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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Desafio de Kamala

Os últimos dias em Washington estão sendo de intensa movimentação, algo atípico para esta época do ano, tanto pelo calor que invade a capital, como pelas férias de verão que esvaziam a cidade nestes meses. Porém, tudo muda diante de um ano eleitoral como este que estamos presenciando. Nestas semanas estou imerso presencialmente na política americana discutindo cenários e colhendo informações sobre as campanhas.

Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa. Nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral. Os republicanos, ou melhor dizendo, o partido de Trump, que tomou o controle da estrutura partidária republicana, fizeram uma convenção na esteira do atentando contra seu candidato, que decidiu partir para o confronto e deixar de lado o discurso de união que poderia emergir depois dos tiros na Pensilvânia.

Trump escolheu como vice JD Vance, um jovem senador por Ohio, indicado por seus filhos, em especial Donald Jr, que enxergou em Vance um nome que pode entregar um estado essencial na disputa contra os democratas. Nenhum presidente até hoje venceu sem Ohio e ao assegurar um nome com enorme penetração política local, praticamente selou o apoio do estado na disputa eleitoral.

A mudança na chapa dos democratas diante da desistência de Biden em buscar a reeleição trouxe um elemento novo para o tabuleiro. Sua decisão já estava tomada e a comunicação foi realizada somente depois do partido costurar o apoio em torno de sua vice, algo que sugere a continuidade da sua presidência e sua chapa para reeleição. Em pouco tempo, todos os diretórios estaduais democratas selaram o apoio a Harris, assim como os principais cardeais do partido. A convenção em Chicago servirá apenas para sua consagração e formalização eleitoral.

A eleição americana será decidida mais uma vez em um pequeno punhado de estados que, ao votar com republicanos e democratas de forma pendular em cada eleição, podem fazer com que o resultado sofra variações, os chamados swing states. Flórida, Ohio, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Destes, Flórida e Ohio são considerados republicanos nesta eleição, especialmente por termos Trump e JD Vance na disputa. Kamala mira em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Sem eles, não há chance de vitória.

Isso explica porque a nova pré-candidata presidencial começou sua caminhada justo por Wisconsin, que sediou a convenção republicana. Nos outros dois estados, possui aliados de peso: no Michigan, a governadora Gretchen Whitmer e na Pensilvânia, o governador Josh Shapiro, ambos nomes com ambições presidenciais. Um deles certamente deve ser o companheiro(a) de chapa de Kamala Harris e a tendência, diante da busca de equilíbrio, é o governador Shapiro, um homem branco e centrista, que pode tirar votos de Trump, além de ser popular em um dos estados mais importantes desta eleição.

O desafio de Kamala está lançado. Sua candidatura foi bem articulada até aqui nos bastidores do partido. Biden e os cardeais democratas fecharam apoio irrestrito do partido em torno dela. A chance de vitória existe, porém, se acontecer será por uma margem muito estreita. O favoritismo ainda reside nos ombros de Trump e seu grupo político, porém, se Kamala Harris souber se movimentar há um pequeno espaço para virar o jogo. Washington segue fervendo nestas férias de verão.

Drama Democrata

Desembarquei em Washington no dia seguinte ao atentado contra Donald Trump e a sensação entre os políticos com quem conversei era a mesma. A eleição está decidida e o republicano pode preparar o terno para a posse. Se a convenção que ocorreria em Milwaukee era apenas uma formalidade, tudo indica que a eleição que teremos pela frente pode seguir enredo similar.

Se a dificuldade dos democratas era apenas a desconfiança sobre a saúde e o vigor de Biden, a realidade se tornou ainda mais sombria. O Presidente não fornece sinais de que possa desistir, ao mesmo tempo que a eleição de seu adversário se torna algo que beira o inevitável e pode jogar o partido que atualmente está no poder em uma crise sem precedentes.

