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Márcio Coimbra

Sobre Márcio Coimbra

Márcio Coimbra é Presidente do Instituto Monitor da Democracia. Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica e Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.

Centrismo Municipal

Costumo dizer que eleições municipais tratam do cotidiano das pessoas e muito pouco sobre vertentes políticas ou lideranças nacionais. O pleito que se avizinha parece ser mais um episódio desta história, com pequenas exceções em algumas poucas capitais que insistem em apostar na polarização. Entretanto, eleições municipais são o que são, ou seja, uma oportunidade de discutir os problemas reais que fazem parte da vida do cidadão, desde o saneamento básico, passando pelo transporte, limpeza das ruas, conservação viária, iluminação pública entre muitos outros desafios.

Isso explica a razão de partidos centristas serem os maiores vitoriosos nesta dinâmica. O MDB é líder nesta tradição e sempre carregou o maior contingente de prefeituras. Para este nicho específico agora se encaminha o PSD de Gilberto Kassab, que se credencia como o grande partido centrista do Brasil, assim como foi por décadas o MDB, classificados na literatura política estrangeira como “catch all parties”, ou seja, agremiações que aceitam políticos das mais diferentes orientações e vertentes.

Isso é um fenômeno explicado pela ausência de ideologias claras na dinâmica municipal. Por tratarem de questões do cotidiano, a ligação política com a polarização nacional é diluída, sobressaindo-se nomes de bom diálogo e articulação, conhecedores dos temas locais e da demanda direta da população. Isso explica em larga medida porque grandes políticos nacionais geralmente não conseguem se transformar em decisivos cabos eleitorais em pleitos municipais.

MDB e PSD hoje lideram em número de prefeituras. O primeiro elegeu 799 prefeitos em 2020, enquanto o segundo chegou ao poder em 660 cidades. O movimento de fortalecimento destes partidos, entretanto, foi acentuado pelo contingente de prefeitos que migraram para estas agremiações nos últimos quatro anos. O PSD cresceu e atingiu a marca de 968 prefeituras, ultrapassando o MDB, que mesmo crescendo, caiu para o segundo lugar com 838. Os dois são os maiores expoentes do poder municipal brasileiro.

De olho neste movimento, Valdemar Costa Neto, mandachuva do PL, partido que neste momento abriga o bolsonarismo, não perdeu a chance de manter um pilar cravado no centrismo, como forma de ampliar a quantidade de prefeituras dominadas pela sigla. O PL, que detém o maior fundo partidário e eleitoral, quer também controlar o maior número de executivos municipais possíveis.

A esquerda, por sua vez, fez um movimento inverso que levou suas agremiações a um claro processo de desidratação, com chances de eleger prefeitos somente em quatro capitais e o partido de Lula com chances reais de não se eleger em nenhuma delas. Em 2016, a esquerda venceu em duas já no primeiro turno e foi para o segundo turno em outras nove. Em 2020, chegaram ao segundo turno em nove e venceram em apenas cinco. Como vemos, 2024 tem tudo para ser ainda pior. No PT, o desmonte é ainda mais preocupante. O partido controla menos prefeituras que PDT e PSB.

O pleito deste ano deve fazer com que PSD e MDB sigam na liderança, elegendo grande número de prefeitos, seguidos do PL, PP e inclusive União Brasil e Republicanos. Um centrismo municipal de resultados que espera pavimentar apoios municipais decisivos para eleger bancadas numerosas no Congresso Nacional em 2026, garantindo fatias generosas dos fundos que alimentam seus partidos e que podem, quem sabe, entregar também o Planalto.

Ciclo Esgotado

O giro da comitiva brasileira em Nova York deixou uma mensagem muito clara para a comunidade internacional: nossa esquerda está fora de contexto na atualidade global. Na mesma medida que o mundo assiste ao nascimento de esquerdas modernas e engajadas em princípios, ainda subsistem governos abraçados a um viés ultrapassado e maniqueísta, onde alianças e crenças do passado representam mais do que a moral que se espera de líderes democráticos.

