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Para Lula não perder a eleição

Em condições normais Lula perderá a eleição de 2026. Não para o bolsonarismo e sim para o antilulismo e para o antipetismo, que são hoje muito mais amplos. Sabendo disso, o lulopetismo está tentando criar condições anormais. Como?

1) Transformando o julgamento de Bolsonaro e comparsas no STF em um julgamento político e numa antecipação da campanha eleitoral, para vender a ideia de que qualquer candidato não petista, que pretenda herdar os votos bolsonaristas, será um golpista (ou fascista) disfarçado. Em resumo, o PT quer disseminar a impressão de que a derrota eleitoral de Lula seria, para efeitos práticos, o equivalente a um golpe.

2) Censurando programas eleitorais das oposições no horário gratuito da TV; no limite, cassando candidaturas ou pré-candidaturas oposicionistas.

3) Usando as mídias profissionais (sobretudo as TVs – o leitor sabe quais) como imprensa chapa-branca ou assessoria de imprensa do governo (atuando informalmente como partidos políticos).

4) Aprovando, via STF, uma regulamentação das mídias sociais que asfixie as oposições, censurando conteúdos antilulistas e antipetistas; no limite tirando do ar algumas dessas mídias durante a campanha eleitoral sob o pretexto de que difundem fake news, desinformação, discurso de ódio ou atentado ao Estado de direito e à democracia.

Claro que, adicionalmente, Lula tentará aprovar todo tipo de benesses eleitoreiras para os pobres e remediados (onde está em franca minoria). Mas isso é do jogo tal como é jogado pelos populismos que parasitam nosso regime político. E não costuma funcionar mais como funcionava.

Eleição sem Bolsonaro?

Ao aceitar a denúncia contra Jair Bolsonaro, o STF sedimenta o entendimento de que a eleição presidencial de 2026 ocorrerá sem a presença do ex-presidente na lista de candidatos. A inelegibilidade já era uma realidade diante da decisão emanada pelo TSE, entretanto, a trilha aberta na semana passada consolida este caminho e afasta praticamente de forma definitiva a candidatura do capitão. 

Bolsonaro, entretanto, possui um ativo valioso na arena política: votos. Algo que se tornou importante não somente pela habilidade de eleger representantes, mas pela capacidade de produzir em profusão um milionário fundo partidário e eleitoral, aquilo que faz a máquina e as campanhas funcionarem. No modelo adotado pelo Brasil pós- Lava Jato, que proibiu as doações empresariais, a quantidade de deputados se tornou a conta mais importante de qualquer partido, pois seu resultado é aquilo que indica qual a fatia do bolo ficará com cada agremiação. 

Neste jogo, o bolsonarismo tornou-se moeda valiosa. Em um primeiro momento, elegeu hordas de deputados na esteira de seu líder em 2018, com inúmeros nomes desconhecidos que passaram a orbitar o cenário político. Em 2022, o fenômeno se repetiu. Aqueles que romperam com Bolsonaro, foram punidos pelo eleitor, já aqueles que optaram pela fidelidade canina, foram agraciados com votações robustas. Bolsonaro, que havia sido responsável direto pela eleição de 52 deputados pelo PSL em 2018, ajudou a eleger 99 no PL em 2022. 

A força do bolsonarismo se tornou um ativo tão potente em termos eleitorais, que muitos deputados tradicionais, já conhecidos do eleitor, abraçaram o ex-Presidente como forma de garantir seus mandatos. Alguns migraram para seu partido, enquanto outras siglas encontraram na aliança com o bolsonarismo uma forma de crescer e criar maior envergadura política. Republicanos, Progressistas e até setores do União Brasil embarcaram neste caminho. 

Tudo isso possui relação com as eleições de 2026. Com Bolsonaro inelegível, o desenho político tornou-se delicado, algo que precisa ser estudado com atenção sob pena de perda de fatias importantes de fundo partidário e eleitoral no próximo ciclo. Mais do que isso, ainda é possível contar com a variável da eventual prisão de Bolsonaro, passível de acontecer diante do julgamento que ocorrerá no STF.

Bolsonaro diz que segue candidato e que manterá seu nome na disputa até o final, ou melhor, até o julgamento de sua candidatura pelo TSE, que em condições normais de temperatura e pressão, seguramente será impugnada, assim como ocorreu com Lula em 2018. Neste cenário, resta saber quem será o seu companheiro de chapa, aquele que irá herdar a candidatura e poderá levar seu movimento adiante. Este será aquele nome responsável por impulsionar as candidaturas proporcionais e eventualmente vencer a disputa pelo Planalto. Muitos consideram que o bolsonarismo pode inclusive se fortalecer ainda mais. A conferir.

Fato é que tudo indica uma eleição sem Bolsonaro na lista de candidatos presidenciais, porém isto está longe de ser uma eleição sem Bolsonaro. Seu nome, dentro ou fora da disputa, irá balizar cada etapa do pleito de 2026.

Imagem gerada por inteligência artificial.

O crime do batom no país dos manés

Aqui, no país dos manés, onde a população sofre padecendo grandes necessidades, emendas parlamentares bilionárias seguem rotineiramente por caminhos desconhecidos indo, em muitos casos, para o bolso de corruptos.

Aqui, no país dos manés, os juízes, que, a começar pela Suprema Corte, deveriam garantir a Constituição e distribuir justiça para todos, tratam de distribuir para eles mesmos benesses e penduricalhos que elevam seus ganhos para muito além do teto constitucional.

