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O que é o Ocidente? Ele esqueceu de onde veio?

Gostei do título de um artigo que li recentemente na revista Spiked: “O Ocidente esqueceu de onde veio”. Muito daquilo sobre o quê tenho refletido e escrito de filosofia política e até de política propriamente dita passa por uma tentativa ainda um tanto canhestra de acusar esse esquecimento e lembrar as origens da nossa civilização.

E isso não surpreende uma vez que me entendo politicamente como alguém que defende aquilo que o filósofo francês Philippe Nemo chama, na sua Histoire des idées politique, de tradição democrática-liberal, cuja origem se confunde com a origem da própria civilização ocidental.

Falaremos ainda sobre esse pensador francês. Voltemos, porém, ao referido artigo. Trata-se, na verdade, da transcrição de uma entrevista do editor da Spiked, Brendan O’Neill, com Frank Furedi, autor do livro The war against the past: why the West must fight for its history (A Guerra Contra o Passado: Por que o Ocidente deve lutar por sua história).

Antes de introduzir a entrevista, O´Neill, com a escrita objetiva e incisiva que lhe é característica, faz um diagnóstico do atual estado de coisas:

“Estátuas são derrubadas, museus são esvaziados de seus artefatos, heróis nacionais são difamados como racistas e criminosos. De universidades a escolas primárias, de museus a conselhos locais, as instituições confiáveis para preservar e transmitir a memória histórica estão, em vez disso, travando uma guerra contra ela. As elites de hoje se voltaram decisivamente contra os ganhos da civilização ocidental e buscam pintar seu legado como tóxico”.

Trata-se de uma “virada anticivilacional” e Brendan O´Neill quer saber de Frank Furedi quando começou essa guerra contra o passado.

Segundo Furedi, “começou como um ataque bastante específico e direcionado a coisas como a escravidão na América ou como o Império Britânico se comportou no século XIX ou no início do século XX. Então, de repente, cada dimensão da experiência ocidental se tornou tóxica”, explica o acadêmico húngaro-canadense, acrescentando que, embora isso tenha aumentado em 2020, demorou muito para acontecer e o terreno para eclosão desse antiocidentalismo foi preparado na década anterior.

Memórias alternativas e versão identitária do holocausto

No seu livro, Furedi argumenta que “ao separar a sociedade de seu passado e fazer todo o possível para transformar o passado em uma espécie de área proibida, as pessoas estão esquecendo algumas experiências muito importantes.” Não apenas esquecendo, mas reinventando-as perigosamente, por meio da crianção do que ele chama de “memórias alternativas.”

Uma das memórias alternativas em voga é a versão identitária do holocausto, “aquela em que os judeus desempenham um papel bastante menor e indistinto. Em vez disso, você tem todos os tipos de grupos de identidade sofrendo em uma extensão muito maior do que qualquer outra pessoa sofreu. O Holocausto então se torna esse conjunto, onde diferentes grupos podem alegar que foram suas principais vítimas. Vemos isso na estranha tentativa de “queerizar” o Holocausto”.

Já estamos nos encaminhando, segundo Furedi, para algo imaginado por George Orwell no livro 1984, no qual um homem do Ministério da Verdade afirma que, em 2050, as pessoas não se lembrarão mais de quem foi Shakespeare nem quem foram todos os filósofos importantes:

“Já temos uma situação em que as pessoas não se lembram mais de quem é o verdadeiro Aristóteles, porque nos dizem que ele foi o fundador da supremacia branca. As crianças que vão à escola hoje podem ouvir que Churchill foi um criminoso de guerra. Quando você tem uma visão tão distorcida de um dos maiores ícones da história britânica do século XX, então você não consegue se lembrar muito sobre de onde veio”, conclui o escritor.

Precisamos, pois, ativar a memória da juventude, conectá-la com a notável jornada civilizacional à qual ela se vincula. O primeiro passo para combater o antiocidentalismo reinante é, obviamente, dar a entender o que é o Ocidente e o que estará em jogo se abdicarmos dessa herança cultural e espiritual que nos é própria.

O que é o Ocidente?

Na introdução do seu livro “O que é o Ocidente”, Philippe Nemo sugere que as circunstâncias geopolíticas de hoje reclamam algo como um “discurso à nação ocidental”.

Diante da já sentida crise do Ocidente, faz-se necessário uma tomada de consciência dos valores e ideais que o Ocidente representa. Essa tarefa torna-se mais urgente se considerarmos a hipótese de que, nessa civilização em crise, “foram alcançadas certas figuras do universal cujo desaparecimento ou enfraquecimento afetaria a humanidade como um todo.”

Em uma primeira aproximação, indica o pensador francês, a civilização ocidental pode se definir “pelo Estado de Direito, pela democracia, pelas liberdades intelectuais, pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia de liberdade baseada na propriedade privada”.

Nada disso, porém, é natural, “esses valores, estas instituições são fruto de uma longa luta construção histórica”. Tendo isso em vista, e apoiando-se no conhecimento adquirido ao escrever a sua Histoire des idées politiques, Nemo propõe estruturar a morfogênese cultural do Ocidente em cinco acontecimentos essenciais:

1) A invenção da polis, da liberdade perante a lei, da filosofia e da ciência pelos gregos;

2) A invenção do direito, da propriedade privada, da “pessoa” por Roma;

3) A revolução ética e escatológica do cristianismo;

4) A “Revolução Papal” dos séculos XI-XIII, que escolheu usar a razão humana resgatando a ciência grega e o direito romano formulando a primeira grande síntese entre “Atenas”, “Roma” e “Jerusalém”;

5) A promoção da democracia liberal alcançada pelas grandes revoluções democráticas (Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, França, e então, de uma forma ou de outra, todos outros países da Europa Ocidental)

Jerusalém, Atenas e Roma

Essa estrutura apresentada por Philippe Nemo está em consonância com um importante discurso proferido pelo papa Bento XVI, em 2011, no Parlamento alemão. Na ocasião, Joseph Ratzinger propõe “algumas considerações sobre os fundamentos do Estado liberal de direito”.