O Brasil tem a obrigação, na qualidade de maior país da América Latina, a agir dentro de princípios que transcendem alianças, laços políticos ou amizade pessoal. O foco deve ser sempre a preservação da democracia e do respeito humanitário, há tempos esquecido nos porões dos regimes amigos. Algo que se aplica diretamente a Maduro, Díaz Canel e aos crimes cometidos por Ortega, inaceitáveis para qualquer governo democrático. Denunciar o embargo ao regime ditatorial cubano sem lembrar de seus crimes e silenciar sobre aquilo que acontece na Venezuela e Nicarágua é praticar uma diplomacia humanitária à la carte, algo que expõe o viés ultrapassado da liderança brasileira.

Se o Brasil pleiteia possuir relevância internacional, é inaceitável, por exemplo, se omitir diante de temas de relevância global, como os crimes cometidos contra a Ucrânia, hoje epicentro de um dos teatros de guerra mais brutais do planeta. O presidente Zelensky, que enfrenta a invasão russa há dois anos, estava presente na Assembleia Geral das Nações Unidas e assistiu o Brasil mais uma vez silenciar sobre o drama vivido por sua população. Uma atitude inaceitável para um país que deseja possuir uma posição de protagonismo nos organismos internacionais.

A agenda brasileira também soa fora de tempo e contexto. O foco de nossa diplomacia, por exemplo, ainda passa pela ilusória reforma do sistema de governança das Nações Unidas, em especial o Conselho de Segurança, algo já vetado pelos principais sócios do Brasil no clube dos BRICS, Rússia e China. Uma agenda que Lula encampou em 2003 e segue sendo repetida à exaustão 21 anos depois, mesmo com a clara certeza que não prosperará.

Nosso país deveria focar em fóruns e instrumentos onde guarda relevância e pode tornar-se referência. A agenda ambiental é um destes temas. Porém, ao mesmo tempo que o Presidente defende uma diminuição da dependência de combustíveis fósseis e celebra a matriz energética limpa de nosso país, defende também a exploração de petróleo na foz do Amazonas, distanciando o discurso da prática de seu governo. Um movimento que causa confusão nos agentes internacionais, na mesma medida que arranha a imagem de nosso país como liderança ambiental relevante nos fóruns globais.

Existem no mundo esquerdas que se modernizaram e abraçaram princípios ao invés de velhas ideias ultrapassadas. O Brasil ainda não realizou uma troca geracional dentro dos quadros da esquerda e nada indica que o caminho de renovação traga a modernidade e virtude necessárias para o início de um novo período. Vivemos ainda com uma esquerda nacionalista, ultrapassada e sindicalista, inteiramente dissociada dos desafios do mundo atual. É um final amargo de ciclo. O atraso advindo deste cenário não deveria nos surpreender e o menor risco de prosperidade sequer nos iludir.

Retrato Eleitoral Americano

Desde a desistência de Biden, podemos dizer que existe disputa na eleição presidencial norte-americana. Se nos dias anteriores, diante da primeira tentativa de assassinato de Donald Trump, o pleito estava nas mãos do republicano, com a troca de candidato no campo democrata, a disputa se reequilibrou e permanece indefinida. Para entender este desenho, é importante compreender como funciona a dinâmica do sistema eleitoral.

Os Estados Unidos são uma república formada por entes federados que decidiram se unir e o peso de cada um em uma eleição presidencial é decidido pelo total da população de cada estado. Quanto mais populoso, mais delegados. Desta forma, a Califórnia, que possui 39 milhões de habitantes, possui 54. Nova York, com 19 milhões, 28, enquanto o Montana, com 1,1 milhões, elege apenas 4 e a Virgínia, com 8,6 milhões de habitantes, 13 delegados.

Na soma de todos os estados são eleitos 538 delegados e aquele que alcançar a maioria, ou seja, 270, vence. O sistema pode parecer confuso, mas funciona de forma muito simples. Vale lembrar uma regra muito importante: estamos diante de eleições estaduais, ou seja, quem vencer em cada estado, leva todos os delegados. Isto significa que se um candidato vencer, mesmo que por margem muito estreita, leva todos os delegados. Como toda regra possui uma exceção, dois estados optaram por dividir seus delegados proporcionalmente aos votos, são eles Nebraska, com 4 votos e Maine, com 2 votos. Em todos os demais, o vencedor no estado leva todos os delegados.