Aqui, no país dos manés, os partidos políticos, cuja missão deveria ser mobilizar a sociedade para lutar contra tais abusos, mobilizam-se apenas para garantir para si uma boa fatia dos bilionários fundos partidário e eleitoral.

Aqui, no país dos manés, o crime organizado controla e estabelece suas leis em cidades e regiões inteiras.

É diante desse quadro desolador que a esquerda grita a expressão “Sem Anistia!” como principal bandeira de redenção nacional, preferindo punir e vingar-se de supostos inimigos a ocupar-se das inúmeras mazelas que oprimem o povo.

Instigado e validado pelo clamor dessa militância cega e raivosa, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem exercido um rigor sem precedentes contra a “arraia miúda” que invadiu as sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Muitos foram presos preventivamente e presos continuam; uns tantos já foram condenados a cumprir penas de até 17 anos de prisão.

Corre agora no Supremo o julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que usou batom para escrever a frase “perdeu mané” na estátua A Justiça (que fica em frente ao STF). O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou por uma condenação a 14 anos de prisão.

Muito se tem falado e escrito sobre isto; e é preciso que se continue a falar e escrever para que tais abusos de julgamento não prevaleçam.

É preciso enfrentar o estardalhaço da campanha Sem Anistia e perseverar na cobrança de que os possíveis delitos dos baderneiros do 8 de janeiro sejam julgados de forma individualizada em vez de serem entendidos todos como “tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.”

O delito efetivo de Débora foi riscar uma estátua. Sua única “arma” era um batom. Por tal delito, uma daquelas penas alternativas de prestação de serviço público seria suficiente: um ano ajudando em serviços de limpeza estaria ótimo.

A pena de 14 anos para essa mãe de família, sem antecedentes criminais é um abuso, uma exorbitância, um descalabro jurídico, uma vingança política.

Quem reagiu politicamente a essa pena perversamente desproporcional foi o vigilante senador Alessandro Vieira, que apresentou um Projeto de Lei no sentido de corrigir distorções, não permitindo penas excessivas para quem cometeu atos “menos graves” durante as invasões do 8 de janeiro.

Do lado bolsonarista, porém, o que temos é a instrumentalização contínua do caso em favor do ex-presidente.

Misturam-se alhos com bugalhos como se Jair Bolsonaro e os que tramaram “virar a mesa” com ele estivessem na mesma condição de injustiçados quanto a cabeleireira com batom e outros presos pelo 8 de janeiro.

É preciso diferenciar entre massa de manobra e artífices reais da intentona bolsonarista. Punir devidamente os tubarões e soltar os peixes pequenos que foram arrastados a um ato impensado e irresponsável por quem efetivamente tramava um golpe.

Pena de 14 anos por pichar estátua é algo revoltante e comprova que Alexandre de Moraes tem se comportado mais como algoz do que como juiz.

Bolsonaro, porém, não é vítima. É preciso repudiar as penas excessivas sobre cidadãos comuns sem fazer o jogo vitimista e hipócrita daqueles que os colocaram nessa situação.

Foto: Roque de Sá.

O que eu disse ao relator de Liberdade de Expressão da OEA

Na última quinta-feira, participei de uma audiência fechada com o relator de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Pedro Vaca Villareal, que visitou o Brasil esta semana para produzir um relatório.

Fui ouvida como representante do Instituto Direito de Fala, que fundei para reunir pessoas em defesa da liberdade de expressão após um episódio em que eu fui cerceada. Também participaram representantes de outras organizações como Instituto Brasileiro de Direito e Religião, Instituto Millenium e Instituto Liberal, entre outros.

Cada um de nós teve 5 minutos para sua exposição verbal. Nenhum tema foi proposto ou restrito, todos falamos livremente. Também tivemos a oportunidade de enviar documentos à relatoria para embasar nossos relatos.

Podíamos fazer nossas manifestações em inglês e espanhol normalmente. Quem optasse pelo português precisaria falar pausadamente. Optei pelo inglês. Segue a tradução para o português da minha fala.

Prezado Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca Villareal,

Meu nome é Madeleine Lacsko. Sou jornalista há 28 anos, colunista em O Antagonista, Gazeta do Povo e UOL News, escritora, autora do livro Cancelando o Cancelamento, e fundadora do Instituto Direito de Fala. Já fui assessora da presidência do Supremo Tribunal Federal e da comissão de Direitos  Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo. Fiz parte do time do Unicef que erradicou a pólio em Angola. Dedico minha carreira à defesa da liberdade de expressão e do livre debate, pilares essenciais da democracia.

Fui condenada judicialmente por um suposto ato de “transfobia”, embora este conceito não exista no ordenamento jurídico brasileiro. A decisão foi fundamentada exclusivamente em uma interpretação subjetiva da linguagem, baseada na ideia de que usei uma palavra “indevida” para me referir a um influenciador transgênero.

A expressão “cara” pode ser usada informalmente de forma neutra, mas no contexto específico em que utilizei, tratava-se da forma formal e necessariamente feminina. Ou seja, sequer houve “misgendering”.

A condenação não teve como base a lei brasileira, mas ideologias que dizem buscar justiça social. Isso abre um perigoso precedente para a violação do devido processo legal.

Além disso, o julgamento partiu do pressuposto de que eu teria uma intenção maliciosa ao usar essa palavra, sem que eu sequer tenha sido ouvida pelo Judiciário. Meu último recurso está no Supremo Tribunal Federal.