No começo do discurso, Ratzinger já expõe algo fundamental da relação entre política e cristianismo que muitos políticos que se dizem cristãos atualmente andam esquecidos ou simplesmente desconhecem:

“Na história, os ordenamentos jurídicos foram quase sempre religiosamente motivados: com base numa referência à Divindade, decide-se aquilo que é justo entre os homens. Ao contrário doutras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, nunca impôs um ordenamento jurídico derivado duma revelação”, explica Bento XVI.

Por outro lado, é preciso considerar que o cristianismo “apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito.” Assim sendo, os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II a.C., dando-se então um encontro entre o direito natural desenvolvido pelos filósofos estoicos, e os mestres do direito romano. Neste contato, afirma Ratzinger “nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade”.

Nessa época em que a bandeira da defesa dos direitos humanos é frequentemente instrumentalizada por tendências políticas antiocidentais e anticristãs, é importante a recordação do papa de que “desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos”.

O que Bento XVI está explicando é que os teólogos cristãos tiveram um papel decisivo para o desenvolvimento do direito e o progresso da humanidade quando tomaram posição contra o direito religioso e se deixaram influenciar pela filosofia, “reconhecendo como fonte jurídica válida para todos a razão e a natureza na sua correlação”.

Não convém entrar nos pormenores da sapientíssima argumentação de Bento XVI. Importa-nos mostrar que também ele aponta, nesse discurso, a necessidade de tomarmos consciência desse legado civilizacional que está atualmente posto em xeque:

“Quando na nossa relação com a realidade há qualquer coisa que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura”, orienta Joseph Ratzinger.

Os fundamentos da cultura ocidental são fortes o suficiente para resistir aos ataques de que tem sido alvo, desde que tomemos consciência do seu enorme valor e nos coloquemos em guarda na sua defesa.

A civilização ocidental, da qual a cultura da Europa é o reflexo mais visível, “nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma”, diz-nos Bento XVI.

Há tendências político-ideológicas cujos projetos passam pela destruição de cada uma das partes desse tríplice encontro. Isso explica muita coisa, inclusive o ódio a Israel que trouxe uma nova onda de antissemitismo à Europa.

Mas estamos atentos. Aos poucos, vamos resgatar a nossa memória cultural, refazer nosso percurso espiritual, apropriando-nos dos nossos valores e compreendendo que a nossa missão na terra é mais do que destruir tudo para reconstruir do nada.

Precisamos retomar o fio daquilo que de mais alto o ser humano foi capaz de alcançar e precisamos nos guiar pelo que de mais moralmente perfeito nos foi dado mirar.

A civilização ocidental evoluiu moralmente com o olhar voltado para Jesus Cristo. Desprezar esse modelo e renegar o cristianismo é justamente o caminho que aqueles que querem nos destruir estão nos incentivando a trilhar.

Arte da Estratégia

Sun Tzu foi um general, estrategista e filósofo oriental, mais conhecido por seu tratado “A Arte da Guerra”, que representa uma filosofia para gerir conflitos e vencer batalhas. É aceita como obra-prima em estratégia frequentemente citada e referida por teóricos e generais. Traduzida e distribuída por todo o mundo, influenciou diversos movimentos e nações, porém foi em Taiwan que encontrou múltiplas aplicações de longo prazo que merecem análise mais detalhada.

Taiwan emergiu, em poucas décadas, de uma economia agrária, para atingir os mais avançados patamares tecnológicos conhecidos. Hoje, o país é conhecido como “escudo de silício”, diante de sua seminal posição geopolítica estratégica na economia mundial. Ao contrário dos escudos reais, como aqueles utilizados por Israel, a terminologia se refere à importância da ilha na fabricação de chips semicondutores, que usam o silício como matéria-prima. Preservar este ativo, essencial para a nova economia, se tornou uma prioridade para diversas nações que dependem diretamente de suas aplicações.

A estratégia está na essência do desenvolvimento do país, como em qualquer grande nação, porém, mais do que em qualquer outro local, vemos a influência direta das lições de Sun Tzu. Taiwan entendeu primeiramente que o título de propriedade sobre terras poderia ser um ativo valioso para a economia. Assim, realizou uma reforma agrária profunda ainda na década de 1950. O incentivo de possuir terras próprias levou os novos proprietários a investirem em sistemas de irrigação, equipamentos mecanizados e fertilizantes. Uma década depois, o valor da produção agrícola duplicou, tornando a ilha importante exportador de arroz, açúcar, bananas e chá. Na sequência vieram a industrialização, investimento estrangeiro e as zonas de processamento de exportação.

O próximo ponto a ser atacado foi a educação, direcionada para os rumos tomados pela economia, com foco especial em áreas científicas e técnicas com o objetivo de promover o desenvolvimento agrário e industrial. Isso deu origem a novas gerações de cientistas e engenheiros que ajudaram em um salto industrial e tecnológico, permitindo ao país subir na cadeia de valor da indústria transformadora global. Atualmente são 146 universidades e 97% da população possui formação superior.

Assim, a tecnologia passou a assumir cada vez mais importância na economia. O surgimento, na década de 1970, do Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial funcionou como uma incubadora que atraiu cientistas e engenheiros talentosos para o país, levando à criação do Hsinchu Science Park, o Vale do Silício taiwanês. Uma atmosfera que produziu a maior fabricante de chips do mundo: a TSMC.

A democracia surgiu como um pilar natural de uma nação desenvolvida e com alto grau de educação. O país vive sem qualquer abalo institucional, com um sistema de liberdades, garantias e direitos que se tornou um exemplo para a Ásia.

Assim como preconizou Sun Tzu, “as oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas”. O caminho percorrido por Taiwan é o melhor exemplo desta máxima. O país agarrou todas as oportunidades que estavam diante de si, ensinando que para vencer qualquer guerra, antes é preciso dominar a arte da estratégia. Não há dúvida de que o “escudo de silício” da Ásia aplicou com sabedoria estes ensinamentos.

Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

A “internacional fascista” e o eixo autocrático

Vamos prestar atenção ao que dizem duas das mais reconhecidas instituições que monitoram os regimes políticos no mundo: o V-Dem Institute (da Universidade de Gotemburgo) e a The Economist Intelligence Unit (EIU). Segundo o V-Dem o Brasil não é uma autocracia (ou ditadura) e sim uma democracia não-liberal. Segundo a EIU o Brasil, igualmente, não é um regime autoritário (ou ditadura) e sim uma democracia não-plena.

Prefiro dizer – e já mostrei por quê em um artigo – que o Brasil tem um regime eleitoral parasitado pelos dois populismos do século 21: o neopopulismo dito de esquerda e o populismo-autoritário dito de direita e, portanto, está em risco de entrar em transição autocratizante. Isso significa que o Brasil, enquanto permanecer nessa condição de hospedeiro de populismos, não caminhará para ser uma democracia liberal ou plena. Mas, atenção: não significa que viraremos, nos curto ou médio prazos, uma autocracia eleitoral ou fechada (na classificação do V-Dem) ou que nos converteremos em um regime híbrido ou autoritário (na classificação da EIU).

Mas o risco continua porque os dois populismos que parasitam nosso regime político, embora não sejam iguais, têm, ambos, efeitos adversos sobre o regime do ponto de vista da democracia: o neopopulismo não costuma (a não ser em alguns casos extremos, como o da Venezuela e o da Nicarágua) matar o hospedeiro, enquanto que o populismo-autoritário pode, sim, acabar matando-o (como ocorreu na Hungria, na Turquia e em El Salvador – que se transformaram em autocracias eleitorais ou regimes autoritários).

Em outras palavras, no caso concreto do Brasil, o lulopetismo não mata o hospedeiro, mas o paralisa (quer dizer, paralisa o processo de democratização) impedindo que nosso regime eleitoral se converta em uma democracia liberal ou plena, enquanto que o bolsonarismo pretende matar o hospedeiro quando, além de impedir que nosso regime político vire um regime liberal, dificulta até mesmo que continuemos sendo uma democracia eleitoral.

Claro que para entender isso é preciso admitir que existem dois tipos de populismos no século 21 e não apenas o populismo dito de extrema-direita, como querem nos fazer acreditar os intelectuais acadêmicos de ciência política, muitos teóricos atuais da democracia e quase todos os jornalistas e analistas políticos na grande imprensa.

Estabelece-se a partir daí uma grande confusão, diria mesmo uma mistificação, na qual o grande ou principal (ou único) inimigo universal da democracia é o populismo-autoritário ou nacional-populismo dito de extrema-direita. Já mostrei em outro artigo que isso é falso. Das 89 autocracias que existem hoje no mundo (segundo o V-Dem), somente três são governadas por líderes nacional-populistas (Hungria, Turquia e El Salvador). Todas as demais são ditaduras islâmicas (que não podem ser caracterizadas como de direita ou de esquerda; e. g. Afeganistão, Arábia Saudita, Barein, Catar, Iémen, Jordânia, Kuwait, Líbia, Marrocos, Omã, Somália, Sudão) ou regimes na esfera de influência do eixo autocrático composto por Rússia, China, Irã etc. (e. g. Azerbaijão, Bielorrússia, Camboja, Chade, Gaza, Guine Equatorial, Mali, Síria, Sudão do Sul, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão) ou regimes declarada ou historicamente de esquerda ou extrema-esquerda (e. g. China, Coreia do Norte, Cuba, Laos, Venezuela, Nicarágua, Vietnam, Angola).

O eixo autocrático (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã, Turquia, Hungria, Cuba, Venezuela, Nicarágua, ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, talvez Bharat – a nova Índia de Modi, que é uma autocracia) ao qual estão se alinhando regimes eleitorais não-liberais parasitados por populismos de esquerda (e. g. México, Colômbia, Bolívia, Brasil, Honduras, África do Sul) é um inimigo muito mais perigoso e poderoso para as democracias liberais do que a chamada “internacional fascista” composta pelos populistas-autoritários ditos de extrema-direita (e. g. Orbán, Erdogan, Trump, Vance e Bannon, Salvini e Meloni, Le Pen, Wilders, Farage e os ex-militantes do Brexit, Chrupalla, Weidel e Gauland, Riikka Purra, Abascal, Ventura, Bukele, Bolsonaro) que, repita-se, só estão no governo em três países (com exceção de Meloni, pois a Itália continua sendo uma democracia liberal).

Isso não significa que a chamada extrema-direita não seja um perigo para a democracia. Mas significa que ela não representa o único, nem o principal, inimigo das democracias liberais (segundo o V-Dem 2023: EUA, União Europeia, Reino Unido, Noruega, Suíça, Canadá, Barbados, Costa Rica, Suriname, Chile, Uruguai, Japão, Coreia do Sul, Seicheles, Butão, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia).

Claro que a eleição de Trump (levando de carona Vance, Bannon e, agora, Elon Musk) pode alterar a correlação de forças no plano mundial, mas não mudar a natureza da principal ameaça à democracia representada pela ascensão do eixo autocrático. Com Trump ou sem Trump, o eixo autocrático continuará sendo a maior coalizão de ditaduras já conformada na história do planeta, atualmente empenhada em uma segunda grande guerra fria cujo objetivo último é exterminar as democracias liberais na face da Terra.

Com exceção do que pode acontecer com os EUA (e com o mundo) na hipótese da vitória Trump e de Putin que, situado no coração do eixo autocrático, investe no populismo de esquerda e no populismo de direita (Mélenchon e Le Pen, Lula e Bolsonaro) – porque sabe que a polarização tóxica entre os populismos é a principal arma de destruição das democracias liberais – essa cogitada “internacional fascista” é fichinha comparada ao eixo autocrático.

Feminismo progressista e esquerda talibã

Nesse mundo atravessado por espantosas ondas de violência e opressão, muitos acabam ficando anestesiados, perdendo, por conseguinte, aquela indignação espontânea e genuína diante da observação de eventos moralmente condenáveis. É preciso, porém, cuidado, para que não percamos a nossa capacidade de perceber o mal, julgá-lo como tal e condená-lo inequivocamente.