Além da Casa Branca estarão em disputa diversos cargos, como governos estaduais, a totalidade da Câmara de Representantes e 1/3 do Senado. Isto representa poder político. Sem um candidato a Presidente que impulsione estas candidaturas, as chances de os democratas perderem governos, enxergarem os republicanos dominar o Senado com folga e sofrerem uma surra de proporções épicas na Câmara é uma realidade.

A Casa Branca já é considerada uma causa perdida e o congelamento das doações para a campanha de Biden evidencia o tamanho do drama eleitoral. Resta aos democratas evitar o pior e brigar para manter sua dignidade, lutando de forma viável pelas vagas no Congresso e pelo controle de governos estaduais. Neste sentido, lideranças partidárias ainda tentam convencer Biden a desistir, abrindo caminho para Kamala Harris, que seria derrotada por Trump, porém, seria capaz de levar algum vigor para as campanhas e ajudar o partido a evitar o pior.

Neste sentido, os democratas trabalham com o calendário curto e fixaram agosto como o limite para uma decisão, quando ocorre sua convenção em Chicago. Se Biden surgir mais uma vez perdido ou cometer erros graves, o partido está disposto a se movimentar visando sua própria sobrevivência na arena política. Circula em Washington que já havia uma carta pronta dos líderes pedindo a troca do candidato democrata e que foi colocada de lado diante do atentado contra Donald Trump.

O drama dos democratas também passa por três estados voláteis eleitoralmente e por isso considerados seminais na eleição americana: Wisconsin, Ohio e Pennsylvania. Os republicanos escolheram o primeiro para sediar sua convenção. O segundo é a base eleitoral do vice de Trump, o senador J.D. Vance. O terceiro é o local onde ocorreu o atentado. Se os republicanos vencerem nestes locais, seus adversários não terão a menor chance e tudo indica que o quadro vai se desenhando desta forma.

Se os democratas não agirem de forma de firme e objetiva, Trump iniciará seu segundo mandato com a maioria dos governadores, vantagem plena na Câmara e confortável superioridade no Senado. Com uma Suprema Corte de maioria conservadora, que deve ser ampliada nos próximos anos, o trumpismo se consolidará de forma esmagadora na política norte-americana, um fenômeno que se apropriou do Partido Republicano e passará em pouco tempo a se confundir com a realidade política do país.

Vitória de Pirro

A direita nacionalista saiu derrotada mais uma vez nas eleições francesas. No entanto, desta vez, a reação contra Le Pen foi capitaneada por um somatório de forças: o centrismo de Macron aliado ao esquerdismo de Mélenchon. A soma forneceu ao grupo o direito de indicar o Primeiro-Ministro e governar a França em parceria com o Presidente, o que certamente exigirá uma enorme habilidade de ambos os lados.

O grupo liderado por Mélenchon, a Nova Frente Popular, é uma agremiação formada pelo Europa Ecologia, Partido Socialista, Partido Comunista da França e França Insubmissa, todos partidos de esquerda. Macron lidera o Ensemble, uma coalizão inicialmente fundada com nome de Ensemble Citoyens, que reúne partidos de tendências liberais, centristas e aqueles a favor da integração francesa na União Europeia. É formado pelo Renascimento, partido de Macron, maior dentro da coalizão, além do Horizonte, Movimento Democrático e União dos Democratas e Independentes.

A França será governada agora por esta coalizão de partidos de ambas as frentes. A Nova Frente Popular obteve 182 cadeiras no parlamento, enquanto o Ensemble atingiu 168, que somados a outros partidos de esquerda e centro deve chegar a 369 deputados de um total de 577. Será um desafio enorme acomodar todos interesses heterogêneos destes grupos na construção de políticas nacionais e no comando doméstico do país. Tudo indica que estaremos diante de um momento delicado que pode levar a impasses capazes de paralisar o avanço e modernização das políticas francesas.