Tradicionalmente, republicanos e democratas possuem bastiões intocados, ou seja, estados que votam tradicionalmente com cada partido e certamente irão entregar-lhes a vitória. Os democratas vencem sempre na Califórnia (54), Washington (11), Havaí (4), Massachusetts (11), New Jersey (14), Minnesota (10), entre outros. Os republicanos vencem tradicionalmente no Texas (40), Kentucky (8), Utah (6), Florida (30), Missouri (10) e Iowa (6), entre outros. Isto significa que a eleição é decidida por estados que por vezes votam com os democratas e por outras vezes votam com os republicanos, os chamados swing states, chamados no Brasil de “estados-pêndulo”.

O foco das campanhas de Kamala Harris e Donald Trump está neste contingente de estados que definirão os rumos da eleição, a saber: Arizona (11), Nevada (6), Georgia (16), Carolina do Norte (16) e especialmente as três joias da coroa: Michigan (15), Wisconsin (10) e a cobiçada Pensilvânia (19). Em 2016, Trump venceu a eleição nacional após ganhar por estreita margem no Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Uma soma de 46 delegados que assegurou sua vitória por 306 votos. Em 2020, a perda destes três estados foi crucial para sua derrota, quando atingiu apenas 232 delegados.

Portanto, para entender o quadro eleitoral é crucial desligar-se das pesquisas nacionais e focar nas sondagens destes estados, pois a eleição será definida neste pequeno universo de eleitores. As projeções variam sensivelmente e hoje mostram Kamala vencendo no Michigan por 0,7% e Wisconsin por 1,2%. Trump vence na Pensilvânia por 0,2%. Nos demais, ela está na frente em Nevada por 1,2% e ele lidera na Georgia por 0,2%, Carolina do Norte por 0,4% e Arizona por 1,3%. Como vemos, Kamala reposicionou os democratas no tabuleiro. Um jogo que voltou aos patamares tradicionais e será definido no detalhe pela inclinação dos “estados-pêndulo”. A conferir.

Arte da Estratégia

Sun Tzu foi um general, estrategista e filósofo oriental, mais conhecido por seu tratado “A Arte da Guerra”, que representa uma filosofia para gerir conflitos e vencer batalhas. É aceita como obra-prima em estratégia frequentemente citada e referida por teóricos e generais. Traduzida e distribuída por todo o mundo, influenciou diversos movimentos e nações, porém foi em Taiwan que encontrou múltiplas aplicações de longo prazo que merecem análise mais detalhada.

Taiwan emergiu, em poucas décadas, de uma economia agrária, para atingir os mais avançados patamares tecnológicos conhecidos. Hoje, o país é conhecido como “escudo de silício”, diante de sua seminal posição geopolítica estratégica na economia mundial. Ao contrário dos escudos reais, como aqueles utilizados por Israel, a terminologia se refere à importância da ilha na fabricação de chips semicondutores, que usam o silício como matéria-prima. Preservar este ativo, essencial para a nova economia, se tornou uma prioridade para diversas nações que dependem diretamente de suas aplicações.

A estratégia está na essência do desenvolvimento do país, como em qualquer grande nação, porém, mais do que em qualquer outro local, vemos a influência direta das lições de Sun Tzu. Taiwan entendeu primeiramente que o título de propriedade sobre terras poderia ser um ativo valioso para a economia. Assim, realizou uma reforma agrária profunda ainda na década de 1950. O incentivo de possuir terras próprias levou os novos proprietários a investirem em sistemas de irrigação, equipamentos mecanizados e fertilizantes. Uma década depois, o valor da produção agrícola duplicou, tornando a ilha importante exportador de arroz, açúcar, bananas e chá. Na sequência vieram a industrialização, investimento estrangeiro e as zonas de processamento de exportação.

O próximo ponto a ser atacado foi a educação, direcionada para os rumos tomados pela economia, com foco especial em áreas científicas e técnicas com o objetivo de promover o desenvolvimento agrário e industrial. Isso deu origem a novas gerações de cientistas e engenheiros que ajudaram em um salto industrial e tecnológico, permitindo ao país subir na cadeia de valor da indústria transformadora global. Atualmente são 146 universidades e 97% da população possui formação superior.

