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Madeleine Lacsko

Sobre Madeleine Lacsko

Jornalista há 26 anos, especializada em Cidadania Digital, colunista do UOL e está à frente do projeto Cidadania Digital na Gazeta do Povo. Atuou como Consultora Internacional do Unicef Angola na campanha que erradicou a pólio no país, diretora de comunicação da Change.org para a América Latina, assessora no Supremo Tribunal Federal e do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. Trabalhou na Jovem Pan e Antagonista.

Sem Biden, democratas conseguirão derrotar Trump?

O Partido Democrata dos Estados Unidos enfrenta um de seus maiores desafios históricos com a saída de Joe Biden da corrida presidencial. Era inevitável, considerando as crescentes preocupações sobre a saúde mental do presidente, algo amplamente discutido até mesmo entre democratas e antigos membros de sua campanha.

Nos EUA, a saúde de quem ocupa cargos públicos é uma questão séria, diferentemente do Brasil, onde figuras doentes já foram eleitas sem grande polêmica. Biden demonstrou publicamente sinais de desgaste, gerando questionamentos contínuos sobre sua capacidade de governar por mais quatro anos. Sua decisão de não concorrer novamente preserva seu legado e contrasta com a postura comum de políticos populistas, que se veem como os únicos representantes legítimos do povo.

A carta de Biden, anunciando sua retirada, é um exemplo de política madura e responsável, colocando o partido acima de suas ambições pessoais. A provável candidata democrata agora é Kamala Harris, embora a decisão final dependa da convenção nacional do partido, que reúne cerca de quatro mil delegados. Nomes influentes, como Nancy Pelosi, já endossaram Harris, indicando uma forte tendência a seu favor, apesar de seu desempenho modesto nas primárias anteriores.

A situação coloca os democratas em um dilema. Trocar Biden por outro candidato pode ser visto como fraqueza, enquanto mantê-lo seria arriscado devido às suas questões de saúde. A principal questão é: os democratas conseguirão encontrar alguém capaz de derrotar Donald Trump?

Vale lembrar que, no sistema eleitoral dos EUA, a vitória depende dos votos por estado, e não do total nacional. Trump venceu Hillary Clinton em 2016, apesar de ter menos votos totais, devido à sua vantagem em estados conservadores. A tendência é que essa dinâmica se repita, com Trump levando a melhor nos estados menores e mais conservadores.

Kamala Harris representa um progressismo elitista que podeser problemático com os eleitores norte-americanos, diferentemente de Biden, que não está nessa ala ideológica. Esta eleição será um teste significativo para os democratas.

O mais importante, no entanto, é que transcorra com serenidade. É preciso que a democracia dos EUA se mostre forte apesar da polarização. O resultado terá implicações globais, especialmente considerando a ascensão de potências como China, Irã e Rússia. A democracia mundial observará atentamente, ciente de que qualquer retrocesso nos Estados Unidos pode ter consequências internacionais profundas.

O que esperar de Trump após o atentado?

O recente atentado contra Donald Trump pode mudar radicalmente o cenário político dos Estados Unidos. Trump, sempre hábil em dominar a mídia desde os anos setenta, agora tem a seu favor uma imagem que transcende o grotesco e o agressivo, passando para o patamar de herói improvável.

As imagens de Trump ensanguentado, recebendo um tiro e sendo protegido pelo serviço secreto, culminando no momento em que ele se levanta e ergue o punho, são poderosas e definidoras. Esse episódio fortalece sua imagem de resiliência e força, características muito valorizadas pelos norte-americanos.

O contraste entre Trump e Joe Biden não poderia ser mais marcante. Enquanto Biden luta para demonstrar sua saúde mental, frequentemente aparecendo de maneira que gera desconforto até entre seus apoiadores, Trump surge como a figura de resistência e capacidade de superação.

O Partido Democrata enfrenta agora um dilema: manter Biden, que parece cada vez mais frágil, ou substituí-lo por outro candidato que não tenha a mesma força política. Ambos os cenários apresentam riscos significativos para os democratas, que já estavam em uma posição delicada antes do atentado.

A reação da imprensa ao atentado também tem um papel crucial. Notícias falsas, como a de que Trump teria caído do palanque, apenas reforçam sua posição como herói. Para os norte-americanos, a capacidade de superar obstáculos e demonstrar força em momentos de crise é um valor fundamental, semelhante ao apreço que os brasileiros têm por figuras malandras e espertas.

