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Imagem: Jim Watson / AFP - Getty Images.

Negócio da China

A eleição de Donald Trump levou o governo de Pequim a adotar um amplo pacote de estímulo econômico de US$ 1,4 trilhão com o objetivo de combater possíveis consequências na relação futura com os americanos. As ameaças de Trump de tarifas de até 60% sobre produtos chineses ocorrem em um momento delicado para o país oriental, que já está lidando com uma grave crise imobiliária, gastos fracos do consumidor e uma crescente dependência de exportações.

Nem tudo são flores em Pequim. Em resposta à ameaça iminente de tarifas elevadas, os formuladores de políticas chineses estabeleceram um pacote de resgate substancial. O Congresso Nacional do Povo aprovou o plano como uma contramedida para estabilizar a economia, com foco no refinanciamento da dívida e no reforço de projetos de infraestrutura para mitigar o impacto das políticas comerciais de Trump.

Apesar do estímulo, o plano alcança apenas uma fração da dívida oculta chinesa, estimada pelo Fundo Monetário Internacional em mais de US$ 8 trilhões. O retorno de Trump já impactou os mercados financeiros: as ações chinesas caíram, enquanto as ações dos EUA subiram, refletindo preocupações dos investidores sobre a escalada das tensões comerciais. A ação de Pequim com vistas a implementar o estímulo expõe sua preparação para uma rivalidade econômica prolongada.

Enquanto o presidente eleito Donald Trump se prepara para reimpor tarifas sobre a China, o líder chinês Xi Jinping busca fortalecer laços com países do porte do Brasil. A ideia de Pequim é fomentar um relacionamento construído em interesses econômicos compartilhados. Logo após a cúpula do G20 foram anunciados 37 acordos abrangendo agricultura, comércio, tecnologia e energia, que desenham um volumoso modelo de interdependência econômica.

O Brasil é o maior fornecedor de soja, minério de ferro e carne bovina da China, enquanto a China fornece ao Brasil semicondutores, fertilizantes e peças automotivas. Ficou claro que, mediante estes laços, a China busca mitigar os efeitos das tarifas dos EUA, usando o Brasil como instrumento de sua disputa comercial com os americanos.

De qualquer forma, apesar das relações profundas que desenha com Pequim, o Brasil ainda se mostra cauteloso sobre o alinhamento total com a China. Embora Xi tenha como objetivo que o Brasil se junte integralmente à Nova Rota da Seda, Lula esclareceu que seu governo não planeja integração total, mas “estabelecer sinergias entre a Iniciativa da Rota da Seda e as estratégias de desenvolvimento do Brasil”. Este movimento evidencia a estratégia global da China de aprofundar parcerias e redes comerciais para aliviar as suas próprias pressões econômicas internas.

É neste ponto que o Brasil precisa ser cauteloso, evitando a sinodependência comercial, a reedição de um novo pacto colonial e especialmente servir de contrapeso na economia chinesa em sua disputa com os americanos. Como mostram os números, a China carrega dívidas e uma situação que inspira cuidado. Atrelar nosso destino aos rumos traçados por Pequim pode se tornar um caminho perigoso, afinal, negócios da China muitas vezes escondem armadilhas difíceis de identificar.

Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

O governo Lula encontra-se em uma encruzilhada perigosa: a promessa de cortar gastos paira no ar como um mantra político, mas a ação parece eternamente adiada. A popularidade do presidente está em queda, conforme indicam as pesquisas, e o prazo para lidar com a crise econômica está se esgotando. Com um governo fragilizado, sem poder de barganha e refém de um Congresso pouco cooperativo, a pergunta central é clara: como será feito esse corte?

Os desafios são imensos. De um lado, há um funcionalismo público abarrotado de privilégios e salários desproporcionais, ironicamente defendidos por um Judiciário que consome uma fatia considerável do orçamento e exige ainda mais aumentos. Do outro, uma economia debilitada, onde as famílias brasileiras estão atoladas em dívidas enquanto o governo parece mais preocupado em ampliar benefícios para quem já tem demais.

Enquanto isso, a única ação concreta do governo foi escancarar a lista de empresas e influenciadores que usufruem de incentivos fiscais questionáveis. Nomes como Felipe Neto, Virgínia e gigantes empresariais figuram nessa lista, expondo isenções que somam centenas de milhões de reais. Esses privilégios fiscais, justificados originalmente pela pandemia, seguem sendo renovados como se fossem indispensáveis. É um deboche com o cidadão comum, que luta para comprar itens básicos enquanto assiste ao governo patrocinar luxos desnecessários.

A questão mais amarga é que, mesmo diante dessa pressão, o governo parece incapaz de enfrentar os problemas estruturais do país. Prometer reforma administrativa é quase um esporte olímpico entre os políticos brasileiros, mas tirá-la do papel significa mexer com interesses instalados em todas as esferas do poder. Quem está “mamando” nas benesses do Estado dificilmente abrirá mão de seus privilégios. Assim, a reforma administrativa segue sendo uma ideia platônica: admirada, mas jamais realizada.