Além da total ausência de base legal, esse julgamento desconsidera completamente meus direitos como mulher, jornalista e cristã. Como qualquer cidadão em uma democracia, tenho o direito de expressar minha visão sobre a pauta trans e meu conceito de mulher.

Da mesma forma, tenho o direito, como cristã, de professar minha fé, o que inclui a concepção biológica e espiritual do que é ser mulher. No entanto, esses direitos sequer foram levados em conta na decisão, que me trata como se eu não fosse sujeito de liberdade de expressão, de crença e de opinião.

O Instituto Brasileiro de Direito e Religião elaborou um parecer sobre o meu caso porque tem enfrentado desafios semelhantes na área de liberdade religiosa. Há uma tendência crescente de decisões judiciais que ignoram o arcabouço legal, amparando-se em conceitos fluidos que podem ser interpretados de forma arbitrária. Como alerta o parecer do IBDR: “O Judiciário, ao se afastar da legislação objetiva e basear-se em doutrinas ideológicas, coloca em risco não apenas a liberdade de expressão, mas a própria segurança jurídica”.

A tentativa de calar a imprensa não começou agora.

Lembro de um episódio emblemático há 21 anos, quando o presidente Lula tentou expulsar do Brasil o correspondente do New York Times Larry Rohter por não gostar de uma reportagem.

A perseguição vai além da censura direta. No Brasil, é comum que políticos peçam a demissão de jornalistas, promovam campanhas difamatórias e incitem seguidores a hostilizar e ameaçar profissionais da imprensa e suas famílias.

O Poder Judiciário costumava ser o anteparo aos arroubos autoritários dos políticos. Há um ponto de inflexão quando se torna parte dessa engrenagem.

O marco importante é a censura direta à Revista Crusoé, em 2019, pela reportagem O Amigo do Amigo do Meu Pai, acerca de um ministro do STF. Essa decisão marca uma guinada na cultura judicial, consolidando um ambiente onde a censura se tornou ferramenta recorrente. O deputado Marcel Van Hattem já apresentou esse caso à Relatoria, e a própria Crusoé dará seu testemunho.

A censura também se estendeu ao humor. Humoristas como Léo Lins e Danilo Gentili acumulam dezenas de processos judiciais simplesmente por fazerem piadas.

O caso de Léo Lins é especialmente emblemático: ele teve um especial de stand-up banido, suas redes sociais suspensas, foi proibido de deixar o estado de São Paulo e não pode mais fazer piadas com uma lista de temas elaborada pela Justiça. Shows seus foram cancelados mais de 50 vezes porque políticos locais se sentiram ofendidos. Hoje, ele enfrenta cerca de 80 processos, sendo 20 deles criminais.

Há uma tendência crescente e preocupante. Vale ressaltar que a Justiça brasileira tem não apenas o poder de censurar, mas também de aplicar multas de milhares de dólares e bloquear automaticamente contas bancárias dos réus em punições. É um cenário que tem sido muito eficaz no incentivo à autocensura e ao silêncio. Inclusive das vozes dissonantes dentro do próprio judiciário.

Diante desse cenário, fundei o Instituto Direito de Fala. Nosso objetivo é reunir e apoiar aqueles que compreendem que a liberdade de expressão é a base para todas as outras liberdades. Sem ela, não há debate, não há pluralidade, não há avanços sociais.

O que está em jogo não é apenas minha liberdade de expressão, mas o próprio alicerce da democracia brasileira. Quando o Judiciário abandona a imparcialidade para agir como guardião de ideologias específicas, instala-se um regime onde o arbítrio se sobrepõe ao direito, e a intimidação substitui o debate.

Hoje sou eu a condenada por um crime inexistente, mas amanhã qualquer voz dissonante pode ser silenciada da mesma forma. A liberdade não é um privilégio concedido pelo Estado, é um direito inalienável de cada cidadão. Permitir que ela seja corroída pelo medo e pela censura é aceitar a morte da democracia em silêncio.

Muito obrigada

A Estrela Decadente

Parece contraditório, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder pela quinta vez depois de atravessar um longo período de declínio. 

Seu candidato a presidente foi vitorioso na eleição de 2022, não pela força do partido, mas porque o desastre do governo anterior possibilitou a formação de uma ampla frente de oposição.

Certamente, mesmo em declínio, a força político-eleitoral do PT era ainda significativa; e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo desgastado, não encontrava na oposição nenhum nome que com ele ombreasse em popularidade para enfrentar o então presidente Jair Messias Bolsonaro.

O PT e o presidente Lula não souberam, porém – passados já dois anos, metade do mandato –, aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperarem a força, simbolismo e prestígio que tiveram na aurora do partido. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio. 

Todavia, se não é provável, também não é impossível que Lula seja reeleito em 2026; isto porque, se o governo Lula-PT é ruim, a oposição não deixa de ser também uma lástima. 

É tão desoladora a situação que, em lugar de um equilibrado centro-democrático, temos uma coisa chamada “centrão”, aglomerado fisiológico de parlamentares desvairados por dinheiro, o qual abocanham especialmente através de emendas secretas, semi secretas ou escandalosamente abertas.

A redemocratização

Há 45 anos – 1980 –, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma estrela fulgurante para a esquerda brasileira, com grande força de atração e equivalente força de propulsão. 

