Trabalhar com análise política é interessante, mas, às vezes, se torna um tanto fastidioso, tendo em vista a necessidade de repisar obviedades “ululantes”.
Tenho insistido especificamente na incoerência de Lula, que se autoproclama líder democrático ao mesmo tempo em que defende ditaduras amigas; que se proclama pacifista ao mesmo tempo em que se derrete de amores pelo belicista Putin.
Em janeiro de 2024, escrevi o artigo “Lula: cai a máscara democrática de um tirano”; em janeiro de 2025, escrevi “Lula: um abraço na democracia, outro em Maduro”, dentre dezenas de outros textos nos quais repiso a hipocrisia do presidente brasileiro.
Foi, portanto, com interesse que li a matéria da revista britânica The Economist, que expõe a “política externa cada vez mais incoerente de Lula”. Antes tarde do que nunca, pensei eu. Já era tempo de o mundo livre abrir bem os olhos a respeito da hostilidade de Lula contra o Ocidente.
Embora a matéria tenha levado a uma furiosa retaliação verborrágica da mídia governista, a ponto de determinados portais chamarem a publicação de “preconceituosa, obtusa e reacionária”,trata-se de uma reportagem quase descritiva, com pouco juízo de valor.
A reportagem traz o seguinte título: “Presidente do Brasil perde influência no exterior e é impopular em casa”. É um fato, não uma interpretação.
O texto – que começa apontando a veemente condenação do governo brasileiro ao ataque americano às instalações nucleares do Irã – segue explicitando a incoerência e a obtusidade da atual política externa brasileira:
“Lula corteja a China”, diz a revista, lembrando que ele se encontrou com Xi Jinping duas vezes no ano passado e que não fez nenhum esforço para estreitar laços com os Estados Unidos desde a eleição de Donald Trump.
“Lula foi o único líder de uma grande democracia a comparecer às comemorações russas do fim da Segunda Guerra Mundial”, diz a matéria, acrescentado que Putin nem ninguém deu ouvidos ao seu interesse de mediar a guerra na Ucrânia.
Lula tampouco consegue assumir protagonismo e pragmatismo na América Latina, afirma ainda a revista:
“Quando assumiu o cargo pela terceira vez, em 2023, apoiou Nicolás Maduro, o autocrata da Venezuela”, denuncia The Economist, apontando também o distanciamento de Lula em relação ao presidente argentino Javier Milei por motivos meramente ideológicos e o esquecimento do Haiti, que “se afunda em um inferno governado por gângsteres”.
Por fim, a matéria conclui acerca da irrelevância do Brasil no contexto das guerras nas quais Lula insiste em se meter: “nas questões geopolíticas mais urgentes, como a guerra na Ucrânia ou o Oriente Médio, o Brasil simplesmente não é muito importante. Lula deveria parar de fingir que é e se concentrar em questões mais próximas”.
Tudo isso é coisa sabida, denunciada na referida reportagem de forma até comedida. Os gringos pegaram leve com Lula.
A revista apenas explicita o que qualquer um que não seja lulista fanático não tem mais dúvida: o presidente brasileiro tornou-se um ator irrelevante, quando não nocivo, no cenário internacional, que foi palco da sua maior ambição e de esforços inauditos de projeção.
A hostilidade de Lula ao mundo livre é proclamada por ele mesmo, ao alinhar-se ao chamado Sul Global; caminho no qual é insuflado pela extrema-esquerda brasileira que adotou o discurso decolonialista que demoniza a Civilização Ocidental.
Já a simpatia de Lula pelo Irã avança para o apoio sempre que aparece oportunidade; e vem de longe, desde os primeiros mandatos.
A reação do Itamaraty
Mais do que a reportagem sem surpresas da revista The Economist, atraiu minha curiosidade a carta assinada pelo ministro ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira: uma coisa elaborada não pela prudência diplomática, mas por insidioso rancor; atitude incompatível com as tradições de apuro e competência da diplomacia brasileira desde os tempos do Barão do Rio Branco.
A carta do Itamaraty, respondendo à reportagem da revista The Economist sobre o presidente Lula, revela mais sobre este personagem do que as verdades ditas pela revista britânica. É bizarro que o Ministério das Relações Exteriores ocupe seu tempo respondendo reportagens adversas publicadas ao redor do mundo.
Ao primeiro olhar já podemos perceber que ao Itamaraty coube apenas alinhavar a narrativa do presidente contrariado e ressentido.
“Poucos líderes mundiais, como o Presidente Lula, podem dizer que sustentam com a mesma coerência os quatro pilares essenciais à humanidade e ao planeta: democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo”, diz a carta oficial.
Essa afirmação medeia entre a incoerência e a hipocrisia. O próprio Lula já declarou que a democracia, para ele, é uma mera questão de “narrativa”.
O presidente brasileiro foi – em alguns casos continua sendo – apoiador (às vezes financiador) de um extenso número de ditaduras e regimes autoritários: Cuba, Bolívia (ao tempo de Evo Morales), Venezuela, Rússia, Irã, etc.
“Sob a liderança de Lula, o Brasil tornou-se um raro exemplo de solidez institucional e de defesa da democracia”, prossegue o documento assinado pelo ministro Mauro Vieira.
Pelo contrário, sob a liderança de Lula, o Brasil tornou-se um raro exemplo de país formalmente democrático que defende e apoia ditaduras e regimes autoritários ao redor do mundo.
“Na gestão do Presidente Lula, o Brasil condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia, ao mesmo tempo em que apontou a necessidade de abrir caminhos para uma resolução diplomática do conflito, ainda em 2023”, continua o texto vexaminoso.
Todo mundo sabe que na gestão do presidente Lula, o Brasil adotou posição dúbia quanto à guerra da Ucrânia, com indisfarçável viés pró Rússia; chegando ao ponto de igualar o país invadido ao país invasor na responsabilidade pela guerra.
“Para humanistas de todo o mundo, incluindo políticos, líderes empresariais, acadêmicos e defensores dos direitos humanos, o respeito à autoridade moral do presidente Lula é indiscutível.”
Esse trecho chega a ser risível. Certamente que a autoridade moral do presidente Lula é discutível; tanto que suas atitudes tíbias, incongruentes e suas narrativas mistificadoras costumam ser discutidas e refutadas no Brasil e mundo afora, a exemplo do que acaba de ser feito pela revista The Economist e pelo presente artigo.
Estranha democracia e estranho mundo seria esse no qual a “autoridade moral” de Lula seria indiscutível. Mas é para uma distopia como essa que o governo brasileiro tende, ao insistir nas suas mentiras e apostar na censura contra todos aqueles que ousam discordar das “verdades” oficiais.
Essa carta miúda do Itamaraty é mais um episódio vergonhoso de uma diplomacia que se apequenou, submetida ao ego inflado de um presidente que se socorre dos naufrágios da sua incompetência no barco ligeiro das falácias, sofismas e narrativas de ocasião.