O problema vai além da inação. Existe uma narrativa conveniente de que cortar gastos equivale, automaticamente, a retirar recursos dos mais pobres. Esse discurso, embora popular, é utilizado para mascarar a incapacidade de mexer nas estruturas que realmente consomem o orçamento público. Não é uma questão de prejudicar programas sociais, mas de enfrentar privilégios profundamente enraizados. No entanto, essa tarefa hercúlea parece estar fora da agenda do governo Lula.

Enquanto isso, a economia cobra seu preço. A avaliação de um presidente é inevitavelmente atrelada ao bolso do povo. Quando os brasileiros estão viajando, comprando eletrodomésticos ou fazendo churrasco, o governante é visto como um sucesso, mesmo que ele tenha pouco a ver com essa prosperidade. Mas quando os preços disparam e até o iogurte vira item de luxo no carrinho de compras, o cenário muda rapidamente. O atual governo está sentindo esse impacto: a promessa de picanha e cerveja na mesa se transformou em um símbolo de decepção.

A grande ironia é que o governo Lula conta com um escudo poderoso: o silêncio de boa parte da imprensa. Se fosse Bolsonaro, certamente haveria um massacre midiático diário. Dois anos prometendo cortes que não chegam seriam motivo de editoriais inflamados e críticas incessantes. Para Lula, entretanto, a paciência parece infinita. Essa blindagem, no entanto, não engana o povo, que sente na pele os efeitos da falta de ação.

Resta saber se o corte de gastos sairá do campo das promessas antes que a conta chegue. E ela sempre chega. Caso contrário, não será apenas a popularidade de Lula a desabar. Será o brasileiro comum que pagará, mais uma vez, pelos erros de um governo que insiste em adiar o inevitável.

Imagem: murathakanart/Shutterstock

Ameaça nuclear de Putin e o sentido da política para o Ocidente

Há quem defenda que a terceira guerra mundial já começou. Há quem julgue que falar em terceira guerra mundial é exagero. O fato é que se desdobram diante dos nossos olhos sonolentos e incrédulos uma série de alianças e movimentações militares muito preocupantes. A sequência de lances da última semana não pode ser menosprezada:

Em resposta ao envio de tropas norte-coreanas para lutar pela Rússia na guerra de invasão contra a Ucrânia, o presidente cessante dos Estados Unidos, Joe Biden, liberou o uso de mísseis de longo alcance contra as regiões russas de fronteira. Ato contínuo, o tirano da Rússia, Vladimir Putin, revisou a doutrina nacional de defesa a fim de alargar as condições de uso do arsenal nuclear.

Na nova doutrina, o lançamento de mísseis de longo alcance contra a Rússia passou a ser motivo para uso de armas nucleares. Mísseis esses que logo foram disparados pela Ucrânia. Sergei Lavrov, o ministro das relações exteriores da Rússia declarou então – em solo brasileiro, pois aqui estava por ocasião da cúpula do G20 – que o ato era visto “como uma nova fase da guerra ocidental contra a Rússia” e que a Rússia responderia de maneira “apropriada”.

É verdade que Putin já levantou o espantalho nuclear dezenas de vezes, mas até para quem está acostumado com a retórica das trocas de ameaças bélicas, o momento é preocupante.

Poder de destruição e poder político

Recordo-me de um trabalho escolar de História que precisei fazer, em 1995, a fim de marcar os cinquenta anos do lançamento da bomba atômica sobre as cidades japoneses Hiroshima e Nagazaki. Aluna aplicada que eu era, fiz boa pesquisa; o que li e as imagens que vi foram impressionantes para os meus doze anos de idade. Quase consigo reviver a sensação de choque e angústia com que colei os recortes de uma edição especial sobre o tema em uma cartolina para a apresentação escolar.

Um clarão apocalíptico e milhares de vidas aniquiladas instantaneamente. A liberação de uma enorme concentração de energia e seus efeitos devastadores. A radioatividade como terrível subproduto da já pavorosa explosão. Se há um inconsciente coletivo, essa imagem provavelmente está lá, nas profundezas do nosso psiquismo, e os acontecimentos atuais são de modo a favorecer a sua eclosão em estranhos pesadelos.

Putin está, mais uma vez, blefando? Tal questão nos desperta para a enorme responsabilidade ética que pesa sobre a política atual.

Em fragmentos de textos nos quais disserta sobre a definição de Política, a pensadora Hannah Arendt explica que a pergunta sobre se a política ainda tem algum sentido é “forçosamente formulada em vista do monstruoso desenvolvimento das modernas possibilidades de destruição cujo monopólio os Estados detêm.” É no mínimo instável uma situação na qual “a continuidade da existência da humanidade e talvez de toda a vida orgânica da terra” depende da política; e de políticos que costumam blefar.