O ambiente era propício para o surgimento de um novo partido de esquerda. A ditadura militar, ainda vigente, estava moribunda. 

Na verdade, não existia mais ditadura: a ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ de 1979, promulgada pelo presidente General Figueiredo, tornara a redemocratização irreversível e as multidões ocupavam as ruas, sem enfrentar repressão, exigindo a realização de eleição para presidente da República, com a campanha das “Diretas já”

Se essa campanha não logrou vitória formal no Congresso Nacional, ao menos instituiu a democracia diretamente no espaço público: nas ruas, praças e botequins. Corria pelo Brasil uma verdadeira euforia democrática. 

Embora tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente (emenda Dante de Oliveira), o Congresso Nacional viu-se forçado a caminhar para a eleição de um presidente da República civil, tendo o Colégio Eleitoral elegido, em janeiro de 1985, Tancredo Neves (que morreu antes da data da posse, o que levou à posse do vice-presidente eleito, José Sarney.

Lula e o PT

Gestado nesse contexto de lutas contra a ditadura militar brasileira e clima de redemocratização, o PT teve como suporte principal uma forte base sindical montada a partir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, presidido pelo operário/torneiro mecânico (licenciado por acidente) Luiz Inácio da Silva (ainda sem o famoso apelido acrescido ao nome em cartório). 

A essa base vieram a se unir contingentes expressivos de diversos segmentos sociais contestatórios, com destaque para a esquerda remanescente das lutas estudantis de 1968 e guerrilheiros que sobreviveram aos “anos de chumbo”, assim como comunidades eclesiais de base da Igreja católica e o movimento estudantil, fortemente reativado por essa época.

Quando aconteceu a almejada eleição direta para presidente, em 1989, o PT já estava forte o suficiente para ir ao segundo turno. 

Leonel Brizola (PDT) era tido como favorito naquela eleição, mas cresciam o nome de Lula e de um jovem político de Alagoas, até pouco tempo nacionalmente desconhecido, chamado Fernando Collor de Mello.

Collor venceu, então, a primeira eleição presidencial pós-redemocratização, mas realizou um governo tão estúpido e desastroso que não demorou a ser afastado por impeachment. 

Como se sabe, a persistência petista levaria Lula a Presidência da República na eleição de 2002, quando derrotou José Serra (PSDB).

Petismo, lulismo e marxismo

Com a entrada trepidante de Lula no cenário nacional através da enorme repercussão das greves de fábricas no ABC paulista nos anos 1970, o fato de um operário ser alçado à condição de grande liderança fascinou a intelligentsia marxista brasileira. 

Ainda antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, um enxame desses intelectuais passou a cercar o futuro presidente do PT e doutriná-lo com o extrato do pensamento de Marx, Engels e Lênin. 

Pouco afeito à leitura, Luiz Inácio não teria como compreender muito bem a complicadíssima ciência do materialismo histórico e dialético, mas o componente do autoritarismo leninista (bolchevismo) foi bem assimilado. 

É certo que Lula desenvolveu forte simpatia, apego e estima por ditaduras de esquerda; como são os casos notórios da ditadura de Cuba (desde os tempos de Fidel Castro) e da ditadura da Venezuela (desde os tempos de Hugo Chaves), dentre outras. 

Lula não apenas nutriu simpatia por tais regimes, como também os financiou generosamente durante o exercício dos seus passados mandatos.

Fora essa paixão ideológica por ditaduras, Lula é tido e havido como um político pragmático, capaz mesmo de fazer alianças espúrias para se dar bem. 

O dono do PT

Nas pesquisas que andei fazendo para reconstituir o histórico do PT, conversei com alguns militantes dos primórdios do partido, que participaram ativamente da sua fundação em algumas cidades do Nordeste e que tiveram cargos de direção em alguns diretórios estaduais e municipais. 

Explicaram-me eles que, naqueles tempos, havia democracia interna; a democracia partidária era a tônica. 

Lula era, naturalmente, uma liderança respeitada, mas muito longe de ser o autocrata que, segundo alguns ex-petistas com quem conversei, passou a submeter o partido ao seu inteiro talante. 

Como se diz e é comum em outros partidos brasileiros: hoje o PT tem dono. 

Um dos motivos pelo qual o governo Lula vai mal é esse: ele não conta com um partido no qual possa pensar coletivamente, discutir, aprimorar projetos e ideias ou encontrar quem salutarmente o questione. A única instância de discussão de Lula parece ser ele mesmo; e agora Janja.

A corrupção petista

Nos primeiro e segundo mandatos de Lula, o governo petista atolou-se em corrupção. Nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo petista atolou-se mesmo na incompetência. 

O desastre do segundo mandato de Dilma levou ao seu impeachment. E é preciso frisar bem: foi um legítimo processo de impeachment que afastou a presidente Dilma, não foi um “golpe”, como apregoa a narrativa dos inconformados petistas; do mesmo modo que não foi golpe o impeachment de Collor de Mello.

A corrupção desencadeada nos primeiros governos de Lula geraram processos que o levaram à cadeia após julgamentos referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o mesmo Supremo que viria a libertá-lo, mudando suas interpretações e permitindo sua candidatura em nova eleição.

Sem entrar na análise dessas decisões erráticas do STF, fato é que somente um líder com grande carisma e popularidade poderia voltar ao poder, pelo voto, após tamanhos descaminhos.