Assim, a tecnologia passou a assumir cada vez mais importância na economia. O surgimento, na década de 1970, do Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial funcionou como uma incubadora que atraiu cientistas e engenheiros talentosos para o país, levando à criação do Hsinchu Science Park, o Vale do Silício taiwanês. Uma atmosfera que produziu a maior fabricante de chips do mundo: a TSMC.

A democracia surgiu como um pilar natural de uma nação desenvolvida e com alto grau de educação. O país vive sem qualquer abalo institucional, com um sistema de liberdades, garantias e direitos que se tornou um exemplo para a Ásia.

Assim como preconizou Sun Tzu, “as oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas”. O caminho percorrido por Taiwan é o melhor exemplo desta máxima. O país agarrou todas as oportunidades que estavam diante de si, ensinando que para vencer qualquer guerra, antes é preciso dominar a arte da estratégia. Não há dúvida de que o “escudo de silício” da Ásia aplicou com sabedoria estes ensinamentos.

Coração da Ásia

Na Ásia, do alto do Taipei 101, a paisagem respira economia. Não somente nos andares que suportam o arranha-céu, onde estão instaladas empresas, um enorme shopping center e uma avalanche de turistas que visitam o prédio todos os dias. Do alto do 92º andar é possível enxergar a dimensão de uma renda média per capita de US$ 35 mil, o equivalente a mais de três vezes a média mundial. Um país que sete décadas atrás vivia sob uma base agrária, se transformou em potência tecnológica de ponta.

Taiwan fica localizada na ilha de Formosa (assim batizada pelos portugueses em 1542), ao sul do Japão e ao norte das Filipinas. O governo existente no país é sucessor oficial daquele estabelecido com o fim da dinastia Qing, última da história imperial chinesa. O modelo democrático de nação, chamado oficialmente desde sua fundação como República da China, elegeu neste ano Lai Ching-te, também conhecido como Wiliam Lai, como seu Presidente para um mandato de quatro anos.

De qualquer forma, o que mais impressiona quando analisamos a República da China, ou seja, Taiwan, é a sua capacidade em produzir desenvolvimento econômico aliado a um modelo de liberdades pleno. É o país mais democrático de toda Ásia e aquele com a maior liberdade de imprensa no continente, com a segunda melhor qualidade de vida do mundo. Com 146 universidades em um território um pouco menor que o estado do Rio de Janeiro, possui a melhor educação dentre todos os países do planeta.

O resultado está expresso em números. Nos últimos 30 anos, o PIB per capita em dólares cresceu 220% (4% ao ano), comparado a 2,5% ao ano da Europa. Em valores absolutos, a produtividade é quase três vezes maior que da China continental e aproxima-se de patamares europeus. Destaca-se no ranking de competitividade do World Economic Forum, no índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, no ranking de investimentos do Business Environment Risk Intelligence e do Banco Mundial, além de ser um dos ambientes empresariais mais seguros do mundo, segundo a The Economist.

Além de tudo, estamos falando do principal e mais importante produtor de microchips do mundo, componente essencial da economia digital que vivemos. Atualmente 66% da produção mundial está em Taiwan, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC. O impacto no mercado de capitais é avassalador: A proporção de tech na bolsa é de quase 60%, batendo com facilidade o Brasil, com apenas 1%, Europa, com tímidos 7%, e até os EUA com 37%. Isto é o resultado de educação, inovação e tecnologia. A tecnologia taiwanesa está presente em nossos smartphones, televisores, videogames e computadores, o que significa que todos carregamos um pouco de Taiwan todos os dias.

A manutenção da soberania da ilha, constantemente ameaçada pelo governo de Pequim em tempos recentes, é essencial para a estabilidade econômica internacional. Além do mais, o país asiático segue sendo o farol de uma sociedade virtuosa, aberta e moderna para Ásia, cada vez mais necessária e essencial em momentos delicados como este vivemos, com a ascensão de inúmeras autocracias ao redor do mundo.