Historicamente, presidentes dos Estados Unidos que sobreviveram a atentados ganharam um aumento significativo de apoio e prestígio, como foi o caso de Ronald Reagan. Para os eleitores americanos, a resiliência e a capacidade de superação são valores intrínsecos ao ideal de liderança.

O atentado contra Trump pode ser decisivo para as próximas eleições. Ele emerge desse episódio não apenas como uma figura política mais forte, mas também como um símbolo de resistência e heroísmo, o que pode consolidar ainda mais sua base de apoio e influenciar o cenário político dos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo.

Qual é, afinal, o lado de Lula na invasão da Ucrânia?

Falta clareza no posicionamento internacional do presidente Lula, e o país merece essa clareza. Lula frequentemente afirma que seu único lado na guerra da Ucrânia é a paz, mas suas ações e discursos indicam outra coisa. Ele repete os mesmos argumentos dos aliados de Vladimir Putin, sem nunca responsabilizar diretamente o líder russo pelas atrocidades cometidas, principalmente contra civis.

Lula evita se posicionar contra Putin, nunca chama a invasão de invasão, e trata a guerra como se houvesse dois lados igualmente válidos, ignorando que um lado está invadindo um território sem justificativa. A tradição diplomática do Brasil sempre foi de neutralidade, sendo reconhecido como um país que pode comandar forças de paz. Agora, Lula parece desviar dessa trajetória, sem admitir claramente suas intenções.

O Brasil historicamente não se posiciona de um lado ou de outro em conflitos internacionais, mantendo uma postura de neutralidade. No entanto, Lula não está sendo transparente se pretende mudar essa postura.

No caso da Ucrânia, Lula se posiciona de forma semelhante aos aliados de Putin, ignorando sanções do Tribunal Penal Internacional contra o líder russo. Putin foi condenado por genocídio na Ucrânia por subtrair crianças ucranianas de suas famílias para serem criadas por famílias russas – uma forma de genocídio reconhecida internacionalmente. Lula, no entanto, fala sobre apoiar queixas de genocídio contra Israel, mas nunca chama Putin de genocida.

A postura do governo Lula precisa ser mais clara em relação aos planos internacionais para o Brasil. Lula está se aliando a ditaduras como a Rússia, China e Irã, ao mesmo tempo em que faz um discurso progressista internamente. Essa incongruência precisa ser resolvida. O que será feito? O que é dito no discurso é para acalmar progressistas, ou estamos realmente nos alinhando a blocos geopolíticos que não prezam pelos direitos humanos?

O presidente Lula precisa ser claro sobre isso, pois sua ambiguidade está se arrastando tanto que parece proposital. O Brasil merece saber qual é o verdadeiro posicionamento de seu líder na arena internacional.

Congresso avança legalização dos jogos sem enfrentar polêmicas

A legalização dos jogos tem avançado no Congresso sem muita discussão, encoberta inclusive por polêmicas incendiárias como a do aborto. Tende a ser aprovada, principalmente porque há muitos interesses envolvidos. Investidores já se posicionaram, aguardando o combo deste projeto com o outro, que erroneamente foi chamado de privatização das praias.

Os políticos frequentemente apelam para discursos que tocam o coração do eleitor, refletindo suas crenças pessoais, sem necessariamente se preocupar com a realidade dos fatos. A questão dos jogos envolve, por um lado, a liberdade das pessoas de escolherem e, por outro, o potencial destrutivo para famílias e a sociedade. Mas a discussão deveria ir além.

Há quem defenda que a legalização dos cassinos poderia atrair mais turismo e gerar mais dinheiro para o país. No entanto, não há estudos concretos que comprovem essa afirmação. A simples existência de cassinos não garante aumento do turismo, especialmente considerando a distância do Brasil para mercados como Europa e América do Norte, além da barreira da língua e da criminalidade que afasta turistas.

Por outro lado, a legalização poderia facilitar a lavagem de dinheiro do crime organizado, o que poderia piorar a situação da segurança pública e, consequentemente, reduzir ainda mais o turismo. Este é um ponto crítico que não tem sido adequadamente discutido, pois faltam estudos sólidos sobre o impacto da legalização dos jogos no combate à criminalidade.