Todavia, parece-me que Lula e seu partido vão chegando ao fim da linha. Lula, pelos descaminhos políticos e também pela idade. E o PT porque, ao deixar-se submeter à autocracia de Lula e insistir nas ideias autoritárias de uma esquerda que fede a mofo, tende a morrer com ele.

Lula e o Centrão

Lula, hoje, enquanto lida com o seu próprio partido com menosprezo e rigor de autocrata, submete-se, no Congresso Nacional, às artimanhas e chantagens do Centrão.

Os lulistas mais devotos tentam justificar essa pusilanimidade do presidente da República diante dos abusos da ala parlamentar fisiológica com a desculpa de que, sem isso, a governabilidade perece. 

Creio que o PT de outrora, de antes do primeiro mandato corrompido de Lula, teria ocupado as ruas para sustentar seu programa de esquerda, em vez de ceder às chantagens dos congressistas oportunistas de plantão. 

A velha esquerda e a nova esquerda

De um modo geral, a forma mais destacada da política brasileira, nos últimos anos, tem sido a lacração na internet. E esse é mais um motivo do declínio de Lula e do PT: ambos são analógicos. 

Na verdade, a esquerda brasileira é, em sua maioria, velha, analógica e melancólica. Penso que, nessa condição, estão alguns dos esquerdistas mais respeitáveis (nessa categoria de respeitáveis não incluo Lula, que é só velho e analógico; penso aqui em outras personalidades). 

Simpatizo um pouco com a velha esquerda romântica, desiludida e nostálgica, que lutou contra a ditadura, mas antipatizo profundamente com a nova esquerda que hoje faz barulho nas redes sociais. 

A nova esquerda é essa turma woke, identitária, extremista, fanática, meio demente, nutrida por uma estúpida ideologia anti-ocidental.

Enfim, entendo que o PT acabou e que o lulopetismo é uma política em fase de extinção. O que não me entristece. Entristece-me, porém, não ver algo de animador no horizonte. Até o momento, não consigo ver luz no fim do túnel; nem à esquerda, nem à direita. 

Um teste sobre democracia para os membros do STF

O poder judiciário deve dizer o que é legal ou ilegal de acordo com a sua interpretação das leis escritas.

Em democracias:

√  Tribunais de justiça não são instâncias válidas para fazer julgamentos éticos: não podem dizer o que é bom ou mau.

√  Tribunais de justiça não são instâncias válidas para fazer julgamentos “históricos”: não podem dizer o que é civilizatório ou não civilizatório.

√  Tribunais de justiça não são instâncias válidas para fazer julgamentos epistemológicos: não podem dizer o que é verdadeiro ou falso; nem o que é científico ou não científico.

√  Tribunais de justiça não são instâncias válidas para fazer julgamentos políticos: não podem dizer o que é politicamente correto ou incorreto.

Cortes supremas, em especial, devem se ater ao que é constitucional ou não. Se forem se meter a dizer, por exemplo, o que é democrático ou antidemocrático assumirão funções políticas.

Porque juízos dessa natureza dependerão das particulares concepções de democracia de seus membros, das suas orientações ou preferências políticas. E dependerão do grau de “alfabetização democrática” de seus membros, que muitas vezes é deficiente. Sim, frequentemente, notável saber jurídico não significa notável “saber democrático” (entre aspas porque a democracia não é propriamente um saber e sim um modo de se comportar politicamente).

Mesmo assim, é duvidoso se a maioria dos membros do nosso atual STF conseguiria ser aprovada com louvor num teste simples de dez perguntas fundamentais sobre democracia. Por exemplo:

1) Democracia é a mesma coisa que Estado de direito? Por que?

2) Por que, para a democracia, o sentido da política não pode ser a ordem e sim a liberdade?

3) A democracia depende mais da capacidade do Estado de impor suas leis à sociedade ou da possibilidade da sociedade de controlar o Estado?

4) A democracia conseguiria subsistir só com base em leis escritas? Qual o papel das leis não escritas (ἄγραφοι νόμοι) na consolidação da democracia?

5) Por que a reforma distrital, proposta por Clístenes em 508 a.C., substituindo o genos (γένος) pelo demos (δήμος), é considerada o marco fundador da primeira democracia?

6) Por que a reforma do Areópago, proposta por Efialtes em 461 a.C., retirando daquele tribunal supremo o poder político, foi fundamental para o desenvolvimento da primeira democracia?

7) Por que o Brasil não está incluído na lista das 32 democracias liberais do V-Dem 2024 (Austrália, Bélgica, Costa Rica, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Alemanha, Islândia, Irlanda, Japão, Letônia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Seicheles, Espanha, Suécia, Suíça, Taiwan, EUA, Barbados, Butão, Canadá, Chile, França, Itália, Noruega, Coréia do Sul, Suriname, Reino Unido, Uruguai)?

8) Por que o Brasil não está incluído na lista das 24 democracias plenas (full democracies) da The Economist Intelligence Unit 2023 (Noruega, Nova Zelândia, Islândia, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Irlanda, Suíça, Holanda, Taiwan, Luxemburgo, Alemanha, Canadá, Austrália, Uruguai, Japão, Costa Rica, Áustria, Reino Unido, Grécia, Maurício, Coreia do Sul, França, Espanha)?

9) Você conhece as principais obras da “tradição” democrática moderna; por exemplo, de Althusius, Spinoza, Locke, Montesquieu, Rousseau, Jefferson e os Federalistas, Paine, von Humbolt, Constant, Tocqueville, Mill, Dewey, Popper, Arendt, Bobbio, Lefort, Castoriadis, Maturana, Rawls, Berlin, Havel, Dahrendorf, Sen e Dahl – para ficar até o final do século 20? Quantos desses autores você já estudou?