Do alto do Taipei 101, a paisagem mostra uma economia pujante, porém somente capaz de existir de forma plena impulsionada pela liberdade, democracia e prosperidade que sopram no coração da Ásia.

Efeito Streisand-Marçal

Mike Masnick cunhou o termo “efeito Streisand” ao se referir a um incidente em 2003 no qual a atriz Barbra Streisand processou o fotógrafo Kenneth Adelman e o website pictopia.com em 50 milhões de dólares. Ela desejava que uma foto aérea de sua mansão fosse removida da coleção de 12.000 fotos da costa da Califórnia disponíveis no site, alegando preocupações com sua privacidade. Como resultado do caso, a foto se tornou viral na Internet, com mais de 420 mil acessos à época.

Na última semana, Tábata Amaral, candidata à prefeitura de São Paulo solicitou, por meio de seu partido, a suspensão dos perfis de Pablo Marçal nas redes sociais, seu adversário na disputa municipal. Ela acusa Marçal de abuso de poder econômico pelo suposto pagamento de apoiadores para editar e difundir cortes de vídeos. A justiça eleitoral acatou o pedido e os perfis foram derrubados.

Vamos aos números. Pablo Marçal é o candidato que tem mais seguidores nas redes sociais. São quase 20 milhões, somando as quatro contas atingidas pela decisão. Para ser exato, estamos falando de 19.535 milhões de seguidores. Instagram: 13 milhões, YouTube: 3,59 milhões, TikTok: 2,6 milhões e X (ex-Twitter): 345 mil. Ao suspender suas contas, a ideia era que seu engajamento sofresse limitações, porém, tudo indica que o caminho trilhado foi o inverso.

Ao recriar os perfis, em apenas 36 horas já contava com 2,6 milhões de seguidores somente no Instagram, rompendo a barreira dos 3 milhões pouco tempo depois. Se considerarmos apenas o perfil recriado, ele já se reposiciona acima de todos os seus adversários no pleito municipal, a saber: Boulos: 2,3 mi, Tabata: 1,5 mi, Nunes: 973 mil e Datena: 961 mil. Antes da suspensão, seu perfil original perdia apenas para o de Bolsonaro, com 25,7 milhões de seguidores.

A suspensão ocorreu na mesma semana em que ele disparou nas pesquisas de intenção de voto, posicionando-se em situação de empate técnico na liderança em mais de uma sondagem, ou seja, algo que mostra um crescimento consistente. No Datafolha surgiu em 2º com 21%. Na Atlas Intel, em 3º com 16,3%. Na Paraná Pesquisas também em 3º, com 17,9% e na mais recente, realizada pelo Instituto Veritá, depois da suspensão dos perfis, disparou para 30,9%, assumindo a liderança da disputa.

A derrubada dos perfis de Marçal nos remete claramente ao efeito Streisand. Por óbvio o candidato já possuía uma plataforma robusta, entretanto, a tentativa de limitar sua influência por meio das redes obteve efeito inverso, impulsionando sua candidatura a uma exposição viral, gerando engajamento espontâneo e consolidando sua narrativa antissistema. Um movimento que se encaixa de maneira perfeita em sua estratégia eleitoral.

Desde 2013 o eleitor vive um período de transição, que neste momento passa pela antipolítica com pitadas de populismo. Marçal é um fenômeno da internet e sabe como poucos navegar as regras internas de funcionamento das redes sociais. Mais do que admiradores, ele possui seguidores reais. Ao criar uma limitação para sua atuação, vimos um resultado bumerangue, que desidratou seus adversários e impulsionou sua candidatura, uma espécie de “efeito Streisand” aplicado ao mundo político, algo que no futuro, dependendo do impacto no resultado da eleição, poderá começar a ser chamado também de “efeito Streisand-Marçal”.

Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado.

Freios e Contrapesos

Não se enganem, o embate entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (com Planalto na retaguarda) pelo domínio do orçamento é uma batalha pelo controle político do país. Estão em jogo os mecanismos do presidencialismo de coalizão e inclusive uma mudança mais profunda, sobre a introdução formal do semipresidencialismo no país. Aquele que conseguir vencer este conflito terá em suas mãos os instrumentos de poder para controlar a agenda de qualquer governo.

