Arquivo da tag: Combate à corrupção

O Fim da Lei da Ficha Limpa

Em algum momento é capaz que a pergunta do título tenha sido feita por alguém, vai saber. A história de acabar com a Lei da Ficha Limpa é a prova definitiva de que, enquanto houver otário, malandro não morre de fome. Os políticos há anos fazem da população de bem um joguete para avançar seus próprios interesses e, dessa vez, o plano é enterrar a única ferramenta popular que realmente atrapalha a farra das emendas e a perpetuação da corrupção nos municípios brasileiros.

Desde que a Ficha Limpa entrou em vigor, políticos de todas as ideologias tentam derrubá-la. Sempre há uma desculpa conveniente: uma hora porque o Lula pode ser afetado, outra porque o Bolsonaro pode ser prejudicado. O que eles não dizem é que, ao lado desses dois nomes conhecidos, estão milhares de prefeitos, vereadores e deputados estaduais e federais com condenações que impedem suas reeleições. Tirar essa barreira significa liberar a volta dessa turma e garantir que a engrenagem da corrupção continue funcionando sem freios.

A matemática da corrupção é simples. O político eleito garante emendas para seu reduto eleitoral, direciona dinheiro para onde bem entende e, muitas vezes, esse dinheiro desaparece. Quando são pegos, perdem o direito de se candidatar de novo. Com a Ficha Limpa fora do caminho, podem voltar tranquilamente ao poder e continuar o ciclo. Isso tem nome: golpe contra o eleitor.

O cidadão comum, que acompanha política nas horas vagas, acaba caindo no engodo porque os políticos exploram sua falta de tempo e de informações. O projeto de combate à corrupção eleitoral começou em 1996, quando eu já trabalhava como repórter. Foram 14 anos de luta até a aprovação da Ficha Limpa em 2010. Desde então, não houve um só ano em que políticos não tentassem derrubar essa barreira. O motivo é óbvio: ela é um empecilho real para o esquema de corrupção em prefeituras e câmaras municipais do país inteiro.

O mais preocupante é que, desde 2013, com as manifestações de junho, o brasileiro gosta de dizer que está mais politizado. Mas há um dado que contraria essa ideia. Pouca gente sabe que, no Brasil, existem apenas quatro leis de iniciativa popular, aquelas que não vêm de políticos, mas sim do povo. São elas: a Lei da Ficha Limpa, a que criminaliza a compra de votos, a Lei Daniela Perez (que endureceu penas para assassinatos qualificados) e a que criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.

Repare no ritmo: uma foi aprovada em 1994, outra em 1999, a terceira em 2005 e a última em 2010. Se seguíssemos essa lógica, teríamos uma nova em 2015 e outra em 2020. Mas, ao contrário disso, o que temos visto é um movimento inverso: em vez de a população se mobilizar para criar novas leis, ela tem se desmobilizado e caído no papo de políticos que querem revogar as leis conquistadas pelo próprio povo.

A indignação contra o Judiciário é legítima, mas ser contra abusos do TSE não significa que a solução seja colocar a raposa dentro do galinheiro. Revogar a Ficha Limpa não tem nada a ver com reequilibrar os Poderes. O objetivo é só um: garantir que políticos condenados possam continuar no poder. E estão manipulando você para que aceite isso.

O alerta aqui é simples. Você não é obrigado a acompanhar política todo dia. Mas eu sou, porque esse é o meu trabalho. E estou te dizendo: os políticos estão te enganando. Enganar alguém é fácil. Difícil é fazer essa pessoa admitir que foi enganada. Mas ainda dá tempo de enxergar o jogo. Pense: desde quando a solução para o Brasil é confiar mais em políticos? Se vamos brigar, que seja contra os políticos, e não por eles.

Investimentos Transparentes

No último ano, o Brasil perdeu dois pontos no Índice de Percepção da Corrupção e caiu 10 posições, terminando na 104ª colocação entre os 180 países avaliados. Estamos abaixo da média global, da média regional para Américas, da média dos BRICS e ainda mais distante da média dos países do G20 e da OCDE. Isto afeta o Brasil em diversas frentes, entretanto, cria travas para algo essencial, que é a busca de investimentos limpos, não predatórios e de qualidade para impulsionar nossa economia.

Ao ocupar a presidência do G20 neste ano, nosso país está buscando intercâmbios de experiências com outras nações sobre formas efetivas de combater a corrupção, o que é uma ótima notícia, uma vez que o brasileiro trabalha cerca de um mês por ano apenas para pagar a conta dos desvios de dinheiro público, ou seja, 8% de tudo que é arrecadado em impostos no país. Nesta semana, o G20 discute estes mecanismos na esperança de que seus membros possam internalizar boas práticas.

Apesar do Brasil não ser exemplo no combate à corrupção, especialmente depois do desmonte da Operação Lava Jato, percebemos que existem iniciativas interessantes que, se bem aplicadas e com desdobramentos efetivos no judiciário, podem ajudar o país no combate ao crime. A mais nova iniciativa é o uso da inteligência artificial como instrumento efetivo que pode apontar desvios já em seu nascedouro. A Controladoria-Geral da União já trilha este caminho por intermédio de uma ferramenta chamada Alice.

Alice, acrônimo de Analisador de Licitações, Contratos e Editais, é uma ferramenta desenvolvida pela CGU que analisa, de forma automatizada, processos de compras e contratações públicas. Diante de potenciais riscos e inconsistências, dispara alertas para que seja possível atuar de forma preventiva e tempestiva em processos licitatórios. Esta é uma das inovações que o governo brasileiro leva esta semana na preparatória do G20.

Sabemos que combater a corrupção reduz desigualdades, fortalece instituições e a democracia, além de tornar o país mais atraente para investidores internacionais. Não há notícia de nação que tenha conseguido atrair capitais de qualidade no mercado externo sem possuir instrumentos eficazes contra a corrupção e o capital predatório. Atualmente, segundo a Transparência Internacional, a capacidade do Brasil combater a corrupção se mantém em um equilíbrio frágil, “um modelo que sempre pode ser desconstruído em poucos anos”, como vimos com a Operação Lava Jato.

O resultado está exposto em nossos números. O IDP (investimento direto no país) foi de US$ 3 bilhões no mês passado –queda de 30,6% em relação ao mesmo mês de 2023. O saldo do investimento direto no país ficou abaixo do esperado pelo mercado financeiro, um resultado que demonstra o quanto ainda precisamos melhorar.

Fato é que nossa economia depende diretamente da capacidade do país responder de forma firme contra a corrupção. Investimentos limpos e de qualidade somente chegarão depois de introduzirmos mecanismos de avaliação e verificação, como forma de evitar que capitais sujos usem nossa economia como lavanderia, além de regras claras e penas severas aos corruptos. Se o Brasil deseja sair desta espiral de atraso é fundamental que o combate à corrupção e o respeito às leis se tornem regra e deixem de ser apenas uma utopia ilusória. Nossa presidência no G20 pode se tornar um importante passo nesta direção.