10) Você conhece as obras (livros ou artigos) de teóricos contemporâneos da democracia; por exemplo, de Carothers, Coppedge, Diamond, Foa, Fukuyama, Galston, Horowitz, Huntington, Inglehart, Kyle, Levitsky, Lindberg, Linz, Lipset, Lührmann, Mounk, O’Donnell, Plattner, Przeworski, Putnam, Runciman, Snyder, Tannenberg, Teorell, Welzel, Ziblatt? Quantos textos desses autores você já leu?

Talvez Luís Roberto Barroso, presidente do STF, queira contraditar este artigo. Poderia começar, ele mesmo, se submetendo ao teste acima. E depois nos explicando o seguinte: se uma força política não tem como estratégia dar golpes de Estado, isso significa que ela é democrática?

Novo recorde? Três processos da Lava Jato são extintos num único dia

A percepção de que as ações do Judiciário são políticas enfraquece a instituição e fortalece os políticos. É especialmente preocupante porque uma democracia pode sobreviver a políticos ruins, mas não a um Judiciário desacreditado. A confiança nos juízes é essencial. Os apressadinhos se metem a dizer que ninguém confia no Judiciário há muito tempo. É um erro.

Pense em qualquer caso de difamação que você vê em redes sociais. Quando a coisa desanda, o que o pessoal diz? “Esse merece um processinho”, ou seja, há confiança de que o Judiciário resolve. O mesmo vale para quando alguém te deve e não quer pagar, para violência doméstica, para casos trabalhistas. Fora do mundinho pantanoso dos políticos, o Judiciário é visto como quem vai defender o cidadão e fazer valer a lei.

No entanto, como explicar decisões judiciais inconsistentes em casos políticos? Por que o ministro Fachin vota para extinguir processos contra Renan Calheiros e Romero Jucá, mas vota para manter a pena de José Dirceu? A ministra Cármen Lúcia aliou-se a ele. Do outro lado estavam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Quem seria o fiel da balança para decidir se a pena de Dirceu seria ou não extinta? Um ministro indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques. E foi ele quem liberou o petista.

Casos como o da Odebrecht, onde delações premiadas resultaram na devolução de bilhões de dólares, agora são anulados. E não são casos apenas do Brasil, envolvem diversos países. Casos assim iniciam o falatório de que o Judiciário decide conforme convém, minando a confiança no sistema.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também trouxe no mesmo dia um outro exemplo. O caso das jóias de Bolsonaro virou uma crise nacional, enquanto Lula foi liberado para ficar com as jóias, no caso relógios caríssimos, que recebeu na presidência. Como explicar isso para o cidadão comum?

Por enquanto, o Judiciário tem a sorte de duas coisas. A primeira é que as pessoas, por falso senso de elitismo, atribuem decisões a ministros e não à Corte. Para fingir que sabem do tema, dizem que “o ministro tal decidiu isso”, não que “o STF decidiu isso”. Se a Corte fosse contrária, reformaria a decisão rapidamente, simples assim. Mas o desconhecimento aliado à necessidade de demonstrar intimidade com a matéria pulverizam a responsabilização. A carga de imagem que cairia sobre o STF se divide em onze.

A segunda coisa é que os brasileiros ainda confiam no Judiciário para questões não políticas. O problema surgirá se essa contaminação política se expandir para outras áreas, ligadas à rotina do cidadão comum.

A democracia depende de um Judiciário forte e confiável. O Judiciário precisa agir com transparência e consistência para manter a confiança pública. Se falhar, veremos um aumento da descrença e da busca por soluções alternativas. Que soluções seriam essas? A julgar pela forma como o brasileiro vota, não dá para ser otimista.

As implicações políticas do affair Musk versus Alexandre

Não é surpresa ver bolsonaristas pegando uma carona nas falas de Elon Musk e lulopetistas indignados com o bilionário sul-africano e defendendo o Alexandre. Nem os bolsonaristas, nem o Musk, nem o PT têm a ver com a democracia. Tudo isso é fruto da vil polarização populista.

A polarização já capturou as interpretações sobre a controvérsia Elon Musk x Alexandre de Moraes. O que está em discussão, do ponto de vista da democracia, nada tem a ver com Musk ser dito de extrema-direita, se apoia ou não Trump por baixo dos panos, sabe-se lá se anarco-capitalista, libertarista ou defensor de uma impossível liberdade irrestrita, racista ou supremacista. Nem tem a ver com as origens de Alexandre de Moraes, com suas ligações pregressas com dirigentes do quase-extinto PSDB e agora estar alinhado ao PT ou com o fato de ter sido indicado ao STF por Michel Temer. Envereda-se por essas alegações para reduzir tudo ao jogo bipolar extrema-direita x esquerda, reacionários fascistas x progressistas, golpistas x defensores do Estado de direito, bilionários imperialistas nos EUA x defensores da soberania nacional do Brasil, apoiadores da liberdade de expressão x proto-ditadores que querem extingui-la; para resumir: bolsonaristas x lulopetistas. Assim fica fácil não responder as questões. Se Musk é bolsonarista (e tudo mais que não presta) ou se Alexandre é petista (idem), então estão resolvidas todas as questões.