A ideologia é algo que, por vezes, oblitera a capacidade de julgar. Bem instalados dentro de determinados quadros teóricos que possuem um referencial ético próprio, pessoas ideologizadas são capazes de justificar situações concretas aberrantes em nome do bem abstrato que dizem defender.

Quem perde a capacidade de julgar, fanatiza-se. Existe fanatismo na política e existe fanatismo na religião. E existe uma religião cujo fanatismo se impõe por meio de força política porque nela política e religião são indissociáveis. Essa religião tribal e primitiva é o islamismo.

Todos sabemos que as mulheres são, de modo geral, oprimidas em todo o mundo islâmico. Um ou outro país islâmico no qual as mulheres não sejam tratadas como animais pode ser tomado como exceção que confirma a regra.

A coisificação da mulher está tão intrinsecamente ligada ao islamismo que muitos muçulmanos, ao serem acolhidos pelos países ocidentais, não transigem de forma alguma em relação a costumes tais como mutilação genital feminina, casamento infantil, casamento forçado e obrigação das meninas pré-púberes de usarem um hijab.

Essas são práticas subculturais do sul da Ásia e do oriente médio que não são exclusivas dos muçulmanos, mas que, entre os muçulmanos, são justificadas como práticas religiosas. No inevitável conflito entre tais práticas religiosas muçulmanas e o estado de direito do país ocidental que acolheu os muçulmanos o que você acha que deveria prevalecer?

Como a disseminação de um tosco multiculturalismo nos fez acreditar que nossa civilização não tem nada de superior às outras e que nossos valores não são universais porque valores universais não existem, claro que vai prevalecer o direito do macho muçulmano de extirpar o clitóris de uma menina e de casá-la com um sexagenário, afinal, quem somos nós, ocidentais cristãos brancos imperialistas para querer impor nossos valores aos outros?

O que as feministas dizem sobre isso? Aí é que está. Elas dizem pouca coisa. O abstrato patriarcado ocidental ocupa tanto a sua imaginação e gera tantas especulações que sobra pouco tempo para analisar e condenar o patriarcado real que oprime as mulheres do mundo islâmico. Perdidas nas divagações de que o patriarcado e o machismo estão difusos em todas as sociedades, tornam-se incapazes de observar e condenar a sua manifestação atual mais concreta.

A feminista progressista tem outras preocupações e, por isso, costuma ignorar a misoginia islâmica. Sua ocupação principal é defender o direito total e absoluto ao aborto em qualquer período da gestação; ela também costuma especular sobre uma “cultura do estupro” disseminada entre todos os homens brancos héteros ocidentais que são invariavelmente machistas e estupradores em potencial; por fim, algumas acharam por bem defender o direito não apenas da mulher, mas de quem “se identifica” como mulher.

O Talibã, a estupidez da Anistia e a complacência da ONU

Foi noticiado recentemente que o regime do Talibã, no Afeganistão, recrudesceu as leis com as quais escraviza as mulheres. As novas regras, determinadas pelo “Ministério para a propagação da virtude e prevenção do vício” proíbem agora as mulheres de falar ou cantar fora de casa e de irem para a escola depois de completarem 12 anos de idade. São 35 novas regras de opressão que se somam a outras mais antigas, como a obrigatoriedade do uso da burca.

Segundo o artigo “Onde está a solidariedade com as mulheres do Afeganistão?” publicado na revista Spiked, a Anistia Internacional comentou a situação e apelou ao Talibã para acabar com sua “perseguição baseada em gênero”, mas caracterizou, em postagem no X, essa perseguição como sendo contra aquelas que “se identificam como meninas.”

Segundo Candice Holdswoth, autora do artigo, a descrição “profundamente estúpida” foi reescrita para se referir apenas a mulheres e meninas: “claramente, alguém na Anistia percebeu que essa linguagem absurda e woke não pode ser usada para descrever a situação das mulheres no Afeganistão, que nunca poderiam ´se identificar´ dentro ou fora do fato de serem mulheres”.

Holdswoth também deplora o acovardamento cúmplice da ONU que tem trabalhado para integrar o Afeganistão à comunidade internacional sob a justificativa de que a aproximação com os países civilizados poderia ter sobre os talibãs alguma influência moderadora:

“No início deste ano, a ONU publicou um roteiro no qual o secretário-geral António Guterres sugere que os direitos das mulheres melhorarão com o tempo, à medida que a ONU constrói uma relação de trabalho com o Talibã. Na realidade, a situação só piorou progressivamente”, denuncia a escritora.

As mulheres afegãs, sob o Talibã, estão vivendo um pesadelo distópico, estão sendo vítimas de abusos terríveis que nem todas conseguem suportar. Muitas mulheres “estão sendo levadas à depressão e ao suicídio por desespero total”, alerta o referido artigo. Diante desse quadro, porém, o secretário-geral da ONU, António Guterres, limitou-se a dizer que viu as novas regras do Talibã com preocupação. Essa pusilanimidade levou Holdswoth a concluir seu artigo em tom de desabafo:

“O Talibã tem uma longa história de brutalizar mulheres e não há nenhuma indicação de que esses extremistas islâmicos tenham reformado suas visões. […] O Afeganistão é agora um inferno de miséria e sofrimento para as mulheres. É chocante que alguém tenha se convencido de que poderia ter sido diferente sob o Talibã, com base no que todos sabemos sobre a ameaça que o extremismo islâmico representa para mulheres e meninas.”

A esquerda talibã no Brasil

No começo desse artigo dizíamos que existe fanatismo na política e existe fanatismo na religião. Como a ideologia não pode conviver com a espiritualidade verdadeira, ela, por vezes, se une ao fanatismo religioso, que é uma deturpação da espiritualidade vivida, sentida e real. Isso explica, em parte, a aliança nefasta entre a esquerda e o Islã, que já mencionei em artigos anteriores.

