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Focos de Tensão – Coreia do Norte

Márcio Cambraia

Márcio Cambraia

Assim como a situação de Taiwan e do Irã, já abordadas em textos anteriores, a análise da Coreia do Norte como foco de tensão no cenário internacional deve fundamentar-se em aspectos históricos.

A península coreana, conquistada pelo Império Japonês em 1910, foi dividida em zonas de ocupação pela União Soviética e pelos Estados Unidos com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945. Essas zonas de ocupação foram delimitadas pelo paralelo 38, ao norte pela URSS e ao sul pelos EUA.

Em 1948, formaram-se dois governos antagônicos, a República Democrática Popular da Coreia, a chamada Coreia do Norte, comunista, e a República da Coreia, democrática, no sul. Recorde-se que estávamos em plena Guerra Fria, com a divisão do mundo em dois campos opostos, o ocidental liderado pelos Estados Unidos, e o campo oriental, encabeçado pela União Soviética.

Em 1950, a Coreia do Norte invadiu o sul com apoio soviético, e seguiu-se guerra que durou até 1953. É interessante notar que, embora tenha havido um armistício, nunca se assinou um tratado de paz, o que significa que os dois países continuam tecnicamente em estado de guerra, separados pela zona desmilitarizada do paralelo 38.

Após o colapso da União Soviética no começo da década de 1990, a Coreia do Norte, que contava até então com firme apoio soviético, passou por profunda crise, principalmente na produção de alimentos. Sem a assistência da URSS, a Coreia do Norte passou a buscar cada vez maior aproximação com a China, ao mesmo tempo em que reforçava suas forças armadas e sua capacidade nuclear, que existe desde a década de 1980. Regime comunista, totalitário, o governo da Coreia do Norte tem sua origem nas forças armadas, que constituem sua estrutura principal, a que se soma o culto da família de seu fundador Kim-il Sung, cuja liderança firmou-se na luta contra os japoneses. À ideologia marxista Kim-il Sung acrescentou suas próprias ideias de autossuficiência nacional, transformando a Coreia do Norte em país extremamente fechado. As forças armadas coreanas do norte são extremamente poderosas e formam a espinha dorsal do estado.

Essa posição das forças armadas norte coreanas deriva da doutrina chamada Sogun, elaborada por Kim il Sung, que desde seu período de guerrilheiro contra os invasores do Império japonês, dava primazia aos militares como elemento essencial para a independência do país. Assim, as forças armadas têm prioridade na alocação de recursos econômicos e estão interligadas com a economia, que é estatizada. Ademais, as forças militares têm importante papel na legitimação do regime, ao lado do culto da família Kim. Ambos os aspectos são objeto de propaganda maciça. É interessante notar que a doutrina Sogun de supremacia militar chega mesmo a substituir o proletariado da ideologia marxista pela função dos militares na construção do socialismo.

A concentração de recursos econômicos na área de defesa explica porque a Coreia do Norte, país pobre e ameaçado pela fome, além de ter um dos maiores exércitos convencionais do mundo, com mais de um milhão de homens em armas, consegue desenvolver mísseis balísticos sofisticados. A Coreia do Norte mantém um grau de tensão elevado com a Coreia do Sul e as potências ocidentais, com testes de armamentos e retórica agressiva que ajudam na coesão da população. Usam-se constantemente a ideia do inimigo externo e a sensação de cerco para a mobilização dos norte-coreanos, a quem o governo permite pouquíssimo acesso ao mundo exterior. Desde a derrocada da União Soviética, a Coreia do Norte tem incrementado suas relações comerciais com a China, seu principal aliado, e mesmo com a Coreia do Sul, o que a tem ajudado a sobreviver às sanções.

O poderio militar da Coreia do Norte, junto com seu regime político específico, com concentração de poder no líder Kim Jong Un e no estamento militar, torna o país um foco de tensão de grande imprevisibilidade. Sistema monolítico, o regime pode, a qualquer momento em que se sentir ameaçado, reagir com o lançamento de mísseis, que podem ter capacidade nuclear. Dos focos de tensão que temos abordado (o Irã e Taiwan), a Coreia do Norte é o que representa maior risco de uma ação impulsiva.

Devemos registrar, no entanto, que a liderança da China pode exercer um poder moderador sobre o governo norte-coreano. E que se disporia a fazê-lo, pois não se interessa por uma situação de instabilidade no momento em que busca firmar-se no cenário internacional como superpotência responsável e de projeção diplomática global. Xi Jinping, que alcançou seu terceiro mandato como líder chines e acaba de mediar o reatamento de relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã, e apresentou proposta inicial de acordo entre a Rússia e a Ucrânia, veria com bons olhos um papel de contenção de ímpetos belicistas norte-coreanos, que ameaçassem a paz e a segurança globais.

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