Questionada, em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel, sobre a probabilidade real de uma guerra nuclear, além de toda a retórica, Sharon K. Weiner, uma professora de Relações Internacionais da Universidade de Princeton e especialista em estratégia de armas nucleares respondeu: “O que me incomoda é que, a despeito do fato de que morreríamos numa guerra nuclear, ambos não temos voz na questão de saber se as armas nucleares serão ou não utilizadas.”

Alguns trechos dessa interessante entrevista, publicada em abril deste ano, me chamaram atenção. Segundo a professora, “não existe nenhum acordo secreto para impedir o uso de armas nucleares antes que o mundo seja destruído”. Ninguém sabe bem o que acontecerá se a Rússia realmente usar armas nucleares contra a Ucrânia porque não há diretrizes de como evitar uma escalada. A única estratégica com a qual se trabalha é a lógica de que “a outra parte poderá, em algum momento, sentir-se compelida a desescalar – simplesmente para salvar o mundo.”

A hipótese de que não haverá uma guerra nuclear sustenta-se, portanto, em uma crença na racionalidade dos políticos que têm poder de decisão sobre o uso de tais armas. Ninguém usaria armas nucleares porque o mundo poderia acabar. “Ninguém é doido de começar uma coisa dessas”, ouço por aí. Não me parece que este seja um argumento decisivo e tranquilizador. Há, pois, alguma probabilidade de que o atual conflito se desenvolva da pior forma possível.

Além do G20

O Brasil, sob o governo Lula, já escolheu de qual lado ficará na disputa geopolítica mundial entre democracias e autocracias. E a resposta é clara: estamos alinhados ao eixo autocrático. A decisão foi consolidada com uma série de acordos que colocam o país em sinergia com o projeto global da China, mesmo que isso seja convenientemente disfarçado por discursos sobre interesses meramente comerciais.

A nova dinâmica foi celebrada pela embaixada chinesa, que não perdeu tempo em anunciar que as relações entre Brasil e China atingiram “um novo patamar”. Isso inclui a formação de um grupo de trabalho para alinhar as políticas de desenvolvimento brasileiras à Nova Rota da Seda, o plano de expansão econômica e política do governo chinês. A adesão oficial não foi anunciada, mas os mais de 40 acordos assinados, incluindo áreas sensíveis como inteligência e satélites, já indicam o caminho.

O discurso público do governo brasileiro, no entanto, joga com a ambiguidade. A narrativa oficial tenta afastar preocupações, enfatizando a natureza “comercial” da parceria. É a típica estratégia de soft power usada pelo governo chinês: sugerir um afastamento para não alarmar, enquanto os fatos mostram o contrário. Quem questiona esse alinhamento é rapidamente taxado de exagerado ou bolsonarista, como se fosse impossível criticar a aproximação com uma ditadura sem cair em extremos ideológicos.

O que muda?

Mas o que realmente muda com esse novo alinhamento? Não é apenas uma questão de acordos econômicos. É sobre os valores que o Brasil está disposto a endossar.

A China é uma autocracia que reprime dissidentes, proíbe religiões, mantém campos de concentração para a minoria Uigur e censura qualquer oposição. Essa postura ficou evidente durante o G20, realizado em território brasileiro, quando seguranças chineses foram rápidos ao intervir com manifestantes e jornalistas. E o governo brasileiro? Permaneceu calado.

Essa omissão não é apenas simbólica, ela reflete o novo posicionamento estratégico do Brasil. Ao ignorar ações antidemocráticas em seu próprio território, o país dá um recado claro sobre suas prioridades. Não se trata apenas de pragmatismo econômico, mas de uma escolha ideológica: sacrificar a transparência e os valores democráticos em nome de benefícios comerciais e alianças políticas convenientes.

“Anti-patriotismo”?

E quem critica essa aproximação com autocracias? Os apoiadores do governo rapidamente transformam qualquer crítica em uma afronta ao Brasil. A estratégia é conhecida: alinhar discordâncias a um discurso de “anti-patriotismo”, como se questionar relações com ditaduras fosse um ataque ao país e não uma defesa de seus princípios.

Paralelamente, a oposição política parece incapaz de formular uma resposta eficiente. Em vez de um discurso claro e fundamentado, opta por uma retórica do “eu avisei”, que mais parece birra de quinta série do que uma defesa séria da democracia.

O alinhamento do Brasil com a China de Xi Jinping não é um fato isolado, mas parte de um movimento maior que redefine o papel do país no cenário global. A questão não é apenas econômica, mas moral e estratégica. O governo Lula deve ser transparente sobre o custo dessa escolha porque os impactos não se limitam a balanças comerciais ou parcerias de infraestrutura. Eles dizem respeito ao tipo de nação que o Brasil deseja ser.

Democracia não se defende com boas intenções ou discursos genéricos. Ela exige ação consistente, clareza e coragem para enfrentar as consequências de escolhas difíceis. O tempo dirá se o Brasil optará por isso ou se contentará com a conveniência de alianças que comprometem os valores que uma democracia deveria sustentar.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Relação do Brasil com a China de Xi Jinping alcança um novo patamar

O Brasil, sob o governo Lula, já escolheu de qual lado ficará na disputa geopolítica mundial entre democracias e autocracias. E a resposta é clara: estamos alinhados ao eixo autocrático. A decisão foi consolidada com uma série de acordos que colocam o país em sinergia com o projeto global da China, mesmo que isso seja convenientemente disfarçado por discursos sobre interesses meramente comerciais.