No Brasil, parte significativa da esquerda tem um histórico de simpatia pelo Talibã. Em 2021, quando forças de intervenção dos EUA saíram do Afeganistão, o site brasileiro “Diário da Causa Operária” – ligado ao Partido da Causa Operária (PCO), de autodeclarada orientação marxista-leninista-trotskista – publicou uma reportagem celebrando a vitória do Talibã com registros os mais entusiasmados.

Rui Costa Pimenta, presidente do PCO, declarou na ocasião: “a vitória do talibã está inspirando os povos do oriente médio a irem pelo caminho de uma ampla revolução armada, a revolução popular para derrubar os governos corruptos financiados pelo EUA”. Em seguida, ele reclamou de correntes de esquerda que não eram suficientemente alinhadas com o fundamentalismo islâmico.

Se Rui Pimenta escarneceu a parte da esquerda não fanática chamando-a “esquerda pequeno burguesa”, não será demais chamar a parte da esquerda à qual ele pertence de esquerda talibã.

Infelizmente a esquerda talibã brasileira vai além de Rui Pimenta e do PCO: ela também influencia o governo Lula e está representada na direção do PT.

A esquerda talibã é aquela que na guerra entre Israel e o Hamas, justifica as atrocidades do Hamas e condena Israel; que na guerra entre Israel e Irã, prefere alinhar-se ao regime dos aiatolás.

A esquerda talibã brasileira se põe abstrata e retoricamente em defesa da democracia, mas, quando começa a guerra de grupos terroristas sustentados por uma teocracia perversa contra um país minúsculo que é a única pátria dos judeus e única democracia do Oriente médio, essa esquerda coloca vergonhosamente o nosso país ao lado do eixo do mal.

Separar o joio do trigo nos investimentos estrangeiros

Mecanismos de Avaliação de Investimentos Estrangeiros com base em preocupações de Segurança Nacional, sempre existiram para as indústrias de material bélico e produtos químicos de uso duplo, ou seja, aqueles que têm um uso comercial legítimo mas também podem ser empregados em um cenário de guerra, nos últimos anos temos visto uma expansão das áreas e do mecanismos que visam realizar esse escrutínio desses investimentos estrangeiros.

Essa tendência parece contraditória se avaliarmos o contexto altamente competitivo da economia global em que atrair Investimentos Estrangeiros Diretos é uma diretiva comum das equipes econômicas da maioria dos países do mundo. E o motivo desse esforço de atração é simples de compreender, afinal investimentos diretos são investimentos de risco, isto é, investimentos na economia real (indústrias, fazendas, lojas, start-ups, etc.) que expandem a capacidade econômica dos países que o recebem gerando novas oportunidades de negócio, novos empregos e com impacto positivo no ambiente de negócios trazendo competição e inovação.

Apesar desses benefícios, há riscos para os países que recebem esses investimentos, principalmente quando eles representam o controle de empresas em setores sensíveis como transmissão e armazenamento de dados, infraestrutura sensíveis como água e energia, ou mesmo indústrias que gerem dados que possam ser usados com interesses contrários aos Interesses Nacional dos Estados.

Países que têm em vigor algum tipo de Instrumento de Avaliação de Investimentos Estrangeiros controlam mais da metade do fluxo anual de Investimentos em todo mundo e três quartos do estoque de investimentos, de acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UCTAD.

Os Instrumentos de Avaliação de Investimentos Estrangeiros – IAIE são arcabouços legais e institucionais que permitem a avaliação e controle dos fluxos de investimento com base na origem e no destino dos investimentos, sob a ótica da defesa nacional. Em 2015, essas medidas existiam em apenas três países, hoje estão nos códigos normativos de quarenta e um estados, mostrando a urgência que tem se dado ao tema no mundo.

Dentre os vários modelos instalados, o modelo francês apresenta uma inovação institucional interessante que é a oportunidade de controle legislativo dos processos de avaliação, por meio de relatórios anuais da autoridade estabelecida para realizar os procedimentos, essa supervisão de reguladores é passo importante para dar transparência a processos.

Esse processo visa autorizar ou negar a possibilidade de investimentos em setores estabelecidos na legislação que apresenta também uma série de remédios para permitir investimentos que vão desde a aceitação pelo investidor de não possuir controle das empresas até a venda de parte das operações consideradas sensíveis tanto pela tecnologia que utilizam, como pela importância atribuída a contínua inovação nesse setor. Outro quesito avaliado é garantir que o tipo de produto ofertado pela empresa alvo de investimento mantenha a produção em território francês. 

O modelo francês trabalha com uma série de prazos estabelecidos que levam em conta tempo para que os investidores possam apresentar a documentação e comprovações exigidas que levam em conta a necessidade de celeridade na efetivação de um investimento, ainda mais quando se fatora o custo-de-oportunidade que os atrasos provocam.

É interessante se manter uma economia aberta a recepção de Investimentos Estrangeiros, contudo, riscos à segurança nacional e a manutenção das democracias podem surgir de investimentos feitos em setores específicos ou que se originem de entidades como empresas estatais ou fundos soberanos. A avaliação desses investimentos é primordial para salvaguardar os interesses nacionais e a democracia e o assunto é pauta legislativa importante para ser debatida no Brasil, nossa segurança e bem-estar podem depender de sabermos separar o joio do trigo dos investimentos estrangeiros.

Coração da Ásia

Na Ásia, do alto do Taipei 101, a paisagem respira economia. Não somente nos andares que suportam o arranha-céu, onde estão instaladas empresas, um enorme shopping center e uma avalanche de turistas que visitam o prédio todos os dias. Do alto do 92º andar é possível enxergar a dimensão de uma renda média per capita de US$ 35 mil, o equivalente a mais de três vezes a média mundial. Um país que sete décadas atrás vivia sob uma base agrária, se transformou em potência tecnológica de ponta.

Taiwan fica localizada na ilha de Formosa (assim batizada pelos portugueses em 1542), ao sul do Japão e ao norte das Filipinas. O governo existente no país é sucessor oficial daquele estabelecido com o fim da dinastia Qing, última da história imperial chinesa. O modelo democrático de nação, chamado oficialmente desde sua fundação como República da China, elegeu neste ano Lai Ching-te, também conhecido como Wiliam Lai, como seu Presidente para um mandato de quatro anos.