Mas as questões que realmente importam não estão respondidas. São, basicamente, as seguintes. O império da lei em uma democracia se traduz pelo império das instituições encarregadas de aplicá-la? A soberania popular em uma democracia pode ser exercida por alguma instituição considerada soberana? Existem entes soberanos em uma democracia? Os indivíduos em uma democracia são cidadãos ou súditos de um poder tido por supremo? O STF é chamado de suprema corte porque não há nenhum outro tribunal acima dele a quem os cidadãos possam recorrer, ou porque é um poder supremo mesmo? E há mais questões conexas. A democracia se reduz à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas? Estado de direito é a mesma coisa que democracia? Por último, cabe a um tribunal ou aos seus membros assumir um papel militante em defesa da sua concepção de democracia (sobretudo quando essa concepção não foi referendada pelo voto dos cidadãos)? Em nome dessa defesa da democracia membros de um tribunal podem acumular as funções de investigar, acusar e julgar, constitucionalmente assinaladas a poderes distintos e independentes?

Não sabemos se o X poderá ser bloqueado no Brasil. Nunca foi bloqueado em uma nação democrática. Sim, em 18 anos de existência, nenhuma democracia bloqueou o Twitter. Isso só aconteceu em ditaduras como a China, a Coreia do Norte, o Irã, a Rússia, o Turcomenistão e Mianmar. O PT e o STF querem colocar o Brasil nessa lista das piores autocracias do planeta?

Se o bloqueio não acontecer agora, num rompante prepotente de quem confunde a soberania da lei com a sua própria soberania, tudo vai depender do rumo que as coisas tomarem nos próximos meses. Se o lulopetismo tiver um resultado muito adverso nas próximas eleições, o PT vai turbinar essa espécie de guerra civil fria para a qual foi feito e na qual se sente confortável. E será correspondido pelo bolsonarismo. Ou seja, os populistas, ditos de esquerda ou de direita, vão acelerar o tudo ou nada visando apenas vencer as eleições de 2026 a qualquer preço para se delongar no poder ou para voltar ao poder. E com esse crescimento da polarização, poderão vir, sobretudo da parte de quem controla o Estado, inevitáveis restrições de direitos políticos e liberdades civis. affaire Alexandre versus Musk nos obriga a acender o alerta amarelo.

Não houve, até agora, desbloqueio de contas censuradas pelo STF, nem bloqueio do Twitter, mas algo mudou na conjuntura. O mundo agora está tomando conhecimento de que existe alguma coisa errada ou, pelo menos, discutível, no papel militante que a suprema corte brasileira vem assumindo em nome da defesa da sua visão particular da democracia. Alguns ministros, não raro, reduzem a democracia à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas. Mas não são a mesma coisa. Repetindo, então, pela importância do dito. A democracia é o império da lei e não o império das instituições encarregadas de aplicá-las. Nenhuma instituição pode ser soberana em uma democracia e os cidadãos não podem virar súditos de qualquer instituição, nem mesmo da chamada ‘corte’ dita ‘suprema’ (duas designações, aliás, pouco consonantes com o espírito da democracia).

Mas os democratas nada temos a ver com Elon Musk. E o Twitter, aliás, nem foi invenção dele. Cada um deve publicar naquela mídia o que bem entender, assumindo as responsabilidades por isso. O fato do Musk ser dono do agora chamado X e nele emitir opiniões contrárias ao que acreditamos não viola a democracia, ainda que suas opiniões possam ser antidemocráticas. Também não cabe a nós fazer avaliações morais sobre Musk, dizer que ele é hipócrita porque critica Alexandre, mas não critica a China. Ora, o presidente do Brasil, Lula, também não critica a China, a Rússia e outras ditaduras enquanto posa de salvador da democracia. Ou dizer, como fez ontem o Guga Chacra na Globo News, que ele é um babaca. Muitos proprietários de empresas cujos serviços utilizamos também poderiam ser avaliados por alguém como babacas. E daí? É como não querer pegar um avião num aeroporto construído pela Odebrecht porque não gostamos de seus donos ou reprovamos os crimes que cometeram. Por último, não nos cabe – para sabujar o PT – abrir uma guerra contra Musk, investigando sua vida privada ou profissional para ver se ele bateu na babá, roubou dinheiro do pai ou censurou seus próprios funcionários. Ninguém vai casar com o Musk. Ademais, o Twitter é apenas uma mídia, quer dizer, um meio de interação social, que podemos usar ou não.

Procedimentos jurídicos de exceção por parte do STF foram admitidos ou tolerados para preservar a democracia dos ímpetos golpistas de Bolsonaro. Mas aquela ameaça foi desarmada. Treze meses depois da cenográfica intentona de 8 de janeiro, não há mais perigo iminente para a democracia (se é que algum dia realmente houve, pois querer dar um golpe não significa que ele seria bem-sucedido). O STF vem se comportando como se estivéssemos em 2021 ou 2022 ou na passagem de 2022 para 2023, mas o fato é que já estamos em abril de 2024, com um presidente eleito exatamente porque se colocou contra as ideias e práticas do bolsonarismo. E esse novo presidente está governando sem contestações disruptivas da ordem democrática. Estão esticando uma configuração passada para torná-la eterna de modo a justificar a adoção de medidas excepcionais, inclusive a inconstitucional censura. Ou o STF acorda para isso ou vai continuar investindo na polarização e na guerra civil fria que sobrevirá – com alto risco, aí sim, de enveredarmos por um caminho de autocratização da democracia brasileira. Passou da hora de voltar à normalidade.

