É hora de uma reflexão honesta: você sabe mesmo o que seu filho faz na internet? A pergunta pode parecer exagerada, mas não é. O submundo do crime digital está dentro de casa, nos fones de ouvido dos adolescentes, nas telas dos jogos e nas conversas em grupos fechados. E a maioria dos adultos não faz ideia do que acontece ali.
O episódio recente da ameaça de bomba no show da Lady Gaga é um exemplo. A primeira reação foi pensar em crime de ódio, terrorismo, fanatismo. Mas não. O responsável fazia parte de um dos muitos grupos que se organizam online, não por ideologia, mas por pura perversão. Outro caso recente envolveu um grupo que planejava uma live no Discord durante o domingo de Páscoa para transmitir a tortura de um morador de rua e a morte de um coelho. Isso mesmo: live. Como se fosse entretenimento.
Esses grupos são transnacionais. Em uma aula sobre o tema para autoridades, que ministrei recentemente com um delegado da Polícia Federal, vimos o caso de um grupo brasileiro coordenado por um rapaz de 17 anos, preso em Portugal. Aqui, ele não poderia ser preso. Lá, foi. Aliás, nossas polícias têm tido um trabalho incrível prevenindo tragédias e punindo culpados.
Há outros casos. Tem o que alicia meninas em chats de games, que conquista pela conversa e pela promessa de pertencimento. Em posse de nudes ou senhas delas, elas viram o espetáculo macabro para os outros integrantes da panela. Geralmente são espetáculos de automutilação ou exibição sexual, às vezes com meninas de 12 ou 13 anos.
O nome disso? Paneleiro. Se você nunca ouviu essa palavra nesse contexto, é porque você não tem a menor ideia do que seu filho faz na internet. E isso é grave.
Pais e autoridades não estão de braços cruzados, estão preocupados. Mas talvez errando o alvo. Os pais, em geral, estão mais preocupados com o discurso do influencer no Instagram ou nas outras redes. As autoridades, quando se manifestam, vão atrás do vídeo de discurso de ódio, ou discutem se um conteúdo deve ser derrubado.
Não é disso que se trata. Não é o convencimento que recruta esses adolescentes. É o vínculo social. É a rede. E esses criminosos estão infiltrados em grupos de debate político, fingindo que são militantes. Estão em grupo de dica de livro, em grupo de coach, em fórum de vulneráveis emocionais. E de lá, vão levando os jovens a grupos em que eles se sintam acolhidos. Alguns revelarão suas perversões, outros serão feitos de vítimas.
Muitos desses jovens agem como se estivessem em um jogo. Não têm empatia. E quando são presos parecem inofensivos. São chorões. Estudam. Falam línguas. Têm aparência cuidada. É a nova cara do crime.Um dos envolvidos na ameaça do show da Lady Gaga já está solto.
E enquanto isso, os pais continuam acreditando que os perigos estão na rua. Mas, hoje, a rua está dentro de casa. E se chama internet.
Na infância, nossos pais nos preparavam para os perigos da rua: cuidado com desconhecidos, não aceite carona, desconfie de estranhos. Hoje, a criança não sai mais de casa, só que os perigos entraram pela porta e os pais não sabem reconhecê-los. Proibir um adolescente de estar na internet é como proibir alguém de sair de casa em 1980. Não funciona. Vai fazer com permissão ou sem, são jovens. O que funciona é informação, conversa e vigilância real. Os tempos mudaram. A criminalidade também. Os pais e autoridades precisam acordar. A conscientização é urgente.