De qualquer forma, o que mais impressiona quando analisamos a República da China, ou seja, Taiwan, é a sua capacidade em produzir desenvolvimento econômico aliado a um modelo de liberdades pleno. É o país mais democrático de toda Ásia e aquele com a maior liberdade de imprensa no continente, com a segunda melhor qualidade de vida do mundo. Com 146 universidades em um território um pouco menor que o estado do Rio de Janeiro, possui a melhor educação dentre todos os países do planeta.

O resultado está expresso em números. Nos últimos 30 anos, o PIB per capita em dólares cresceu 220% (4% ao ano), comparado a 2,5% ao ano da Europa. Em valores absolutos, a produtividade é quase três vezes maior que da China continental e aproxima-se de patamares europeus. Destaca-se no ranking de competitividade do World Economic Forum, no índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, no ranking de investimentos do Business Environment Risk Intelligence e do Banco Mundial, além de ser um dos ambientes empresariais mais seguros do mundo, segundo a The Economist.

Além de tudo, estamos falando do principal e mais importante produtor de microchips do mundo, componente essencial da economia digital que vivemos. Atualmente 66% da produção mundial está em Taiwan, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC. O impacto no mercado de capitais é avassalador: A proporção de tech na bolsa é de quase 60%, batendo com facilidade o Brasil, com apenas 1%, Europa, com tímidos 7%, e até os EUA com 37%. Isto é o resultado de educação, inovação e tecnologia. A tecnologia taiwanesa está presente em nossos smartphones, televisores, videogames e computadores, o que significa que todos carregamos um pouco de Taiwan todos os dias.

A manutenção da soberania da ilha, constantemente ameaçada pelo governo de Pequim em tempos recentes, é essencial para a estabilidade econômica internacional. Além do mais, o país asiático segue sendo o farol de uma sociedade virtuosa, aberta e moderna para Ásia, cada vez mais necessária e essencial em momentos delicados como este vivemos, com a ascensão de inúmeras autocracias ao redor do mundo.

Do alto do Taipei 101, a paisagem mostra uma economia pujante, porém somente capaz de existir de forma plena impulsionada pela liberdade, democracia e prosperidade que sopram no coração da Ásia.

Lula e o PT já fizeram sua opção pelo eixo autocrático

Uma hipótese.

O PT concluiu (ou está a um passo de concluir) que a estratégia eleitoral de conquistar hegemonia sobre a sociedade, a partir de vitórias eleitorais sucessivas, delongando-se nos governos para ter tempo de controlar as instituições e modificá-las por dentro, não tem mais grandes chances de sucesso. Não, pelo menos, em doses homeopáticas, como previa até há pouco.

Pois ocorreu que, depois do impeachment de Dilma, houve uma descontinuidade no controle que o PT exercia sobre os aparatos do Estado e, em parte, da sociedade. E, em seguida, surgiu uma espécie de “revolução” eleitoral (ainda que uma revolução para trás) da chamada extrema-direita (que nada mais é do que uma mixórdia de correntes nacional-populistas ou populistas-autoritárias), com a vitória de representantes não subordinados a Lula e ao PT para postos legislativos e executivos do Estado.

A nova realidade que surgiu não foi bem a da ascensão de uma força política orgânica, como a que o PT constituiu ao longo de três a quatro décadas, e sim uma rebelião dos insatisfeitos e irritados com o petismo – o que configurou um imenso e capilarizado antipetismo.

De sorte que o PT, decorridos oito anos do seu principal revés (o impeachment, seguido da prisão de Lula e das derrotas eleitorais de 2018 e 2020), ficou em minoria nos parlamentos e nos governos em nível nacional (com exceção da presidência da república), estadual e municipal. Além disso, ficou em minoria nas novas mídias sociais e nas ruas.

Nessas novas circunstâncias, o PT não tem mais a menor garantia de que vencerá as próximas eleições de 2024, 2026, 2028 e 2030. Pelo contrário, está fortemente desconfiado de que poderá perdê-las.

Em minoria nesses âmbitos políticos e sociais, ao PT restou um alinhamento dos tribunais superiores, do ministério público e dos grandes meios de comunicação profissionais (como os principais canais de TV a cabo), para fazer sua política, bypassando as mediações institucionais onde a correlação de forças lhe é desfavorável. E que tende a ficar mais desfavorável ainda, pois o antipetismo não diminuiu e sim aumentou bastante, inclusive pelo descontentamento generalizado com decisões autoritárias e desastradas do STF – visto por amplas parcelas da população como alinhado ao governo – que atingem não somente o estamento político (como o Congresso Nacional, francamente não-governista), mas a vida das pessoas comuns (como ocorreu, por exemplo, com as ordens de bloqueio do X e das multas extorsivas a quem usar VPN para acessá-lo).

O que fazer numa situação assim?

Confrontadas com a contrariedade e até mesmo com a indignação de boa parte da sociedade brasileira que seu apoio inegável às ditaduras (como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Angola – para não falar da Rússia, da China e do Irã) provocou, as bases mais radicalizadas do PT e seus dirigentes históricos (incluído Lula), foram chegando à conclusão de que não adianta muito disfarçar tal posição antidemocrática com desculpas de que o Brasil quer apenas ampliar suas relações comerciais com esses países e manter a sua vocação de mediador em busca da paz. O próprio Lula escarneceu dessas desculpas, urdida por intelectuais e jornalistas passapanistas, ao dizer e repetir, com todas as letras, que o interesse do Brasil em se alinhar ao eixo autocrático tem objetivos políticos estratégicos.

O engajamento no BRICS (agora, talvez, ampliado com Venezuela e Nicarágua) – uma articulação política de ditaduras e governos populistas, sobretudo de esquerda, disfarçada de bloco econômico – é uma evidência de que já foi feita a opção do governo e do PT pelo lado sombrio da força nesta segunda guerra fria que está em curso. O PT acha que é esse “lado” que vencerá a guerra.