Na última década, o Congresso Nacional avançou de forma consistente no controle do orçamento federal, primeiramente sob o comando de Eduardo Cunha, com a aprovação das emendas impositivas, em um primeiro movimento que fortaleceu muito os parlamentares. Aos poucos, outros capítulos foram adicionados nesta história, como orçamento secreto, as chamadas RP9, e as emendas PIX.

O resultado deste acúmulo de poder nas mãos do Congresso Nacional abriu caminho para a manutenção do mandato dos parlamentares, com uma das mais baixas taxas de renovação na política, na mesma medida que os tornou independentes do Planalto. Um caminho iniciado por Cunha e concluído por Arthur Lira, que ocupou o espaço aberto pelos vazios de poder gentilmente fornecidos por Bolsonaro durante seu mandato.

As novas regras transformaram a Presidência da República em terreno desconhecido para Lula, mudando a dinâmica de governança do país. O Planalto agora estava sem o poder da liberação de emendas em troca de apoio, instrumento essencial para o exercício de poder dentro do presidencialismo de coalizão. Sem estes mecanismos, o palácio havia se tornado mero instrumento decorativo da arquitetura de Niemeyer na capital.

Entretanto, a chegada de Flávio Dino ao STF começou a reposicionar o jogo político. O novo Ministro determinou regras rígidas para execução e distribuição de recursos do orçamento, como transparência para emendas de relator e limitação de remessa de emendas PIX. Em ato contínuo, resolveu pela suspensão das emendas parlamentares até que o parlamento formule regras que forneçam transparência e rastreabilidade. Com a decisão, Dino recolocou o Planalto de volta no jogo e provocou a ira dos cardeais legislativos.

A reação do Congresso foi imediata. A Comissão Mista de Orçamento rejeitou Medida Provisória que distribuía R$ 1,3 bilhão ao Judiciário e Lira desengavetou projeto que limita decisões monocráticas do STF. Além disso, nos corredores da Câmara, o tema do semipresidencialismo voltou à tona. Tudo isso, enquanto Alexandre de Moraes resiste aos vazamentos de seu gabinete no caso batizado na capital de “Vaza Toga”.

Esta dinâmica descortina a real luta pelo poder em Brasília, ao mesmo tempo que alimenta o jogo de traições na sucessão do comando das Casas do Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados. Com a decisão de Dino, Lula entra com muito mais poder na batalha pela sucessão de Lira, buscando evitar que o alagoano escolha o vencedor e siga dando as cartas na República. Uma batalha que envolve freios e contrapesos entre os poderes e pode desenhar um novo equilíbrio de forças na República. A conferir.

Correção de Rota (da Seda)

Gigantes empresariais da América, Europa e Japão dominaram o comércio global em tempos recentes, porém há sinais de que esta realidade vem mudando. Empresas chinesas avançam com voracidade em direção ao Sul global e isto tem mexido com o antigo equilíbrio das cadeias externas. Estas novas indústrias, que vão desde vestuário a automóveis, estão se expandindo com velocidade surpreendente causando enorme impacto nas economias do mundo em desenvolvimento.

Para os consumidores isto promete uma bonança de bens e serviços que mudará vidas. Entretanto, para o Ocidente, trata-se de uma lição desconfortável tanto na frente econômica como política. As multinacionais ocidentais, que há muito tempo são os principais agentes do comércio e investimento transfronteiriços, estão cedendo terreno nos mercados mais populosos e de crescimento mais rápido do mundo para Pequim.

Isto significa que à medida que o Ocidente se voltou para dentro, a China e o resto do mundo emergente aproximaram-se, especialmente usando o financiamento da Nova Rota da Seda. Algo que se tornou um risco, porém, uma forma de suprir uma clara necessidade dos países em desenvolvimento, que carecem de recursos para realizar investimentos. Apesar dos perigos inerentes, existe a oportunidade de enriquecer os próprios consumidores, criar empregos e promover inovação e concorrência. Porém, para atingir este objetivo é necessário oscilar de forma inteligente entre protecionismo e passividade.