Outro ponto que precisa ser abordado é a questão dos jogos online. O projeto de legalização dos jogos começou a tramitar em 1991, quando isso nem era uma questão. Com a internet, o jogo não está mais restrito a cassinos físicos. Grandes casas de apostas podem ser acessadas de qualquer lugar do mundo, e proibições locais podem ser facilmente contornadas com o uso de VPNs. Muitos países têm regulamentado essa área, mas o projeto de legalização no Brasil parece ignorar completamente essa realidade.

A legalização dos jogos é uma questão importante que tem sido tratada de forma superficial e moralista desde 1946. A proibição foi puramente por questão moral. Precisamos de um debate sério, fundamentado em dados e estudos, para entender os reais impactos econômicos e sociais dessa decisão. Infelizmente, parece que a prioridade continua sendo a retórica política para agradar eleitores, em vez de enfrentar os fatos e planejar um futuro melhor para o país.

Será que o PT realmente defende terroristas?

A recente controvérsia envolvendo um deputado do PT e um terrorista do Hamas que tentou entrar no Brasil levanta questões cruciais sobre o posicionamento do partido em relação ao terrorismo e ao antissemitismo. É essencial que o PT e o presidente Lula sejam claros em suas intenções e posicionamentos.

A posição pró-Palestina do PT é clara, mas vem acompanhada de um apoio a regimes e práticas que contrariam valores democráticos e direitos humanos básicos. O PT tem se mostrado permissivo com o antissemitismo, com falas do presidente que chegam a ser ultrajantes. Ao mesmo tempo, o partido se coloca contra a única democracia do Oriente Médio, Israel, e se alinha com teocracias e políticas homofóbicas e misóginas.

Este caso do final de semana expõe ainda mais essa problemática. Um terrorista do Hamas, um dos seis porta-vozes em inglês do grupo, tentou entrar no Brasil com a intenção de fixar residência. A Polícia Federal, apesar de ser um órgão de Estado sob o governo Lula, agiu prontamente para impedir sua entrada, acionando o Ministério Público e a Justiça para repatriar o terrorista e sua família para Kuala Lumpur, na Malásia.

No entanto, o deputado petista João Daniel fez um ofício pedindo para que o terrorista ficasse no Brasil e nenhuma retificação depois que a repatriação por terrorismo foi executada.É alarmante. Esse incidente mostra um apoio explícito a um indivíduo ligado a um grupo terrorista reconhecido mundialmente. A postura antissemita e a proximidade com o Irã, que financia grupos terroristas como o Hezbollah e o Hamas, são extremamente preocupantes.

A vereadora Cris Monteiro, de São Paulo, fez um alerta sobre o uso das instalações da Câmara para oficializar o Núcleo Palestina do PT.

Ela interpreta que, na prática, pró-Palestina é o eufemismo usado para descrever apoio ao antissemitismo. Esse movimento precisa ser claramente entendido e discutido pela sociedade brasileira.

O Brasil está cada vez mais próximo do Irã, que foi convidado para os BRICS. Nosso governo se absteve em uma votação importante na ONU para estender uma investigação de violações de direitos humanos pelo regime dos Aiatolás. O voto do Brasil foi decisivo e interrompeu o que estava sendo feito. Essa proximidade e as ações recentes levantam a questão: será que o Brasil pretende facilitar o terrorismo em seu próprio território?

É crucial que o PT e o presidente Lula se posicionem de forma clara e transparente sobre essas questões, deixando evidente se pretendem ou não apoiar o terrorismo em qualquer forma. A população brasileira merece saber a verdade e entender as reais intenções de seus líderes políticos.

O que esperar do Parlamento Europeu após a vitória da direita

A recente eleição para o Parlamento Europeu, realizada no último final de semana, trouxe resultados que merecem atenção. A centro-direita conquistou 186 assentos das 720 cadeiras disponíveis, enquanto o grupo social-democrata ficou com 133 cadeiras e os liberais garantiram 82 assentos. A extrema-direita também surpreendeu: o grupo de Giorgia Meloni conquistou 60 cadeiras, e o grupo de Marine Le Pen deve chegar a 70 assentos, 8 a mais do que tinha anteriormente.

Essa configuração política no Parlamento Europeu reflete um fenômeno interessante. A centro-direita, os liberais e os sociais-democratas, juntos, formam uma maioria que não depende dos extremos. No entanto, a presença significativa da extrema-direita levanta questões sobre o futuro do parlamento e as possíveis influências nas políticas europeias.