Do outro lado, a Reunião Nacional cresceu de 89 para 143 cadeiras no parlamento, um grupo muito mais homogêneo e que terá facilidade de fazer oposição aos vencedores das eleições legislativas. Isto, em termos políticos, coloca o grupo em vantagem para as próximas eleições presidenciais em 2027, uma vez que não passará pelo desgaste de ser governo e permanecerá na confortável posição de ser a única opção competitiva contra a nova coabitação política entre centro e esquerda no poder.

Em suma, o triunfo deste domingo pode se transformar em uma vitória de Pirro – expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis, uma vez que a chegada de grupos, partidos e parlamentares tão heterogêneos ao poder realmente não serão capazes de produzir mudanças profundas. O resultado asfaltaria o caminho do nacionalismo de direita ao poder nas eleições de 2027, capazes de levar a Reunião Nacional ao Elysée e ao comando absoluto da Assembleia Nacional.

Além disso, os ventos de 2027 continuam a soprar em favor das direitas de corte nacionalista ao redor do mundo e sua consolidação em muitos países pode ajudar os nomes indicados pela Reunião Nacional a vencer as próximas eleições legislativas, bem como levar Marine Le Pen ao posto de Presidente.

Neste domingo, a direita nacionalista francesa saiu derrotada, enquanto a esquerda nacionalista saiu vitoriosa. Entretanto, nada altera o fato de que o populismo nacionalista saiu vencedor em ambos os lados do espectro político, e olhando sob este prisma, sem dúvida, quem saiu derrotada foi a população francesa, tanto no curto, como no perigoso longo prazo, que começa a ser irremediavelmente desenhado.

Neopopulismo Francês

As eleições parlamentares francesas confirmaram os sinais emitidos pelo pleito europeu ocorrido algumas semanas atrás, ou seja, o crescimento da direita nacionalista no país. É uma clara indicação de que a França vem cedendo diante da onda de populismos que se espalha pelo mundo, levando ao poder governos que flertam com instrumentos cada vez mais distantes dos pilares da democracia.

Os resultados do pleito francês precisam ser enxergados com atenção e cautela com o objetivo de entender seu real significado. Para além dos 33% alcançados pelo partido de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, é preciso olhar para o resultado da Nova Frente Popular, uma coligação de esquerda formada pelo Partido Socialista, Partido Comunista da França, França Insubmissa e Europa Ecologia. A frente recebeu 28% dos votos franceses.

A grande estrela desta coalizão é a França Insubmissa, fundada por Jean-Luc Mélenchon, que obteve 22% nas últimas eleições presidenciais, chegando em terceiro lugar. O corte político do partido é um populismo de esquerda, centrado no nacionalismo e naquilo que se convencionou chamar de euroceticismo. Sua popularidade vem crescendo a cada eleição e, por mais que guarde semelhanças programáticas em vários aspectos com o Reagrupamento Nacional, pode se colocar como seu principal antagonista nas próximas eleições presidenciais em 2027.

Estamos diante de uma mudança profunda no sistema político francês que durante décadas oscilou entre a centro-direita e a centro-esquerda, elegendo gaullistas de um lado e socialistas de outro. O cenário de hoje reservou aos gaullistas um vergonhoso papel de coadjuvante, assim como os socialistas, que caminharam como um simples apêndice da coalizão de esquerda. Na medida que o centro se enfraqueceu, os extremos ganharam força e passam a partir de agora a comandar o palco político.

Se observarmos as somas dos votos impulsionados pelo populismo, temos uma clara noção do problema enfrentado pela França. Um total de 61% dos franceses optaram por soluções populistas ou ligadas ao populismo. Isto significa que a agenda anti-imigração, eurocética, nacionalista, protecionista e conservadora social de Le Pen e o nacionalismo eurocético, protecionista e socialista de Mélenchon encontraram um enorme eco na sociedade. Com algumas sutis diferenças, o eleitor optou pela mesma receita com colorações ligeiramente diferentes, mas similares na essência.

Tudo indica que o caminho do populismo até o Élysée está muito bem asfaltado e neste momento se tornou inevitável. Até lá, tudo indica um governo de coabitação entre os vencedores do pleito legislativo e o Presidente Macron. Haverá um Primeiro-Ministro que carrega visões e projetos diferentes do Presidente, algo que será um desafio para o sistema político e terá forte influência na sucessão de 2027.