A nova dinâmica foi celebrada pela embaixada chinesa, que não perdeu tempo em anunciar que as relações entre Brasil e China atingiram “um novo patamar”. Isso inclui a formação de um grupo de trabalho para alinhar as políticas de desenvolvimento brasileiras à Nova Rota da Seda, o plano de expansão econômica e política do governo chinês. A adesão oficial não foi anunciada, mas os mais de 40 acordos assinados, incluindo áreas sensíveis como inteligência e satélites, já indicam o caminho.

O discurso público do governo brasileiro, no entanto, joga com a ambiguidade. A narrativa oficial tenta afastar preocupações, enfatizando a natureza “comercial” da parceria. É a típica estratégia de soft power usada pelo governo chinês: sugerir um afastamento para não alarmar, enquanto os fatos mostram o contrário. Quem questiona esse alinhamento é rapidamente taxado de exagerado ou bolsonarista, como se fosse impossível criticar a aproximação com uma ditadura sem cair em extremos ideológicos.

O que muda?

Mas o que realmente muda com esse novo alinhamento? Não é apenas uma questão de acordos econômicos. É sobre os valores que o Brasil está disposto a endossar.

A China é uma autocracia que reprime dissidentes, proíbe religiões, mantém campos de concentração para a minoria Uigur e censura qualquer oposição. Essa postura ficou evidente durante o G20, realizado em território brasileiro, quando seguranças chineses foram rápidos ao intervir com manifestantes e jornalistas. E o governo brasileiro? Permaneceu calado.

Essa omissão não é apenas simbólica, ela reflete o novo posicionamento estratégico do Brasil. Ao ignorar ações antidemocráticas em seu próprio território, o país dá um recado claro sobre suas prioridades. Não se trata apenas de pragmatismo econômico, mas de uma escolha ideológica: sacrificar a transparência e os valores democráticos em nome de benefícios comerciais e alianças políticas convenientes.

“Anti-patriotismo”?

E quem critica essa aproximação com autocracias? Os apoiadores do governo rapidamente transformam qualquer crítica em uma afronta ao Brasil. A estratégia é conhecida: alinhar discordâncias a um discurso de “anti-patriotismo”, como se questionar relações com ditaduras fosse um ataque ao país e não uma defesa de seus princípios.

Paralelamente, a oposição política parece incapaz de formular uma resposta eficiente. Em vez de um discurso claro e fundamentado, opta por uma retórica do “eu avisei”, que mais parece birra de quinta série do que uma defesa séria da democracia.

O alinhamento do Brasil com a China de Xi Jinping não é um fato isolado, mas parte de um movimento maior que redefine o papel do país no cenário global. A questão não é apenas econômica, mas moral e estratégica. O governo Lula deve ser transparente sobre o custo dessa escolha porque os impactos não se limitam a balanças comerciais ou parcerias de infraestrutura. Eles dizem respeito ao tipo de nação que o Brasil deseja ser.

Democracia não se defende com boas intenções ou discursos genéricos. Ela exige ação consistente, clareza e coragem para enfrentar as consequências de escolhas difíceis. O tempo dirá se o Brasil optará por isso ou se contentará com a conveniência de alianças que comprometem os valores que uma democracia deveria sustentar.

Foto: Bruno Peres / Agência Brasil.

Não haverá nenhum golpe de Estado no Brasil

Atenção! Uma farsa está em curso. Querem transformar uma tentativa de golpe de 2022 em uma espécie de ameaça presente. Que os culpados sejam punidos. Mas não podemos polarizar ainda mais a sociedade insinuando que há ameaça atual de golpe de Estado no Brasil quando não há.

A manipulação das notícias sobre o atentado meia-bomba do suicida Tiü França em Brasília e as tentativas de dizer que as articulações de um golpe militar tramado durante o governo Bolsonaro continuam ocorrendo, são tão grosseiras, as versões divulgadas por uma mídia chapa branca tão combinadas e as interpretações de seus analistas tão enviesadas, que só alguém muito idiotizado ou polarizado não percebe uma clara intenção de instrumentalização política do ocorrido.

Não há nenhum risco de golpe no Brasil atual. Nenhuma ameaça crível de abolição do nosso Estado democrático de direito. Atos tresloucados de fanáticos, frustrados com as promessas vãs e as tentativas mal-sucedidas de golpes passados, não são mais uma ameaça real ao regime democrático. A maioria da população, a maioria dos parlamentos e governos e das demais instituições, do Estado e da sociedade, em todos os níveis, não querem isso. Por exemplo, os partidos de centro (como o PSD e o MDB) que venceram as eleições de 2024 – navegando por fora da polarização – não querem isso. Nem o chamado “centrão” quer isso, pois acabaria com seu ganha-pão.