Os resultados da Nova Rota da Seda estão longe de ser uma unanimidade na esfera internacional, com a transformação de algumas nações em meras marionetes dos interesses de Pequim nos fóruns internacionais e celeiros de corrupção. A sabedoria talvez esteja na habilidade de receber recursos de forma inteligente sem criar laços que tornem o país vulnerável ou subserviente, focado em resultados e orientado pela diversificação de investidores em diferentes setores. Na verdade, o mecanismo precisa de correções, uma espécie de ajuste de rota (da seda).

Esta correção de rumo pode surgir no Brasil, o que seria um ganho enorme para os dois lados, tanto em Brasília como em Pequim. Explico. Diversos países vêm adotando políticas de avaliação de investimento, preservando setores da economia do risco de monopólios privados, promovendo mecanismos de concorrência para áreas estratégicas, aquilo que ao fim e ao cabo produz desenvolvimento e inovação aliado a preservação da soberania política e econômica. Uma forma de receber investimentos necessários de forma saudável e eficaz.     

A China pode muito bem concordar com isso. Ao longo dos anos, as multinacionais americanas e japonesas perceberam os benefícios de uma relação sadia e próxima de seus mercados. Desta forma, as empresas chinesas poderão enxergar os benefícios de estabelecer raízes mais profundas no mundo emergente, exercendo inclusive uma influência política de forma inteligente, longe dos erros cometidos na África e na Ásia, que deixaram um rastro de ressentimento e insatisfação. Uma correção de rota, que pode começar a ser desenhada em parceria com o Brasil.

Marionete de Caracas

Enganam-se aqueles que acreditam estarmos diante de um governo ditatorial clássico liderado por Maduro na Venezuela. Geralmente ditadores são dotados de poderes despóticos e irrestritos, assim como ocorre na Rússia de Putin, na Cuba de Miguel Díaz-Canel ou na China de Xi Jinping e na Coréia de Norte de Kim Jong-un. Na Venezuela tudo é um pouco diferente. Maduro é o Presidente de um país autoritário, porém não reside nele a concentração total de poder que se imagina de um ditador.

O modelo bolivariano implantado pelo antecessor Hugo Chávez está calcado em uma grande casta que sustenta o regime, basicamente formada por militares que controlam todos os setores importantes ou estratégicos do país. Maduro é seu fantoche e uma espécie de para-raios de um regime militar que usa sua imagem como líder nacional. Maduro não é elemento essencial para continuidade do chavismo, porém se tornou uma peça importante ao aceitar o papel de preposto do sistema executando de maneira fiel a cartilha bolivariana.

Isto significa que o país na verdade é governado por uma casta militar com um rosto civil, onde se destacam nomes como os Generais Padrino López, Néstor Reverol, Efraín Velasco e Diosdado Cabello, entre outros, todos servis e leais ao chavismo que os enriqueceu ao longo de décadas no poder. Chávez entendeu que para sobreviver, especialmente depois da tentativa de deposição sofrida em 2002, teria de incorporar os militares em funções políticas e sociais rentáveis. Assim, as principais estatais foram para as mãos dos militares, como, por exemplo, a PDVSA e a linha que separava militares e políticos foi cortada com autorização para que fardados assumissem cargos eletivos. Formas de cooptação que sedimentaram o apoio da caserna.

Ao mesmo tempo, o sistema de promoções na esfera militar cresceu na medida que a parceria com Cuba se intensificou. Hoje a Venezuela conta com 2,5 mil generais, dentro de um contingente entre 95 mil a 150 mil oficiais. Os cubanos se infiltraram e montaram um serviço robusto de vigilância dentro dos quartéis que sustenta a lealdade dos militares. Hugo Chávez e Fidel Castro fizeram um acordo para monitorar chavistas e não chavistas e detectar possíveis pontos de dissidência. Em troca, o petróleo que jorra dos poços venezuelanos alimentaria o regime cubano.

Ao mesmo tempo, o governo chavista fez alianças militares com Moscou e econômicas com Pequim. Com a Rússia existe uma aliança sedimentada, que tornou a Venezuela a principal porta de entrada para seu armamento na América Latina, aproveitando o país também para fazer girar a máquina de desinformação russa no continente. Com a China, Caracas optou pela dependência tradicional e os chineses compraram grande parte da dívida do país, que reside hoje nas mãos de Xi Jinping.