O mundo vive mais uma onda, impulsionada em muitos aspectos por atores externos com muito pouco apreço à democracia, que visam balançar os pilares de nações do ocidente para surgimento de autocracias simpáticas aos seus regimes. Resta saber se o populismo francês flertará com a irresponsabilidade ou será simplesmente apenas mais uma guinada nacionalista.

Investimentos Transparentes

No último ano, o Brasil perdeu dois pontos no Índice de Percepção da Corrupção e caiu 10 posições, terminando na 104ª colocação entre os 180 países avaliados. Estamos abaixo da média global, da média regional para Américas, da média dos BRICS e ainda mais distante da média dos países do G20 e da OCDE. Isto afeta o Brasil em diversas frentes, entretanto, cria travas para algo essencial, que é a busca de investimentos limpos, não predatórios e de qualidade para impulsionar nossa economia.

Ao ocupar a presidência do G20 neste ano, nosso país está buscando intercâmbios de experiências com outras nações sobre formas efetivas de combater a corrupção, o que é uma ótima notícia, uma vez que o brasileiro trabalha cerca de um mês por ano apenas para pagar a conta dos desvios de dinheiro público, ou seja, 8% de tudo que é arrecadado em impostos no país. Nesta semana, o G20 discute estes mecanismos na esperança de que seus membros possam internalizar boas práticas.

Apesar do Brasil não ser exemplo no combate à corrupção, especialmente depois do desmonte da Operação Lava Jato, percebemos que existem iniciativas interessantes que, se bem aplicadas e com desdobramentos efetivos no judiciário, podem ajudar o país no combate ao crime. A mais nova iniciativa é o uso da inteligência artificial como instrumento efetivo que pode apontar desvios já em seu nascedouro. A Controladoria-Geral da União já trilha este caminho por intermédio de uma ferramenta chamada Alice.

Alice, acrônimo de Analisador de Licitações, Contratos e Editais, é uma ferramenta desenvolvida pela CGU que analisa, de forma automatizada, processos de compras e contratações públicas. Diante de potenciais riscos e inconsistências, dispara alertas para que seja possível atuar de forma preventiva e tempestiva em processos licitatórios. Esta é uma das inovações que o governo brasileiro leva esta semana na preparatória do G20.

Sabemos que combater a corrupção reduz desigualdades, fortalece instituições e a democracia, além de tornar o país mais atraente para investidores internacionais. Não há notícia de nação que tenha conseguido atrair capitais de qualidade no mercado externo sem possuir instrumentos eficazes contra a corrupção e o capital predatório. Atualmente, segundo a Transparência Internacional, a capacidade do Brasil combater a corrupção se mantém em um equilíbrio frágil, “um modelo que sempre pode ser desconstruído em poucos anos”, como vimos com a Operação Lava Jato.

O resultado está exposto em nossos números. O IDP (investimento direto no país) foi de US$ 3 bilhões no mês passado –queda de 30,6% em relação ao mesmo mês de 2023. O saldo do investimento direto no país ficou abaixo do esperado pelo mercado financeiro, um resultado que demonstra o quanto ainda precisamos melhorar.

Fato é que nossa economia depende diretamente da capacidade do país responder de forma firme contra a corrupção. Investimentos limpos e de qualidade somente chegarão depois de introduzirmos mecanismos de avaliação e verificação, como forma de evitar que capitais sujos usem nossa economia como lavanderia, além de regras claras e penas severas aos corruptos. Se o Brasil deseja sair desta espiral de atraso é fundamental que o combate à corrupção e o respeito às leis se tornem regra e deixem de ser apenas uma utopia ilusória. Nossa presidência no G20 pode se tornar um importante passo nesta direção.