O que pode haver é uma derrota eleitoral do atual governo, como vimos em 2024 e poderemos ver novamente em 2026. Mas isso faz parte da democracia. Tirar o PT dos governos e derrotá-lo nos parlamentos, por meios legais e eleitorais, não é golpe.

Claro que os que, no passado, tentaram dar um golpe de Estado, devem ser processados pela justiça, observado o devido processo legal – o que, infelizmente, parece não estar ocorrendo. Transplantar para o presente uma ameaça passada parece ter o objetivo de justificar procedimentos judiciais de exceção, como decretar sigilo e adotar medidas de força. Além disso, um ministro da suprema corte que teria sido vítima de uma articulação passada não pode ser juiz do caso, sobretudo se não há ninguém com foro privilegiado envolvido.

O que não se pode é criar um clima de resistência com base na hipótese de que há um golpe em curso. Houve, embora muito desarticulada. Não há mais. Os que deveriam resistir naquela época, não o fizeram. Não aderiram nem a um movimento pelo impeachment de Bolsonaro, preferindo correr o risco de mantê-lo para derrotá-lo mais facilmente nas urnas – o que conseguiram, mas com altíssimo risco, por apenas 1,8% de vantagem. Sem a ajuda dos eleitores situados no centro do espectro político, fora da polarização, não teriam conseguido.

Repetindo. Não haverá nenhum golpe de Estado no Brasil, vindo da direita ou da esquerda. O que haverá é um investimento continuado na polarização e um desgaste crescente até 2026. O governo Lula e o PT sabem que é grande o risco de uma derrota eleitoral nas próximas eleições. Então têm que manter viva a “defesa da democracia” contra os golpistas que “ainda estão aí” – e que vêm a ser todos aqueles que não votarão em Lula ou em quem ele mandar. Eles não hesitarão em continuar usando os veículos profissionais de comunicação como assessoria de imprensa e tentarão aprovar uma regulamentação das mídias sociais que corte o oxigênio de quem discorde. Isso poderá acelerar o processo de autocratização do nosso regime democrático, mas não será um golpe em termos clássicos.

Desgraçadamente, porém, estaremos cada vez mais longe de ser uma democracia liberal ou plena.

Trump e o nó ucraniano

Os eleitores dos Estados Unidos deram uma vitória incontestável ao candidato republicano Donald Trump e ao movimento político que o cerca, conhecido pela sigla MAGA do slogan Make America Great Again usado pela primeira campanha de Trump. Em sua campanha Trump prometeu pacificar a Ucrânia no dia primeiro de sua gestão, descartando as hipérboles naturais de uma campanha eleitoral como se desenha, até o momento, a política do futuro governo para a Ucrânia.

É preciso ter em mente que a solução para a guerra na Ucrânia, ainda que negociada, não será uma reedição das conferências de Yalta e Potsdam nas quais os nascentes superpoderes decidiram os destinos de muitas nações ao findar da Segunda Guerra Mundial. E, qualquer construção negociada terá que balancear uma miríade de interesses alimentados por inúmeras correntes de opinião em cada um dos atores envolvidos. Em outras palavras, Trump e sua equipe terão que lidar com interesses internos de vários grupos nos EUA, com outros atores, incluindo aí, os aliados europeus e a China, além dos cálculos de Putin. E isso tudo sob forte escrutínio da imprensa, da opinião pública e das casas legislativas dos Estados Unidos.

Além de complexa, a situação ucraniana é dinâmica, ou seja, os interesses vão se adaptando aos movimentos dos atores e outras fontes de tensão extra-regional que influenciam e limitam a capacidade de ação dos envolvidos. A gestão Biden, por exemplo, teve dificuldade de implementar uma política de rápida ajuda militar para Ucrânia, uma vez que isso envolve o envio de equipamentos militares, em uso, ou da reserva das Forças Armadas Americanas, o que gera uma série de embaraços e reações no Congresso e na própria máquina burocrática.

A escassez de material bélico, por sua vez, propiciou a manutenção do lento e custoso, em termos de vidas humanas, avanço da Rússia e deu tempo para que o gigante eurasiático encontrasse maneiras de enfraquecer e subverter o isolamento internacional e as sanções. Construindo, por exemplo, seu acordo com a Coreia do Norte, para importação de armas e o envio de soldados.

Há relatos de múltiplas fontes sobre a concentração de forças russas na Ucrânia mostra que pode haver uma ofensiva russa de inverno, se as condições climáticas forem brandas, que deixa claro que para os russos a percepção é que um momento positivo nos esforços de guerra. No front interno a sociedade russa não dá sinais de inquietação e protestos massivos, mesmo com as elevadas perdas humanas e seu sistema econômico tem conseguido se manter funcionando. No contexto regional, a Europa não mostra sinais de compromisso em aumentar sua capacidade industrial bélica e todos esses fatores juntos apontam para uma Rússia, muito pouco disposta a negociar alguma resolução pacífica para a guerra.

