Os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro de 2023, desencadearam uma operação militar israelense em uma das áreas de população mais adensadas do Oriente Médio e o resultado previsível e trágico é uma perda enorme de vidas civis, deslocamentos grandes de população e destruição de infra-estrutura, bem como colapso de serviços de saúde e segurança. Esses fatores criam uma crise humanitária que precisa ser aliviada. E Israel como única democracia da região precisa agir para minimizar o sofrimento da população civil de Gaza.
A parcela da opinião pública que acompanha os eventos internacionais e os eventos da política nacional tem se ocupado nos últimos dias a debater as falas do presidente Lula sobre a situação dos palestinos em Gaza, a controvérsia e guerra de palavras que se seguiu a declaração dão uma mostra de como a chamada diplomacia presidencial trás desafios para os diplomatas brasileiros, ainda mais em tempos de polarização e de redes sociais.
A questão, contudo, é muito mais complicada que o manequeismo da política partidária atual nos permite observar. É preciso antes de qualquer análise sob conflitos internacionais, que quando a primeira arma é disparada se instala o que se costuma chamar de neblina da guerra (ou neblina da guerra), termo cunhado por Clausewitz para descrever a incerteza que acompanha as operações militares e que pode ser expandido para a incerteza sobre as informações que nos chegam sobre a guerra. Em outras palavras, é muito difícil ter certeza sobre os números que recebemos de um conflito, por que todos os lados estão ativamente engajados em desinformar.
Isso posto, é inegável que há uma necessidade crescente de ajuda humanitária para o povo palestino em alguns lugares a situação começa a ficar muito grave como em Rafa, cidade palestina que recebeu mais de 1,2 milhões de refugiados de outras partes de Gaza. Essa quantidade de gente coloca muita pressão nos serviço de água e esgoto e nos serviços médicos, além de pressionar também serviços de segurança e tudo que precisa dos chamados serviços de um estado. Doenças se espalham e há uma grande dificuldade no acesso a comida e aos meios de preparar essa comida nos campos improvisados de refugiados. A ajuda internacional, massivamente proveniente dos países vizinhos precisa chegar a essas pessoas com segurança e previsibilidade.
As operações militares continuam e o governo israelense inspeciona cada caminhão de ajuda que se destina a área isso faz com que os dois pontos de passagem de ajuda em Nitizana, no Egito e Kerem Shalom, em Israel, acabam sendo pontos de gargalo logístico para ajuda, sendo importante que Israel encontre meios mais eficazes e uma escala maior de trabalho para permitir a passagem da ajuda, além de garantir condições de segurança, quando há manifestações e protestos nessa região.
Outra ameaça as operações logísticas é que a ausência de um poder de polícia para proteger os carregamentos os tornam vulneráveis a criminosos buscando lucrar com a venda desses produtos para uma população desesperada por eles. Coibir essas ações exige que o próprio Hamas dê segurança para essa travessia e que haja algum tipo de cooperação mínima entre as partes, não precisa ser o mais atento dos observadores internacionais para perceber o tamanho do desafio que isso abrange.
Comprometer-se com evitar danos colaterais e aliviar o sofrimento das pessoas não enfraquece a campanha militar de Israel e talvez possa contribuir para algo muito difícil de reverter num conflito tão antigo, com tantas mortes sem sentido de inocentes que é combater a desumanização do outro, que não duvidem é condição primária para que os radicais avancem nas correntes de opinião e suas ideologias que justificam extermínios se tornem idéias aceitáveis. Essas idéias sempre se apresentam como lógicas e racionais.
A trilogia original dos filmes Matrix oferece no seu primeiro filme uma cena que ilustra como mecanismo de desumanização se apresentam como algo bom. Em determinado momento da trama o protagonista Neo é ensinado a se precaver dos agentes do sistema e seu mentor informa que seu inimigo é na prática um inimigo sem rosto que pode ser qualquer um ao seu redor dentro da Matrix, portando, deve tratar todos que não forem seus companheiros como inimigos em potencial, a despeito de serem inocentes cativos e, portanto, impotentes quanto à atuação dos agentes. Essa cena consegue fazer o espectador do filme não questionar a moralidade das decisões dos protagonistas e também impende que exista empatia pelos mortos indiscriminadamente pelos protagonistas. Existem forças em todos os lados do conflito apostando na desumanização. E existem forças que em nome de eleições partidárias usam do conflito no Oriente Médio para arregimentar suas bases políticas. Todos agem com a frieza mecânica dos personagens humanos de Matrix, que numa maestria de ironia das criadoras do filme combatem um inimigo mecânico.
Nesse momento de emoções fortes e sentimentos tribais aflorados. Nesse momento em que a humanidade do inimigo é apagada por discursos e ações os radicais, que ameaçam nossa democracia no seu debate eterno em busca de mocinhos e bandidos querem que nos esqueçamos que um dos caminhos para evitar uma tragédia ainda maior é admitir que o sofrimento do outro, do inimigo é na verdade o sofrimento humano. É admitir que o outro, o inimigo é uma pessoa. Não percamos nunca essa dimensão.
Não há ilusões Israel não vai recuar do conflito enquanto não puder declarar que derrotou o Hamas, mas como sempre em política e Relações Internacionais o que exatamente determina o que é derrotar o Hamas é difícil de ser mensurado e a política interna e pressões externas vão pesar nesse calculo, parece claro, contudo, que a derrota do Hamas e da ideologia que o sustenta é parte do caminho para um Oriente Médio mais estável e pacifico, bem como não haverá paz enquanto o povo palestino não tiver um Estado e a oportunidade de prosperar, viver em paz e superar o ciclo de tragédias que no momento parece preso e para isso precisa encontrar internamente objetivos realistas, por que o slogam do “rio ao mar” já causou mortes demais para seu próprio povo.
O povo palestino está sofrendo agora e correndo o risco de parecer utópico eu admito, mas para a construção da paz de uma maneira pragmática é preciso diminuir o grau do sofrimento humano agora e não quando o inimigo for derrotado e nesse sentido a dimensão humana prevaleça, tanto ao permitir que ajuda chegue a quem precisa, como devolvendo os sequestrados para Israel.