Em Defesa da Ucrânia

Em oposição direta ao mundo livre, o Brasil preferiu não assinar a declaração final da Cúpula de Paz realizada na Suíça com objetivo de mobilizar a comunidade internacional pelo fim da invasão da Ucrânia. Assim, nosso país coleciona mais um equívoco na lista de erros cometidos pela nossa política externa, especialmente em um momento que os países democráticos deveriam se unir em prol do respeito às regras internacionais e a estabilidade das relações entre as nações.

O comunicado final do encontro “reafirma a integridade territorial” de Kiev e apela à troca completa de prisioneiros de guerra, bem como o regresso das crianças deportadas da Rússia. Os pontos são claros, justificados e objetivos. Isso explica a razão de 84 países terem firmado o documento, incluindo neste rol a Comissão Europeia, Conselho da Europa e o Parlamento Europeu. O resultado deixou muito claro uma cisão entre as nações democráticas e aquelas que flertam com o autoritarismo e suas derivações.

O Brasil perdeu uma grande oportunidade de reorientar sua bússola moral na esfera externa. Nosso país rejeitou o convite suíço pelo fato de a cúpula não ter a participação da Rússia, a nação agressora que invadiu de forma ilegal a Ucrânia. Ao adotar tal postura, indiretamente, o Brasil adota a narrativa russa, perfilando-se ao lado dos interesses do Kremlin, em claro confronto com a ampla maioria da comunidade internacional. 

Além do Brasil, que participou do evento como observador, Cuba, Nicarágua, Venezuela, El Salvador, Haiti, Indonésia, Índia, África do Sul, Honduras, Bolívia, México e Arábia Saudita não assinaram a declaração final. Todos são ditaduras, governos autoritários ou simplesmente autocráticos e países parasitados por regimes populistas. Certamente não causa qualquer surpresa que nossos colegas de BRICS estejam nesta lista.

A divisão entre signatários do documento e aqueles que preferiram ficar de fora expõe o atual estado de coisas, ou seja, o conflito entre países democráticos e aqueles que flertam ou vivem em nações autocráticas e autoritárias. Há um claro alinhamento de diversos países sob a liderança de Rússia e China de um lado, enquanto de outro nações democráticas, sejam de direita ou esquerda, estão perfiladas aos valores defendidos e liderados pelos Estados Unidos e União Europeia.

Existem movimentos coordenados claros entre estes eixos de liderança e infelizmente tudo leva a crer que o Brasil, além de deixar de pensar em si, segue uma política clara de subserviência a um dos lados. Desde o governo passado, mediante um apoio indireto ao governo russo, passando pelo atual, em alinhamento silencioso, tudo indica que para além da direita ou esquerda, nosso país trilha um caminho pouco virtuoso, longe do convívio sadio com outras democracias.

A defesa da integridade territorial da Ucrânia é peça fundamental do tabuleiro de poder internacional, pois sua queda pode resultar no desmonte da sustentação do concerto europeu com o avanço russo de forma inequívoca para o continente. Cabe a todas as democracias unirem-se neste esforço para que a estabilidade global permaneça intacta sem qualquer movimento em suas placas tectônicas. Ao desequilibrar este conceito, a ingenuidade e a malandragem de certas nações podem colocar o mundo em uma situação cada vez mais delicada.

Sinais da Direita

O resultado das eleições europeias surge como sinal dos tempos e indica claramente um movimento que vem ganhando força e tração, com potencial para mudar o mapa político do continente no curto prazo. A guinada para a direita é um caminho eleitoral sólido e consistente que deve se estender para os governos nacionais e mudar políticas em temas sensíveis que vão desde a imigração até o sistema de proteção social.

O mais recente recado das urnas europeias tem menor relevância objetiva, uma vez que os eurodeputados têm poderes limitados pelos temas comuns tratados em conjunto pela União. A importância subjetiva do resultado, entretanto, é aquilo que mais afeta a política, algo que começou a tomar força pela renúncia do governo da Bélgica e pela dissolução da Assembleia Nacional da França. Um jogo que agora começará a tomar forma de maneira mais definida.