As pessoas na Europa estão ansiosas por respostas a problemas reais que as afligem. A questão da economia, com salários encolhendo em lugares como a Alemanha, e a reforma da previdência na França, que gerou insatisfação generalizada, são exemplos disso. Além disso, as guerras, como a da Ucrânia, afetam a matriz energética da Europa e a dinâmica econômica, aumentando a reticência da população. A guerra em Israel e a ameaça do terrorismo também são fontes de preocupação.

A imigração é outro fator crítico. Ela traz mão de obra mais barata em um momento em que os europeus querem ganhar mais, gerando inevitavelmente confronto. As guerras na África e no Oriente Médio, juntamente com o terrorismo, forçam muitas pessoas a buscar asilo na Europa, aumentando a pressão sobre o continente. Aqueles que buscam asilo político, vítimas de terrorismo ou que estão em busca de uma vida melhor, todos se somam à complexidade da situação.

A esquerda europeia, que antes apresentava soluções concretas para a vida dos cidadãos, hoje parece perdida em batalhas imaginárias. Foco em controle de linguagem, patrulhamento de redes sociais e instrumentalização do vocabulário substituíram ações concretas. Antigamente, a esquerda era contra a publicidade por considerá-la manipuladora. Hoje, reivindica o direito de controlar o casting das propagandas, mostrando como se transformou em um movimento que entrega resultados imaginários.

A grande questão na Europa agora é: essa coalizão de centro-direita, liberais e sociais-democratas conseguirá conter os extremos, ou os extremos vão conquistar corações e mentes, mesmo na Europa, que não é tão polarizada quanto os Estados Unidos e o Brasil? É uma questão para observarmos atentamente.

Novo recorde? Três processos da Lava Jato são extintos num único dia

A percepção de que as ações do Judiciário são políticas enfraquece a instituição e fortalece os políticos. É especialmente preocupante porque uma democracia pode sobreviver a políticos ruins, mas não a um Judiciário desacreditado. A confiança nos juízes é essencial. Os apressadinhos se metem a dizer que ninguém confia no Judiciário há muito tempo. É um erro.

Pense em qualquer caso de difamação que você vê em redes sociais. Quando a coisa desanda, o que o pessoal diz? “Esse merece um processinho”, ou seja, há confiança de que o Judiciário resolve. O mesmo vale para quando alguém te deve e não quer pagar, para violência doméstica, para casos trabalhistas. Fora do mundinho pantanoso dos políticos, o Judiciário é visto como quem vai defender o cidadão e fazer valer a lei.

No entanto, como explicar decisões judiciais inconsistentes em casos políticos? Por que o ministro Fachin vota para extinguir processos contra Renan Calheiros e Romero Jucá, mas vota para manter a pena de José Dirceu? A ministra Cármen Lúcia aliou-se a ele. Do outro lado estavam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Quem seria o fiel da balança para decidir se a pena de Dirceu seria ou não extinta? Um ministro indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques. E foi ele quem liberou o petista.

Casos como o da Odebrecht, onde delações premiadas resultaram na devolução de bilhões de dólares, agora são anulados. E não são casos apenas do Brasil, envolvem diversos países. Casos assim iniciam o falatório de que o Judiciário decide conforme convém, minando a confiança no sistema.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também trouxe no mesmo dia um outro exemplo. O caso das jóias de Bolsonaro virou uma crise nacional, enquanto Lula foi liberado para ficar com as jóias, no caso relógios caríssimos, que recebeu na presidência. Como explicar isso para o cidadão comum?

Por enquanto, o Judiciário tem a sorte de duas coisas. A primeira é que as pessoas, por falso senso de elitismo, atribuem decisões a ministros e não à Corte. Para fingir que sabem do tema, dizem que “o ministro tal decidiu isso”, não que “o STF decidiu isso”. Se a Corte fosse contrária, reformaria a decisão rapidamente, simples assim. Mas o desconhecimento aliado à necessidade de demonstrar intimidade com a matéria pulverizam a responsabilização. A carga de imagem que cairia sobre o STF se divide em onze.

A segunda coisa é que os brasileiros ainda confiam no Judiciário para questões não políticas. O problema surgirá se essa contaminação política se expandir para outras áreas, ligadas à rotina do cidadão comum.

A democracia depende de um Judiciário forte e confiável. O Judiciário precisa agir com transparência e consistência para manter a confiança pública. Se falhar, veremos um aumento da descrença e da busca por soluções alternativas. Que soluções seriam essas? A julgar pela forma como o brasileiro vota, não dá para ser otimista.