O tema paz na Ucrânia tende a ocupar muito da agenda internacional do início de mandato de Trump e pode ser afetado por sua política comercial que tenciona aumentar tarifas dificultando as relações com aliados europeus e com a China, que muitos em seu movimento veem como o verdadeiro adversário estratégico dos EUA no mundo atual.

Diante desse cenário, não obstante uma eventual participação russa em fóruns, conferências e negociações bilaterais, esses esforços só obterão um acordo de paz, que preserve a independência ucraniana, se as circunstâncias pressionarem Putin a escolher a paz revertendo o cenário descrito acima, e esse é o nó que Trump precisa desatar.

Grand Chelem

No automobilismo, alcançar um hat trick é uma tarefa árdua, tanto quanto rara: significa conquistar a pole position, fazer a volta mais rápida e vencer a prova. Porém, ao transferir este roteiro para a política, a vitória de Donald Trump na corrida presidencial se encaixa perfeitamente em algo que transcende este feito, definido como Grand Chelem, ou seja, a corrida perfeita: quando um piloto faz a pole-position, marca a melhor volta e vence a prova liderando de ponta a ponta. Foi exatamente aquilo alcançado por Trump neste ciclo eleitoral. Explico.

O candidato republicano foi muito além daquilo que era projetado pelas pesquisas. Sedimentou seu controle sobre o partido, moldando-o a sua imagem e semelhança, indo muito além 2016, quando sua vitória ainda era dividida com o establishment político. Ao obter uma vitória maiúscula de forma incontestável, alcança o controle absoluto do partido, tornando-o uma agremiação de viés trumpista, direcionado por suas políticas e ideias, algo que move o posicionamento dos pilares da política norte-americana.

O triunfo na candidatura presidencial, por si mesma, seria um grande feito, entretanto, a forma como ocorreu, com a manutenção do controle da Câmara de Representantes e uma virada no Senado, agora com superioridade incontestável, mostra que o recado das urnas foi contundente. Trump irá governar com maioria nas duas casas legislativas, além de uma sólida base conservadora na Suprema Corte, onde já indicou três nomes: Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

Como se não fosse o bastante, Trump ajudou a eleger oito governadores. Os Estados Unidos foram às urnas para eleger não só o novo presidente do país, mas também 11 novos governadores. Oito republicanos conseguiram o cargo, enquanto apenas três democratas foram eleitos. Atualmente, 27 Estados são governados pelo Partido Republicano e 23 pelo Partido Democrata.

Trump conseguiu desmontar o chamado Blue Wall, formado pelos estados de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, erguido pelos democratas desde o período de Bill Clinton. Apesar deste sólido bloco de estados democratas ter exibido rachaduras em 2016, foi reerguido por Biden em 2020. Em 2024 se desfez por completo. Trump venceu nos três estados, dois deles governados por democratas que sonharam estar no lugar de Kamala Harris nesta disputa: Gretchen Whitmer e Josh Shapiro.

Para além destes, Trump venceu na Carolina do Norte, Georgia, Arizona e Nevada, estados onde havia maior disputa, ou seja, o republicano venceu em todos os estados-pêndulo. O resultado não poderia ser diferente: 312 votos no colégio eleitoral contra 226 de Kamala Harris. Ganhou também no voto popular com 75 milhões de votos, 50,2%, uma diferença de 3 milhões para a democrata. É o melhor resultado para um republicano na disputa pela Casa Branca desde 1988.

Donald Trump assumirá o poder novamente com 78 anos e 7 meses, 2 meses mais velho que Biden em 2021. Sairá com 82 anos. Não poderá ser reeleito em 2028. A Constituição norte-americana proíbe mais de 2 mandatos, seguidos ou não. A luta pelo seu espólio político será um ponto central dos próximos anos, afinal todos sonham com um Grand Chelem como este alcançado por Trump para consolidar seu poder. O tamanho desta vitória é certamente a herança mais cobiçada deste mandato.

O retorno triunfal de Trump e a humilhação da militância woke

Há algo de fascinante, quase tragicômico, na forma como as elites progressistas dos últimos anos se posicionam como sinônimos de democracia, virtude e justiça social. “Nós somos a democracia”, proclamam. Mas qualquer força política que se autointitule dona desse conceito está, na verdade, cavando sua própria cova. Democracia não aceita monopólios, nem mesmo o da virtude.

Os chamados woke, que dominam o debate público nas elites progressistas, não são apenas autoritários, são insuportáveis. A tentativa de encapsular as minorias numa “senzala ideológica” onde todos devem marchar no mesmo ritmo e repetir o mesmo discurso não só é um fracasso estratégico como uma traição à própria ideia de diversidade.

Negros, latinos, mulheres, gays e trans precisam pensar igual. Quem define como pensar? A panelinha de sempre. O clube do “todEs”, liderado por militantes que se comportam como meninas más de colégio rico, armadas com seus gritos de “racista!”, “fascista!”, “homofóbico!”. Quem ousa desviar minimamente do script é cancelado sem piedade.