Existe uma consolidação da centro-direita liberal em termos europeus, porém, também da ascensão de uma direita populista antiliberal em termos nacionais – o ponto mais importante desta guinada. Explico. O bloco comum de centro-direita, chamado de Partido Popular Europeu, é o maior grupamento parlamentar desde 1999. Seguirá nesta posição, agora no comando de 196 assentos. Porém, a mudança que mais importa está sendo gestada mais abaixo.

Estamos falando de um grupo que passará a ter 58 assentos, chamado de Identidade e Democracia, que inclui a Rassemblement National, da França (de Marine Le Pen). Este grupo ganhou quatro assentos nesta eleição e recentemente expulsou o Alternative für Deutschland, que ficou em segundo lugar nesta eleição na Alemanha com 15 vagas no parlamento europeu. Isto significa que se os alemães não tivessem sido expulsos, o Identidade e Democracia teria ganhado 19 assentos, o que significaria o maior crescimento em todos os grupamentos europeus, alcançando 73 deputados e se tornando a quarta força do parlamento. Aqui nosso ponto de inflexão.

Os partidos que fazem ou fizeram parte do Identidade e Democracia tiveram votações retumbantes para o parlamento europeu, o que significa que em breve deverão estar comandando governos de caráter nacionalista, populista, protecionistas e eurocéticos identificados com as versões de direita mais radicais. Isso explica que o bloco pode ainda possuir menor relevância no quadro comunitário europeu, porém, em breve pode estar no comando de vários países ditando sua política e influindo nos destinos do continente.

Atualmente a centro-direita liberal dita os rumos comunitários da Europa, entretanto, o populismo pode avançar pelas entranhas nacionais penetrando no coração do concerto de estabilidade desenhado pelo pós-guerra, colocando em risco sua aliança Atlântica, os valores do Ocidente, aproximando o bloco dos interesses russos. Atualmente esta é a maior preocupação política da região.

Os sinais de uma onda no meio político se espalham com ímpeto e velocidade. Estamos diante de uma tendência, um rumo que vem se cristalizando. A política é uma ciência que mostra constante movimento e seu pêndulo vem tomando aos poucos o rumo de uma direita de corte populista e nacionalista, aquilo que se torna um grande risco para a União Europeia e a estabilidade internacional.

Lições de Pequim

O giro de Geraldo Alckmin pelo Oriente tem como objetivo estreitar o relacionamento com os chineses e sauditas com foco em buscar investimentos estrangeiros para o país.  Ele faz um movimento correto, algo sabidamente necessário para nossa economia, carente de recursos e refém de um déficit de poupança interna que torna praticamente mandatória a busca por investimentos internacionais.

Atualmente 65% de nossas exportações concentraram-se em apenas cinco parceiros comerciais: China, União Europeia, Estados Unidos, Mercosul e Japão. Se considerarmos apenas a China, o percentual é de 29%, tornando o país oriental o principal parceiro comercial do Brasil. Uma realidade que gera ganhos no curto prazo e preocupações no longo, uma vez que a excessiva dependência exportadora para somente um país gera incerteza e insegurança dentro da economia.

Ao contrário do Brasil, a China cerca sua economia de cuidados, diversificando parceiros, sem criar dependência de qualquer nação, algo que protege Pequim de solavancos e crises. Nenhum país possui uma fatia maior do que 9% nas importações chinesas e no tocante ao percentual exportado, o principal parceiro são os americanos, com cerca de 16%, seguidos por Japão e Coreia do Sul com pouco menos de 5%. Uma forma hábil de evitar dependências excessivas, blindando a economia por meio da diversificação.

Para além disso, a China controla também o fluxo de investimento estrangeiro por meio da avaliação criteriosa da origem e objetivos dos recursos que aportam no país. Pequim é uma das nações que possui um sistema de avaliação dos investimentos externos, um mecanismo que se tornou um importante instrumento de defesa contra aquisições de caráter predatório e entrada de capitais sem origem comprovada.