Lula lamenta, mas iranianos comemoram a morte do “açougueiro de Teerã”

A morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi foi recebida com comemorações por parte de muitos iranianos. Conhecido como “o açougueiro de Teerã”, Raisi construiu sua carreira em cima de assassinatos de dissidentes políticos. A sua reputação de impiedoso perseguidor de opositores rendeu-lhe um legado de temor e ódio.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, chegou a afirmar que entende por que o povo iraniano celebrou a morte de Raisi. O presidente, apesar de sua importância, não é a autoridade suprema no Irã e não comanda as forças armadas. Essa autoridade é exercida pelo Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo e religioso do país.

Com a aposentadoria iminente de Khamenei, muitos apostavam que Raisi, um representante da linha dura iraniana, seria seu sucessor. Recentemente, o regime tem enfrentado protestos intensos devido ao endurecimento de políticas de violação de direitos humanos. Em 2022, a jovem Mahsa Amini foi assassinada pela polícia de costumes por usar o hijab de forma “inadequada”. Esse incidente desencadeou uma onda de protestos, brutalmente reprimida, resultando em milhares de presos políticos e mais de 500 sentenças de morte.

Apesar dos esforços dos aiatolás desde a revolução na década de 1970, Teerã não se tornou fundamentalista. A resistência persiste, especialmente entre os jovens, que constituem mais de 50% da população e agora têm acesso ao que acontece em outros países. A economia do país anda cada vez pior, e a viabilidade do regime dos aiatolás é cada vez mais questionada.

Por outro lado, o Irã investe em armas nucleares e apoia grupos terroristas como Hamas e Hezbollah, que expandem a ideologia dos aiatolás por meio do medo e da violência. A morte de Raisi levanta questões sobre o futuro do conflito com Israel e a relação com os países ocidentais. Essa é a grande questão não respondida.

O Brasil, no entanto, parece já ter escolhido um lado. Nunca fomos tão próximos do Irã. Diante da ONU, o Brasil se omitiu recentemente para que não se aprofundassem investigações de violações de direitos humanos pelo regime dos aiatolás. O Irã foi convidado para fazer parte dos BRICS. Os laços entre a teocracia e o ditador Nicolás Maduro, parceiro de Lula, são muito estreitos. Resta saber quais serão as consequências práticas dessa proximidade.

Rio Grande do Sul: emergência climática ou evento recorrente?

Na economia da atenção, todo assunto importante precisa ser reduzido a um simplismo binário. Tem sido assim com a causa da tragédia no Rio Grande do Sul.

Não há tempo para ouvir, para compreender explicações complexas. É preciso falar, defender um lado, expor o outro que está mentindo. Há quem defenda que sempre houve enchentes no Rio Grande do Sul, portanto não é uma emergência climática. E há quem coloque a culpa de tudo no desmatamento e no negacionismo do Bolsonaro.

O geofísico e youtubber Sergio Sacani falou do tema dia desses no podcast Inteligência Ltda. Disse que há exagero e alarmismo sim na militância catastrofista. E que também há exagero e ignorância em quem nega o fenômeno do aquecimento global, que é documentado e tem consequências.

No caso específico do Rio Grande do Sul, sempre houve enchentes. A história da cidade é marcada pelas “enchentes de São Miguel”, em setembro. Coisa antiga, da época da ocupação espanhola, explicada por uma quizila de santos. Da intriga com São Pedro viram as enchentes.

Tudo é cíclico no mundo, argumentam os que negam emergências climáticas ou o aquecimento global. Os cientistas sabem disso. Eles descontam o padrão cíclico dos cálculos e medem se há ou não mudanças. E elas existem para além do normal dos ciclos, inclusive no Rio Grande do Sul.

Seria possível que as leis pró-natureza e medidas de prevenção de enchentes evitassem uma tragédia das proporções que vemos agora? Não sabemos. Mas muitos tratam como se fossem favas contadas. Investiu aqui, evitou o desastre climático ali. Não é tão simples.

Entender a natureza sempre foi primordial para o avanço da humanidade. O ser humano não domina a natureza, é parte dela. Por isso nossas sociedades sempre fizeram o máximo para entender os fenômenos naturais, aprender a lidar com eles e usar isso para melhorar as condições humanas.

O que vai acontecer com uma sociedade que se recusa a entender a natureza? Passou a ser mais importante defender posições imutáveis. Não importam os fatos, ou se é do time emergência climática ou do time evento recorrente. Ambos os times são cheios de certezas, hiperbólicos, implacáveis com quem os questiona e seguros de quem são os culpados por tudo.