Isto significa que uma mudança de regime na Venezuela é um movimento bastante difícil, beirando o improvável. Estamos falando de um regime respaldado por ditaduras e assentado em uma estável casta militar corrupta que detém o controle da força e monitorada de forma sistemática pelo modelo de inteligência cubano. Tudo isso, financiado pelo petróleo. Entretanto, se a pressão internacional se tornar insuperável, nada impede que o regime rife a figura de Maduro, substituindo-o por outra marionete, mediante uma operação de maquiagem política com vistas a sobrevivência do sistema. Como vemos, as raízes do problema são muito mais profundas do que imaginamos.

A Venezuela continuará a viver dias difíceis enquanto esta intrincada teia não se desfizer.

Madurocracia

A eleição na Venezuela se tornou um capítulo do mais importante conflito vivido pelo mundo em tempos recentes: a batalha entre democracias e autocracias. A flagrante fraude cometida por Nicolás Maduro, preparada em detalhes, desde a impugnação de nomes da oposição, passando pelo fechamento das fronteiras e o impedimento de acesso de observadores internacionais, foi reconhecida como legítima pelas nações autocráticas, parceiros do modelo repressor implementado pelo governo de Caracas.

Com o resultado, a Venezuela se fecha ainda mais, afastando-se de nações livres e cada vez mais alinhando-se aos regimes mais duros e brutais do planeta. Afasta-se ainda mais das democracias tornando-se um regime parasitado por um ditador que realiza eleições de fachada com o simples objetivo de chancelar sua manutenção no poder, uma espécie de madurocracia, método similar ao adotado por Vladimir Putin na Rússia.

O inicial silêncio do governo brasileiro foi constrangedor, que mais uma vez optou por um chamado “distanciamento responsável”, como fazia habitualmente na Guerra Fria ao lado dos países não-alinhados, liderados por Tito, ditador da antiga Iugoslávia. Uma posição que, entretanto, tem um preço e uma linha muito tênue, que se for mal calculada, pode ser facilmente confundida com uma espécie de covardia diplomática. Neste caso, infelizmente ficava claro que o silêncio guardava apenas uma chancela velada ao regime antidemocrático madurista.

As atas divulgadas pela oposição, comprovadas pelos venezuelanos, mostram resultado completamente diferente daquele informado pelo Conselho Nacional Eleitoral. Com acesso a 73,5% das atas, o sistema mostra que Edmundo González levou 6,2 milhões de votos e Maduro obteve 2,7 milhões. Diante disso, diversas manifestações estão sendo convocadas. Pelo visto estamos diante de uma fraude de proporções vergonhosas.

Infelizmente uma insurgência da população é um tema delicado, uma vez que as forças repressivas do Estado estão ao lado de Maduro. Há cerca de 2.500 generais na Venezuela (mais do que em todos os países da Otan somados) e as Forças Armadas estão cooptadas. O êxodo também contribui. Mais de 8 milhões de venezuelanos já deixaram o país. Reagir para derrubar o governo é praticamente impossível para os civis. Maduro jamais entregará o poder de maneira pacífica e numa eleição limpa.

A presença de um narcoestado autoritário com alianças sedimentadas e profundas com outros regimes autocráticos e totalitários ao redor do mundo gera instabilidade na região e torna-se um enorme perigo para a América Latina. Delitos transnacionais, tráfico de drogas e corrupção desenfreada encobertas pelo manto da exploração e exportação do petróleo encaminham a Venezuela para a categoria de Estado falido, tomada pelo crime organizado e incapaz de gerir sua própria existência. Isto significa que a responsabilidade em buscar uma solução para o país está além de suas fronteiras, se tornando um problema internacional.

O Brasil, como maior país da América Latina, tem a responsabilidade de exercer seu papel de liderança, denunciando a fraude, exigindo o restabelecimento democrático sob pena de ser contaminado pela narcoautocracia que se estabeleceu em nossa fronteira. Chancelar a eleição de Maduro envergonha nosso povo, enfraquece nosso país e mancha nossa democracia.