Para além dos investimentos chineses no Brasil, deveríamos nos atentar também sobre os modelos adotados por Pequim para blindar sua economia, instrumentos e atitudes que poderiam ser implementados pelo nosso país. Não há dúvidas que um sistema forte, blindado e confiável tornaria o Brasil ainda mais atrativo para chegada de investimentos de qualidade, evitando a entrada de recursos de origem duvidosa que podem, ao fim e ao cabo, enfraquecer nossa economia e afetar a soberania em setores estratégicos.

A diversificação é outra lição que devemos aprender com os chineses. Evitar qualquer tipo de dependência comercial é um caminho virtuoso que devemos buscar. Para isso devemos diversificar nossa economia e buscar acordos e novos parceiros comerciais que nos deixem menos vulneráveis nas cadeias globais de comércio. Desta forma, qualquer tipo de instabilidade internacional teria menor potencial de atingir nossas exportações. É um caminho inteligente tomado pela China, mas também pelos Estados Unidos, Japão e União Europeia. É provável que além de investimentos, Alckmin retorne do Oriente com impressões e leituras atentas sobre o modelo de verificação na atração de recursos e a necessidade de diversificação para um modelo econômico sadio. Temos muito a aprender com Pequim neste tema. O potencial do Brasil é imenso, porém devemos estar atentos para evitar que nossos ativos em comunicação, dados, energia e transportes se tornem bens vulneráveis em um mundo onde recursos predatórios e capitais sujos circulam em busca de porto seguro.

Verificação Necessária

Existe uma máxima em nossa economia há tempos, uma premissa que faz enorme sentido em nações que possuem forte déficit de poupança interna: o Brasil precisa de investimento externo para alavancar sua economia. Ao mesmo tempo que existe esta necessidade, qualquer país precisa de cautela ao receber o investimento estrangeiro. Esta realidade levou a adoção daquilo que se convencionou chamar de Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) em várias legislações ao redor do mundo.

O Brasil é uma daquelas nações que ainda não possui em sua legislação qualquer um dos diversos mecanismos de avaliação de investimento estrangeiro, uma falha que precisa rapidamente ser sanada. Nosso país iniciou esta discussão mediante um estudo chamado “Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) em Diversos Países: Recomendações para o Brasil”, iniciado em 2020 pelo IPEA, que mapeou quinze modelos de diferentes países para análise descritiva de suas estruturas organizacionais.

A partir de suas experiências, o que se observou foram tendências convergentes quanto aos motivos de controle e avaliação do investimento externo, ancorados no conceito de segurança nacional e suas derivações, como no caso português, que estabelece o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir segurança país em serviços fundamentais. O governo pode opor-se a qualquer transação da qual resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controle de terceiros à União Europeia sobre ativos estratégicos nos setores de energia, transportes e comunicações.

Além de Portugal, não são poucas as nações que adotam este mecanismo de verificação. Os exemplos mais conhecidos são África do Sul, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, México, Reino Unido, Rússia e União Europeia, que adota o instrumento em legislação comunitária, criando uma camada dupla de avaliação, uma vez que países membros também adotam o sistema internamente, como Alemanha, Espanha e o caso de Portugal, aqui já mencionado.

O objetivo principal dos instrumentos de avaliação está longe de afastar o investimento estrangeiro. Pelo contrário, o mecanismo serve para que os países que o adotem sejam destino de investimentos de qualidade, com capitais de origem lícita, evitando que recursos sujos, oriundos de corrupção e outros crimes transnacionais sejam lavados na economia, ao mesmo tempo que protege a infraestrutura de recursos predatórios, que podem afetar as soberanias nacionais.

A OCDE vem acompanhando a implementação destes mecanismos, especialmente porque são adotados por seus membros, países desenvolvidos e em desenvolvimento, grandes exportadores e importadores de capital externo. Se no início o foco destas legislações era controlar o investimento nos setores militar e de defesa, hoje o foco se ampliou para o setor de energia, transporte, telecomunicações, abastecimento de água, recursos minerais e especialmente acesso de investidores estrangeiros a dados confidenciais de cidadãos nacionais.