Nesse contexto, cabe perguntar que tipo de futuro deixaremos para as próximas gerações. E aqui não falo daquele clichê manjado do catastrofismo à la Greta a destruição do mundo amanhã. O tema é outro, a ideia de futuro que desenhamos para os nossos filhos e netos.

Eu cresci com a ideia de um futuro melhor, um futuro glorioso. Meus avós e bisavós, que cruzaram um oceano fugindo de guerras sangrentas, lançaram-se ao nada acreditando que amanhã seria melhor. Minha geração pensava no futuro e imaginava os Jetsons, os carros voando, robôs inteligentes. Pensávamos na cura do câncer, na juventude eterna. O futuro era bom, valia a pena lutar por ele.

Os jovens de agora são apresentados a um futuro pelo qual nem vale a pena lutar. Está condenado. A catástrofe iminente e a impotência do indivíduo diante do mundo são combustíveis do binarismo que domina a economia da atenção.

Há o grupo que alardeia o apocalipse. Não haverá futuro para os nossos filhos. Tem gente até deixando de ter filhos porque não há futuro. O capitalismo torna inviável a natureza. A ganância sempre vence. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Também há o outro grupo, advogando que nada de diferente acontece. Só que as coisas estão diferentes. Então a desculpa é que não podemos acreditar em nada nem em ninguém. Tudo é uma grande conspiração. A Nova Ordem Mundial quer te transformar em um zumbi. Eles são invencíveis. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Conhecer a natureza e seus ciclos é o que nos trouxe até aqui. Isso precisa incluir também conhecer a natureza humana. Não vamos a lugar nenhum nesse frenesi binário de redes sociais, mas a dopamina e a serotonina são tentadoras.

Defesa do Hamas em universidades de elite mostra poder do eixo político autoritário

Nos últimos dias, universidades de elite nos Estados Unidos estão em uma crise causada por manifestações, erroneamente nomeadas em muitos lugares como pró-Palestina. Não são. São pró-Hamas e pedem abertamente o assassinato de mais judeus.

É um caso em que uma minoria barulhenta e violenta clama pelo direito de não respeitar nenhuma regra democrática e consegue obrigar os demais a se curvarem à defesa da barbárie.

Paralisar uma universidade, como ocorreu em Columbia, seria algo justificável por uma questão que move a maioria dos estudantes. Só que não é o caso. O problema tem se repetido em outras universidades de elite, com Yale e Harvard.

Chegamos ao absurdo de ver estudantes impedindo estudantes judeus de entrarem no campus. Há vídeos em que assediam estudantes judeus que tentam voltar aos próprios dormitórios. Felizmente não são a maioria. Tristemente, mesmo sendo minoritários conseguem dominar o cenário da vida real e narrativa exposta na imprensa.

A Universidade de Harvard faz uma pesquisa periódica sobre as preocupações dos estudantes. Diante do caos instaurado, podemos pensar que a maioria deles está preocupada com a Faixa de Gaza. No entanto, é a 15a preocupação em ordem de grandeza. Bem acima dela, em 7o lugar, está a proteção da democracia.

É um cenário distópico. Tem ganhado mais direitos e mais poder os que querem defender uma ditadura teocrática tocada por um sanguinário grupo terrorista. Há protestos com cantos de amor ao Hamas, pedindo que sejam assassinados mais soldados de Israel e que Telaviv seja destruída. Israel é a única democracia do Oriente Médio. No entanto, o grupo majoritário que quer defender a democracia não tem o mesmo espaço dentro das universidades.

Tendemos a medir muitas questões políticas pela adesão que ganham. É uma visão míope. Questões que se tornam majoritárias ao longo da história começam a ser defendidas por grupos minoritários.

A defesa do Hamas é circunstancial. Provavelmente, a maioria que engaja nisso mal saberia apontar a Faixa de Gaza em um mapa. Só que esse pessoal tem voz, está sendo ouvido pela mídia mainstream e é capaz de moldar a cultura.

O contexto também é importante. São eufemismos para os defensores de terroristas e hipérboles para a única democracia do Oriente Médio. Eufemismos para os meus e hipérboles para os seus é uma tática bem manjada, mas ainda funciona.