E foi precisamente essa postura que levou o woke ao chão – humilhado, debochado e ignorado – nas eleições mais recentes dos Estados Unidos. Donald Trump não só sobreviveu ao apocalipse moral que previram, como expandiu seu eleitorado em minorias que, ironicamente, os progressistas juravam representar. O aumento do voto latino para Trump é um tapa na cara de quem achava que podia determinar o que cada grupo deveria pensar.

E as elites não entenderam nada. “Como pode alguém votar no Trump?” Essa pergunta, repetida em tom de indignação por muitos, revela mais sobre a incapacidade cognitiva de quem a formula do que sobre as escolhas do eleitorado.

Eis o ponto: você pode não gostar de Trump, mas precisa ser intelectualmente honesto para entender por que alguém vota nele. Se você não consegue, é porque está tão preso à sua bolha de virtude que prefere acreditar que o mundo é burro ou manipulado. É mais fácil culpar fake news ou a “maldade inerente” das pessoas do que encarar o fato de que, talvez, o problema seja você.

A obsessão identitária que contaminou o progressismo fez com que minorias fossem vistas não como indivíduos com vozes próprias, mas como blocos homogêneos que devem seguir o dogma imposto pelos iluminados do woke. É um projeto autoritário disfarçado de empatia. E o mais irônico? Quem mais odeia os woke são as próprias minorias que eles dizem defender.

O partido democrata deu espaço demais para essa maluquice e agora paga o preço. A Kamala Harris até que tentou, manteve distância do todEs na campanha. Mas a torcida, ah, a torcida é um desastre. Os woke funcionam como aquele fã-clube tóxico que arruína a imagem de qualquer famoso. Eles acham que estão salvando o mundo, mas estão apenas arrancando a soco espontaneidade das pessoas em nome de uma suposta virtude coletiva.

E, quando os resultados vêm, a surpresa é inevitável. Eles não percebem que são odiados. Que suas posturas são vistas como arrogantes, condescendentes e absolutamente insuportáveis. A resposta para o desastre? Trocar o povo. Se o povo não concorda com eles, o problema é o povo. Eles nunca têm culpa. Afinal, possuem o monopólio da virtude. Se estão sendo rejeitados, só pode ser por fake news, manipulação ou pela maldade intrínseca do outro.

E então devemos cancelar o woke? Não defendo que sejam cancelados, eles têm o direito de falar e de viver segundo seu sistema de crenças como qualquer seita. Defendo que sejam reconhecidos pelo que são: uma seita radical de filhinhos de papai que confundem militância com bullying. Eles podem existir, podem gritar seus “todEs” à vontade. Só não podem ser levados a sério. Não mais.

O que vimos nos Estados Unidos não foi só uma vitória de Donald Trump. Foi o maior tombo do woke. Uma humilhação pública. Quem sabe, um marco para uma mudança de ventos. Ninguém aguenta mais ser julgado por meninas más de colégio rico fantasiadas de militantes.

Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal

Os pais de Anne Frank mudaram-se de Frankfurt para Amsterdã para fugir do ódio antissemita que tomava conta da Alemanha. A menina judia aprendeu a nova língua, fez novos amigos, frequentou a escola e levou uma vida relativamente tranquila até que, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda.

Durante os dois anos em que permaneceu escondida no anexo secreto da empresa de seu pai, a menina registrou suas impressões em um diário que ganhou ao completar treze anos. Sua história, sabemos, não teve um final feliz. O diário de Anne Frank chegou até nós, mas a menina judia morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, em 1945, aos quinze anos de idade.

Após a segunda guerra, o diário tornou-se conhecido em todo o mundo, sendo difundido principalmente em escolas, para adolescentes da idade dela, com o objetivo de conscientizar as novas gerações acerca do horror do holocausto.

Organizações e instituições de combate à violência, à intolerância e ao antissemitismo foram criadas sob a inspiração do seu nome. Memoriais se espalharam e monumentos foram construídos.

Um monumento é um símbolo, um signo. Uma sociedade que ergue um monumento em memória de uma vítima do holocausto está expressando seus valores, está dizendo que honra as vítimas, que não nega a história e que vigia contra o retorno ao passado sombrio. Em 2024, porém, a estátua de Anne Frank, em Amsterdã, foi duas vezes vandalizada.

Militantes “pró-Palestina” escreveram nela com tinta vermelha o slogan “Free Gaza”. Que tipo de valores subjacentes se fazem expressar por tal ato, também ele simbólico? Que tipo de modelo social defendem aqueles que clamam pela destruição de Israel, veem no Hamas uma legítima forma de resistência, honram a memória de terroristas e desonram a memória de uma menina judia morta em um campo de concentração nazista?

Revisionismo histórico e ódio ao Ocidente

Há uma ideia difusa na sociedade que precisa ser contida. Não por meio da força, apenas, porque a força é insuficiente para deter a propagação de ideias más.