Diante das novas tecnologias e dos investimentos predatórios que circulam pelo mundo, já é momento de nosso Congresso Nacional se debruçar sobre este tema, observar as experiências externas e introduzir em nossa legislação mecanismos que deixem o Brasil menos vulnerável e nossa economia e cidadãos mais protegidos.

Teocracia Política

A morte de Ebrahim Raisi está muito além de ser apenas a perda do Presidente do Irã. Raisi, além de presidir a teocracia iraniana, era o principal candidato a sucessor de Líder Supremo do país, posição ocupada por Ali Khamenei desde 1989. Tudo se torna ainda mais turvo diante do jogo de intrigas na alta cúpula do país porque o outro nome cotado para a sucessão de Khamenei é justamente seu filho, Mojtaba Khamenei.

O Irã é uma teocracia islâmica republicana, longe de ser uma monarquia, aquilo que poderíamos inferir diante da possível escolha de um descendente direto para a sucessão de Líder Supremo. Diante do falecimento de Ebrahim Raisi, o jogo da sucessão toma um novo contorno, uma vez que a presidência do país pode servir de plataforma para um clérigo ser alçado a Líder Supremo. Foi o caso do atual, Ali Khamenei, Presidente quando do falecimento do primeiro Líder Supremo do país, Ruhollah Khomeini em 1989.

Porém, para Mojtaba Khamenei suceder Ali Khamenei, é preciso passar pela Assembleia de Peritos, composto por 88 clérigos eleitos. Eleger o filho do Líder Supremo, entretanto, pode ser um problema, uma vez que a Revolução Islâmica se orgulha de ter derrubado uma monarquia e o Irã aprecia seu modelo republicano, que possui pilares definidos em sua ordem institucional teocrática e uma escolha como esta pode ensejar riscos que seus líderes talvez não estejam dispostos a correr.

A estabilidade do sistema caberá especialmente ao Conselho de Guardiões, composto por seis clérigos especialistas em jurisprudência islâmica escolhidos diretamente pelo Aiatolá e seis juristas nomeados pelo chefe do Poder Judiciário. Cabe ao Conselho vetar candidatos nas eleições para Parlamento, Presidência e Assembleia de Peritos, ou seja, passará pelas suas mãos aquele que irá suceder Ebrahim Raisi, assim como os nomes que devem eleger o sucessor do atual Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei.

Esta dinâmica mostra o delicado momento político atravessado pelo país com a perda de seu Presidente, que servia de ponto de equilíbrio para eleição do Líder Supremo, ao mesmo tempo que mantinha controle do aparato estatal e estabilidade política ao redor do establishment. A saída de cena abrupta de Ebrahim Raisi embaralha o jogo e mexe com as placas tectônicas do regime.

Além disso, o país passa por incertezas econômicas, inflação, a população sofre com a falta de água, mudanças climáticas, violações de direitos, amplamente conhecidas mundo afora, sendo a mais recente a morte da jovem Mahsa Amini enquanto estava sob custódia da polícia, presa por não usar um hijab corretamente. Sua perda ilustrou a brutalidade do regime em relação às mulheres e minorias. Ela era curda, membro de um dos grupos étnicos minoritários mais oprimidos do Irã.

Esta é a pressão sob a qual está colocado o país neste momento e a ausência de Raisi no cenário gera uma brutal disputa interna que passa pelo Conselho de Guardiões, mas deságua na Assembleia de Peritos e naqueles que decidirão quem será o novo Líder Supremo do país. Algo que dificilmente envolverá a oposição moderada, abrindo espaço para uma batalha na frente mais conservadora, mas que tem potencial de gerar choques políticos internos que ganhem as ruas em protestos. O tabuleiro está aberto e o jogo sendo estudado, especialmente diante da certeza que o caminho tomado pelo país pode influenciar decisivamente nos rumos do Oriente Médio.