A guinada que amadurece nos porões do governo e na cúpula do partido é a de que é preciso seguir em frente, manter o caminho e acelerar o passo, dobrando as apostas em vez de recuar e contemporizar. Assim, o PT age como se estivéssemos em uma situação pré-revolucionária, embora sabendo que as condições objetivas para tanto não estão dadas. Então está tentando forçar uma configuração de condições subjetivas que possa criar artificialmente as condições objetivas, a partir da vontade, de cima para baixo.

Para afastar a possibilidade de surgimento de uma força política democrática liberal (o que, na verdade, estima ser o grande perigo para o seu projeto), o PT investe, em consequência, cada vez mais, na polarização tóxica com o bolsonarismo, propagando a ideia perversa e incorreta de que ainda estamos sob risco de um golpe de Estado, desta feita pela entrada dos fascistas na disputa eleitoral. A vitória eleitoral dos fascistas seria, nessa releitura, equivalente a um golpe de Estado.

A explicação é que os fascistas (entendidos de modo safado como todos aqueles que não se subordinam a Lula) usam as mídias sociais para espalhar o ódio, lançam mão de fake news e outros artifícios que seriam ilegais para vencer ilegalmente a disputa eleitoral (como se todos que se opõm ao PT fossem bolsonaristas, golpistas e terroristas: por acaso a mesma linguagem usada por Nicolás Maduro para caracterizar a oposição ao seu governo). É necessário, portanto, que lhes sejam retirados os instrumentos para cometer essa “fraude”. A proibição do X, a multa para quem acessá-lo por VPN e, em seguida, uma regulamentação das mídias sociais que retire desses golpistas a capacidade competitiva, passam a ser providências estratégicas para tentar eliminar concorrentes que podem ameaçar a continuidade do PT no poder.

Ora, isso não pode ser feito sem alguma dose de autocratização do regime político. O PT está disposto a arcar com esse custo se souber que mais adiante conseguirá se recompor como força hegemônica. É um jogo de vale-tudo e de vida ou morte, uma vertigem que leva a aumentar sempre a velocidade, como se não houvesse amanhã.

Como haverá um amanhã, isso só se sustenta se houver uma mudança brusca na correlação de forças, na verdade uma revolução (para frente), que justifique a adoção de remédios alopáticos fortes, com sérios efeitos colaterais. Estamos vivendo agora no Brasil neste preciso momento em que está havendo uma mudança importante na conjuntura.

Eu tenho medo de dizer minha opinião sobre a proibição do X no Brasil

Eu tenho medo de dizer a minha opinião sobre a proibição do X no Brasil. Sabem por quê? Atrai uma má sorte danada. Vocês não imaginam o azar que dá falar disso. E eu sou muito supersticiosa.

Mas não é só por causa de superstição infundada não. Eu resolvi desafiar as forças do universo e já provei dessa onda de más energias que inundam a vida da gente. Resolvi contar esse causo.

Volto a 25 de agosto de 2022. Na época, eu apresentava um programa com o diretor de jornalismo de O Antagonista, Felipe Moura Brasil. Um dos cortes na internet tinha o título “Transformar Alexandre de Moraes em Batman não salvará a democracia”. No mesmo dia resolvi escrever uma coluna com esse título.

Tsunami de azar

Ali se formou a onda de má sorte que se converteu em um verdadeiro tsunami de azar. Dias depois, o ministro responsável pelos inquéritos secretos das fake news decidiu tornar públicas algumas das informações. Não era nada sobre mim.

Mas, ali no meio, havia um trecho do inquérito. Nesse trecho estava o meu nome. Eu era acusada de fazer parte do Gabinete do Ódio. Estranhei. Acionei meus advogados, André Fróes e Bruno Andrade de Souza. Trabalharam duro e tiveram muita paciência comigo. No final das contas, eu não estava no inquérito porque a tal denúncia foi considerada inepta pela Polícia Federal. O denunciante acusava vários famosos, até gente do Judiciário. Parecia ter dito todo nome conhecido que vinha à cabeça.

Parecia resolvido, mas a maré de azar continuou. Resolveram me cancelar mentindo que eu era investigada. Pior, inventaram toda uma história sobre a minha vida, que é pública há 28 anos. Eram acusações insustentáveis, mas pouco importa para o Supremo Tribunal da Internet. A coisa se arrastou, virou outros processos judiciais, tive bloqueio de contas bancárias, só resolvi este ano. Uma confusão enorme e comprida por uma mera opinião de alguém que não manda em nada nesse país, não tem família poderosa nem vocação para patriota EAD. É muito azar, daquelas coisas de filme.

STF

E, vocês sabem, eu trabalhei no STF. Tenho muito orgulho do trabalho que fiz, ganhei ali alguns dos principais prêmios da minha vida profissional. Meu trabalho foi premiado em Nova Iorque pelo UNICEF como o melhor do mundo. A equipe que eu liderava, com dezenas de pessoas, ganhou 14 prêmios nacionais na área de comunicação.

É uma honra para uma cidadã ter a oportunidade de servir a Suprema Corte de seu país. Ali aprendi muito sobre como funciona por dentro a máquina do poder, um diferencial determinante para a minha profissão e minha visão de mundo. Conheci pessoas muito competentes, sérias, dedicadas e comprometidas com o serviço público e os cidadãos. Sobretudo, no STF fiz amigos fiéis de quem gosto demais e vou carregar por toda a vida. Confio no Poder Judiciário.

Dito isso, deixo em aberto um questionamento: quem é o representante do Xvideos no Brasil?

O contraditório apoio da esquerda a Putin, um plutocrata fascista

Uma das narrativas mais usadas – e abusadas – pela esquerda é a denúncia do “imperialismo” como culpado por todas as injustiças e horrores do mundo. Todavia, aí mora uma flagrante contradição: desde a edificação na Rússia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, a política marxista-leninista (bolchevismo), passou a ser, fundamentalmente, de caráter imperialista.

A pregação originária do marxismo é internacionalista: para a completa vitória, a revolução proletária terá de ser realizada sem fronteiras, sem predomínio de qualquer país; reza a doutrina. Todavia, a partir de 1922 a URSS desenvolveu um política expansionista com total predominância e no interesse do poder centralizado pelo Partido Comunista (marxista-leninista) em Moscou.

