigativos e as manchetes indignadas que surgem quando o tema interessa às agendas de poder?

Os dados estão disponíveis há anos. A Open Doors, organização internacional dedicada a apoiar cristãos perseguidos, coloca a Nigéria como o sétimo pior país do mundo para quem professa a fé em Cristo. Não é um ranking simbólico: ali morrem mais cristãos do que em qualquer outro lugar do planeta. O último relatório da entidade afirma que os ataques não são episódios isolados, mas parte de uma campanha sistemática de extermínio religioso. Boko Haram, ISWAP e milícias de pastores Fulani seguem um roteiro conhecido: homens executados em praça pública, mulheres sequestradas e violentadas, aldeias inteiras queimadas, igrejas demolidas. O saldo é um país com milhões de deslocados internos, famílias vivendo em campos improvisados, sem comida, sem abrigo e sem perspectivas.

Em junho, o massacre no Estado de Benue escancarou mais uma vez essa realidade. Milicianos armados atacaram comunidades cristãs durante a noite e deixaram mais de duzentos mortos. “Eles mataram muitos do nosso povo, incluindo vários da família do meu marido”, relatou Imma, sobrevivente que perdeu parentes diante de seus olhos. Outro sobrevivente, chamado Simon, descreveu como os militantes incendiaram armazéns onde mulheres e crianças dormiam. O fogo consumiu tudo. O terror, porém, não se limita a esses números: cada ataque deixa comunidades inteiras deslocadas, aterrorizadas e sem condições de recomeçar.

Nada disso é um acidente histórico. Desde a independência, a Nigéria viveu como uma república costurada às pressas. Em 1914, os britânicos unificaram territórios que até pouco antes compunham o império islâmico do Califado de Sokoto. Após a Primeira Guerra Mundial, a incorporação do norte dos Camarões aumentou ainda mais a população muçulmana do país. Essas linhas de tensão nunca foram resolvidas. Quando, em 1999, o retorno da democracia permitiu que doze estados do norte instituíssem a sharia, a perseguição religiosa tornou-se política de Estado. Blasfêmia e apostasia passaram a ser crimes punidos com violência, criando terreno fértil para que grupos terroristas atuassem com a complacência ou a omissão das autoridades.

O resultado é o que se convencionou chamar de genocídio silencioso. Dezenas de milhares de cristãos foram assassinados na Nigéria apenas neste século por causa da fé. As cifras são brutais e contínuas. A cada semana, igrejas são atacadas, missas interrompidas por explosões, aldeias invadidas. A cada mês, centenas de viúvas e órfãos engrossam um êxodo invisível aos olhos do noticiário global.

E aqui entra a contradição mais gritante. O Reino Unido, os Estados Unidos e a União Europeia, que fazem discursos inflamados sobre a defesa de minorias, mantêm-se praticamente em silêncio sobre a perseguição de cristãos na África. As mesmas vozes que se levantam para denunciar o antissemitismo, a islamofobia ou a homofobia não parecem se comover com a realidade de cristãos negros assassinados em massa. A indignação é seletiva. O discurso da inclusão, que deveria ser universal, se dobra diante de interesses geopolíticos e narrativas convenientes.

Por que a imprensa brasileira também escolheu ignorar essa realidade? Se não há Israel ou judeus no meio, não interessa? Ou será que, no imaginário das redações, negros cristãos na África não se encaixam na categoria de minoria digna de proteção? Seriam os “defensores de minorias” racistas enrustidos? São perguntas incômodas mas inevitáveis. Porque, enquanto editoriais discutem hashtags e causas passageiras, homens e mulheres são executados na Nigéria apenas por professar a fé em Jesus.

O genocídio cristão na Nigéria não é uma nota de rodapé, é um dos maiores dramas humanitários do século XXI. Expõe a hipocrisia de quem se apresenta como guardião da diversidade, mas fecha os olhos para o massacre de uma comunidade inteira. Silenciar diante disso é, no mínimo, cumplicidade. Afinal, quantos corpos precisam se acumular para que a palavra “genocídio” seja usada com a mesma veemência que já se aplica a outras causas? Até quando a vida dos cristãos africanos será considerada descartável na lógica seletiva da indignação ocidental?

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