É preciso refletir sobre o ponto principal de toda essa inversão de valores que fez com que o próprio holocausto fosse deturpado, passando a ser apresentado como um dentre tantos outros ataques contra minorias, quando se tratou fundamentalmente de uma tentativa de apagar a história judaica da face da terra, apagando o seu povo por meio do extermínio.

É o sentido histórico que o povo judeu carrega que está sendo combatido, pois o revisionismo requer que o historiador conceba os fatos não como o desenrolar no mundo de uma ideia divina, de uma revelação ou de um projeto pedagógico de emancipação espiritual, mas como uma luta sem trégua entre opressores e oprimidos, cuja redenção dependerá de uma solução política e não do triunfo do homem sobre si mesmo em busca de um reino que não é desse mundo.

O que se confronta e o que se tenta eliminar desde sempre não é apenas o povo judeu, mas aquilo que a sua história guarda, um sentido transcendente e sagrado, indispensável para a compreensão dos valores éticos e morais que nos moldaram e que, felizmente, ainda nos moldam.

Somos uma civilização socrático-platônico-judaico-cristã, como bem percebeu Nietzsche, que a confrontou com muito mais genialidade e elegância do que o fazem hoje esses jovens incultos e furiosos que vão às ruas com seus keffyehs cantando “From the River to the Sea, Palestine will be free” e erguendo cartazes “globalize the intifada.”

Sabe-se que os nazistas estabeleceram relações especiais com a irmandade muçulmana; hoje, porém, quem mantém esses laços estreitos são as entidades políticas de esquerda, fenômeno que tem sido chamado de islamoesquerdismo, espectro ideológico que responde pela quase totalidade dos ataques antissemitas dos dias atuais.

A aliança entre o fundamentalismo islâmico e a extrema esquerda é compreensível porque tem por base o ódio ao Ocidente e aos seus valores universais, cuja recusa abre caminho para a justificação da violência mais bestial.

Por outro lado, trata-se de uma aliança estúpida porque, cedo ou tarde, os aliados ocidentais serão submetidos à mesma violência que hoje justificam contra o suposto inimigo comum.

Pogrom em Amsterdã e culpabilização da vítima

Mas o que me motivou a começar esse texto citando Anne Frank foi o não tão inesperado Pogrom que ocorreu em Amsterdã, em 7 de novembro de 2024.

“Nós falhamos com a comunidade judaica dos países baixos durante a segunda guerra mundial e ontem falhamos novamente”, declarou Willem-Alexander, rei dos países baixos, um dia depois do ocorrido.

O que ocorreu nessa noite na mesma terra em que viveu a icônica menina judia? Multidões de migrantes muçulmanos do norte da África e do Oriente Médio que vivem na Holanda, junto com seus aliados progressistas “Pró-Palestina”, começaram uma caçada contra judeus israelenses, que estavam na capital holandesa para assistir a uma partida de futebol do time Maccabi Tel Aviv.

Torcedores foram emboscados, jogados em rios, atropelados por carros, espancados até ficarem inconscientes.

Como no dia 7 de outubro de 2023, muitos agressores filmaram o próprio ato, vangloriando-se da barbárie. Em um dos vídeos que vi, um jovem caído no chão levava vários chutes enquanto tentava se afastar rastejando e dizendo “eu não sou judeu”. Em outro vídeo, os agressores exigiam do agredido que dissesse “Palestina livre!”, em outro vídeo, ouve-se alguém do grupo agressor gritar “hoje vamos caçar judeus.”

Mesmo com todos esses vídeos, houve jornais que noticiaram o ocorrido como sendo uma simples confusão, mais uma briga de torcida. Houve quem se apressasse em dizer que alguns torcedores do Maccabi entoaram cânticos racistas e rasgaram uma bandeira da Palestina, logo…os judeus mereceram a violência de que foram vítimas.

A retórica ofensiva e inflamada contra o Estado de Israel, essa distorção da realidade que estamos acompanhando há décadas, essa perda progressiva de contato dos jovens com seus valores em instituições de ensino rendidas à hegemonia de um pensamento que transgride e destrói para nada de bom construir, toda essa repulsiva justificação da violência por motivações político-ideológicas já foi longe demais. É preciso dar uma basta nessa ignorância coletiva que facilmente se torna ódio coletivo e violência coletiva.

Pensamento crítico não é o pensamento do revoltado ou do revolucionário infantilizado e dementado por ideologias ruins. Pensamento crítico é aquele que vê as nuances de uma situação e que a julga com o repertório moral que lhe é próprio.

É preciso, pois, um repertório moral. É preciso saber distinguir o certo do errado, o moral do imoral e encarar com seriedade e honestidade os inúmeros dilemas éticos que se apresentam em tão conturbados dias.

Não há, porém, dilema ético algum entre condenar ou justificar o massacre contra civis israelenses em 7 de outubro de 2023; não há dilema ético nenhum entre condenar ou justificar o ataque contra torcedores israelenses em 7 de novembro de 2024. O que há é uma degradação moral do ser humano que os justifica.