A fantasia internacionalista, na prática já esfarrapada, teve grande abalo teórico quando Stalin elaborou a nova doutrina do “socialismo em um só país”. A partir de então, o internacionalismo proletário marxista foi reduzido à afirmação chauvinista da primazia da URSS e do seu Partido Comunista, concomitantemente à total subserviência dos Partidos Comunistas de todos os outros países.

O corolário dessa nova práxis doutrinária foi o culto à personalidade de Stalin, o mais arraigado e repugnante exercício de submissão a um tirano de que se tem notícia na história contemporânea.

Pode-se considerar que tudo isso é coisa velha e o stalinismo um regime/doutrina já desmascarado em sua perversidade e, em geral, rejeitado até no âmbito da própria esquerda. Nada obstante, nos dias atuais, uma franja desatinada da esquerda descortina uma nova narrativa pela qual busca reviver o passado de expansionismo soviético projetando suas fantasias no atual ditador da Rússia, o belicoso Vladimir Putin.

Aqui no Brasil, intelectuais marxistas, jornalistas lulopetistas e até partidos políticos declaram sua simpatia por Putin e apoiam atos de expansão imperialista como a invasão da Ucrânia, incidindo em nova contradição, uma vez que Putin não é marxista, não é comunista e não é socialista.

A plutocracia de Putin

Putin é um plutocrata que governa apoiado por uma rede de bilionários enriquecidos por esquemas de corrupção facilitados ou promovidos pelo governo.

A riqueza dos plutocratas amigos de Putin não é escondida, mas pelo contrário ostentada não só na própria Rússia como em vários países do exterior, por cujos mares tais nababos costumam navegar em seus luxuosíssimos iates.

Para sustentar tal poder, o governo Putin – principalmente após o início da guerra de invasão da Ucrânia, – enveredou pela prática de controle social tipicamente fascista, com censura e repressão extremas aliadas a um nacionalismo expansionista.

Já em setembro de 2022, a então relatora da ONU sobre a Rússia, Mariana Katzarova, alertou em relatório que os métodos repressivos russos recrudesciam e se sofisticavam com a edição em série de leis que visavam abafar qualquer crítica ou oposição.

Embora reconhecendo que a repressão de Putin não era comparável à repressão de Stalin, o relatório exortava a comunidade internacional a barrar o tirano enquanto fosse tempo.

Com efeito, não é fácil atingir o horror da repressão stalinista, mas o regime de Putin tem feito esforço.

Efeito Streisand-Marçal

Mike Masnick cunhou o termo “efeito Streisand” ao se referir a um incidente em 2003 no qual a atriz Barbra Streisand processou o fotógrafo Kenneth Adelman e o website pictopia.com em 50 milhões de dólares. Ela desejava que uma foto aérea de sua mansão fosse removida da coleção de 12.000 fotos da costa da Califórnia disponíveis no site, alegando preocupações com sua privacidade. Como resultado do caso, a foto se tornou viral na Internet, com mais de 420 mil acessos à época.

Na última semana, Tábata Amaral, candidata à prefeitura de São Paulo solicitou, por meio de seu partido, a suspensão dos perfis de Pablo Marçal nas redes sociais, seu adversário na disputa municipal. Ela acusa Marçal de abuso de poder econômico pelo suposto pagamento de apoiadores para editar e difundir cortes de vídeos. A justiça eleitoral acatou o pedido e os perfis foram derrubados.

Vamos aos números. Pablo Marçal é o candidato que tem mais seguidores nas redes sociais. São quase 20 milhões, somando as quatro contas atingidas pela decisão. Para ser exato, estamos falando de 19.535 milhões de seguidores. Instagram: 13 milhões, YouTube: 3,59 milhões, TikTok: 2,6 milhões e X (ex-Twitter): 345 mil. Ao suspender suas contas, a ideia era que seu engajamento sofresse limitações, porém, tudo indica que o caminho trilhado foi o inverso.

Ao recriar os perfis, em apenas 36 horas já contava com 2,6 milhões de seguidores somente no Instagram, rompendo a barreira dos 3 milhões pouco tempo depois. Se considerarmos apenas o perfil recriado, ele já se reposiciona acima de todos os seus adversários no pleito municipal, a saber: Boulos: 2,3 mi, Tabata: 1,5 mi, Nunes: 973 mil e Datena: 961 mil. Antes da suspensão, seu perfil original perdia apenas para o de Bolsonaro, com 25,7 milhões de seguidores.

A suspensão ocorreu na mesma semana em que ele disparou nas pesquisas de intenção de voto, posicionando-se em situação de empate técnico na liderança em mais de uma sondagem, ou seja, algo que mostra um crescimento consistente. No Datafolha surgiu em 2º com 21%. Na Atlas Intel, em 3º com 16,3%. Na Paraná Pesquisas também em 3º, com 17,9% e na mais recente, realizada pelo Instituto Veritá, depois da suspensão dos perfis, disparou para 30,9%, assumindo a liderança da disputa.

A derrubada dos perfis de Marçal nos remete claramente ao efeito Streisand. Por óbvio o candidato já possuía uma plataforma robusta, entretanto, a tentativa de limitar sua influência por meio das redes obteve efeito inverso, impulsionando sua candidatura a uma exposição viral, gerando engajamento espontâneo e consolidando sua narrativa antissistema. Um movimento que se encaixa de maneira perfeita em sua estratégia eleitoral.

Desde 2013 o eleitor vive um período de transição, que neste momento passa pela antipolítica com pitadas de populismo. Marçal é um fenômeno da internet e sabe como poucos navegar as regras internas de funcionamento das redes sociais. Mais do que admiradores, ele possui seguidores reais. Ao criar uma limitação para sua atuação, vimos um resultado bumerangue, que desidratou seus adversários e impulsionou sua candidatura, uma espécie de “efeito Streisand” aplicado ao mundo político, algo que no futuro, dependendo do impacto no resultado da eleição, poderá começar a ser chamado também de “efeito Streisand-Marçal”.