Em seu estatuto, o Hamas defende o assassinato de todos os judeus pelo mundo e a extinção de Israel. Praticou atos terroristas bárbaros contra civis e fez questão de propagandear com vídeos transmitidos pela internet. Assassinatos, estupros, tortura e decapitações eram celebrados. Agora ainda resiste a devolver as dezenas de civis que mantém reféns.

Para o Hamas, o eufemismo. Estão defendendo o povo palestino, brigam por terras, querem uma solução de dois Estados. O estatuto do grupo diz ser contra qualquer solução nesse sentido, o único objetivo é destruir Israel.

Só que isso vai muito além do Hamas e do presente conflito. Se estende no tempo e no espaço. Este é mais um dos grupos jihadistas financiados e armados pela teocracia do Irã. Se há um lugar em que os direitos humanos e fundamentais andaram para trás, é ali.

Basta pesquisar fotos de Teerã antes e depois da revolução islâmica para entender qual a proposta dos aiatolás. Nem o mundo árabe, que tem conflitos históricos com Israel, apóia as ideias jihadistas da teocracia persa. No último ataque do Irã contra Israel, tanto Arábia Saudita quanto Jordânia ajudaram a interceptar mísseis e drones que cruzaram seu espaço aéreo.

Não foram ataques do Hamas, foram dos outros grupos fomentados pelo Irã, Hezbollah no Líbano e Houthis no Iêmen. Tudo começa quando Israel e Arábia Saudita estão prestes a fechar um acordo histórico e depois que Israel e Emirados Árabes fecharam um.

A batalha vai além do Oriente Médio, é a geopolítica mundial. Pelas redes sociais, China e Rússia fomentam as narrativas do Irã defendendo os jihadistas.

Isso ocorre num contexto de clara rivalização entre dois eixos. De um lado está o mundo livre, as democracias liberais. De outro estão países como Irã, China, Rússia e Coreia do Norte. A guerra é também de narrativas.

Já foi atingido o objetivo de rachar por dentro as democracias liberais. O discurso do eixo autoritário tem sido repetido por grupos minoritários no ocidente, mas com influência no mainstream, capacidade de se fazer ouvir e possibilidade de moldar a cultura.

O jogo de eufemismos contra hipérboles favorece o eixo autoritário. É feito, curiosamente, por grupos que dizem defender a democracia, os direitos humanos e as minorias. Na prática, replicam tudo aquilo que favorece autocracias, eliminação de direitos humanos e esmagamento das minorias.

Estamos diante de uma dissonância cognitiva. O grupo diz defender algo mas age no sentido diferente. Diante disso, o lógico parece ser encarar o resultado das próprias ações e mudar de atitude. Não é, no entanto, o que tende a ocorrer.

Pense em uma seita do fim do mundo. A data do apocalipse é marcada mas o mundo não acaba. O que fazem os membros? O esperado é que culpem o líder e deixem a seita. A experiência mostra o oposto, a seita tende a ser mais fortalecida e seus seguidores investem em buscar desculpas para o erro na previsão.

É assim com os supostos progressistas que defendem grupos de terroristas. Primeiro usavam eufemismos para a barbárie perpetrada pelo Hamas. Agora já pedem abertamente o assassinato de judeus. Qual será o próximo passo?

Não é difícil imaginar, é replicar todas as teses dos jihadistas e minimizar a dignidade humana e os direitos de todos os demais grupos. Ano passado, o Irã chegou a presidir um fórum de direitos humanos na ONU. O escândalo normalizado acaba corrompendo a linguagem, relativizando o que as democracias entendem por defesa de direitos humanos. É uma busca para encaixar nesse conceito o que os aiatolás praticam. Não tem como, portanto a tendência é relaxar o conceito.

Um dos principais desafios das democracias é conter os grupos que, exercendo seus direitos democráticos, pretendem implodir a própria democracia. O sucesso deles começa pela corrupção da linguagem. É assim que transformam o inaceitável em novo normal.

O fenômeno antissemita nas universidades de elite dos Estados Unidos não pode ser subestimado e precisa ser contido. Ele tem o potencial de se estender a outros grupos e minar por dentro a democracia. Comecemos por dar às coisas o nome que elas têm.

Defesa da Palestina não pode ser confundida com defesa do assassinato de judeus. Também precisa ser vista como o que é, a defesa de uma autocracia. Ninguém pode defender uma autocracia e, ao mesmo tempo, desfrutar da fama de democrata ou progressista. É um trabalho árduo, que exige constante vigilância.