Terminamos o presente artigo com esse apelo aos membros do STF. É hora de parar com isso. Em qualquer hipótese o desfecho será desfavorável para a instituição e para o país. Não importa se os populistas (de direita e de esquerda) estejam querendo explorar o caso Musk para turbinar a polarização. Urge voltar à normalidade.


P. S. (10/04/2024). Uma mensagem no X a partir do que ficamos sabendo pela imprensa depois do artigo acima ser publicado.

Só uma pergunta. O governo Lula está criando uma teoria da conspiração para dizer que as diatribes de Musk na verdade são parte de uma grande articulação da extrema-direita internacional com parlamentares bolsonaristas para atacar o PT, a soberania do Brasil e o Sul Global?

Só uma resposta. Ora, é óbvio que os bolsonaristas pegariam uma carona nas falas de Elon Musk e que os lulopetistas ficariam indignados com o bilionário sul-africano e defenderiam o Alexandre. Não precisa de conspiração nenhuma para isso acontecer.

Uma reflexão final. ‘Não reunir é a derradeira ordenação’ (uma lição de Frank Herbert). A “orquestração” não precisa ser organizada. Ela é processada pela polarização. Temos de entender que a polarização é um programa, isso quer dizer que ela programa os aglomerados. É um programa de fazer lados.

PCO celebra com Hamas “operação heroica de esfaqueamento”

PCO, partido nanico de extrema esquerda do Brasil que – sob o silêncio conivente das nossas autoridades, tornou-se o porta-voz do grupo terrorista islâmico Hamas – fez uma postagem em sua conta no X com nada menos do que a reprodução de uma nota oficial do conhecido grupo que estuprou mulheres e meninas, matou crianças, incinerou famílias, metralhou jovens e sequestrou bebês.

É um acinte que um partido político, abrigado sob o guarda-chuva democrático brasileiro, não seja cancelado nem receba sequer alguma retaliação ao fazer apologia e incitar o terrorismo dessa forma.

Convém lembrar que, de junho de 2022 a fevereiro de 2023, o PCO teve seu perfil bloqueado por decisão no ministro do STF, após o partido referir-se a Moraes como “skinhead de toga” e acusá-lo de ter “sanha de ditadura”.

Será que uma ofensa ao excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes é mais grave do que a defesa do terrorismo como método de luta e o enaltecimento público dos crimes mais bestiais?

Na nota oficial do Hamas, reproduzida nessa quarta, 13 de março, pelo PCO, lê-se, dentre outras barbaridades:

“Ao parabenizarmos a operação heroica de esfaqueamento no Posto de Controle do Túnel em Belém, e lamentarmos o mártir…”

“Mobilizemos nossos combatentes heroicos e nosso povo na Cisjordânia, para sustentar o confronto com a ocupação, detonar as bombas da fúria em seus rostos…”

O Partido da Causa Operária, felizmente, é um partido nanico, insignificante. Mas está tentando crescer dando palanque a um grupo terrorista, o que não pode ser tolerado.

Em mundo cada vez mais complexo, confuso, fanatizado, radical e beligerante, é uma enorme irresponsabilidade das nossas autoridades fazerem vista grossa para essa situação. Isso deixa patente a parcialidade da Justiça brasileira, que mira o que considera extremismo de direita enquanto deixa grassar o escancarado extremismo de esquerda.

A força de Bolsonaro e a fraqueza do Brasil

Jair Bolsonaro, na mira do STF por articular decretação irregular de Estado de sítio e intervenção no TSE, convocou seus eleitores para defendê-lo no dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, e a massa de apoiadores compareceu.

No vídeo da convocação, Bolsonaro diz que se trata de um “ato pacífico em defesa do nosso Estado democrático de direito.” Sabe-se lá o que o Estado democrático de direito é na cabeça de um populista autoritário que faz reunião com todos os seus ministros para combinar a virada de mesa que iria mantê-lo no poder a despeito do resultado das eleições.

Bolsonaro queria um golpe de Estado, seu entorno planejou um golpe de Estado, que não aconteceu porque as Forças Armadas, como instituição, se negaram a implementá-lo, embora alguns militares, individualmente, tenham participado da “intentona bolsonarista.”

Em seu discurso, Bolsonaro falou da bíblia como uma “caixa de ferramenta”, dramatizou em torno do episódio da facada que sofreu em 2018, citou luta armada de 1970 e um tenente “executado pela esquerda”, lembrou sua “carreira das armas”, recordou os 28 anos como deputado “discursando para as paredes”, citou platitudes sobre seu governo até chegar ao momento “daquela coisa que aconteceu em outubro de 2022” e mostrou-se satisfeito por ter conseguido o que queria: “uma fotografia para o mundo.”

A instrumentalização do conservadorismo

Mas não faltou aquela carga ideológica caricata que, de fato, responde pela sua capacidade de aglomerar tão grande público: “Nós não queremos o socialismo para o nosso Brasil. Nós não podemos admitir o comunismo em nosso meio. Nós não queremos ideologia de gênero para os nossos filhos. Nós queremos respeito à propriedade privada. Nós queremos o direito à defesa à própria vida. Nós queremos o respeito à vida desde a sua concepção. Nós não queremos a liberação das drogas em nosso país.”

Eu e provavelmente mais da metade dos brasileiros concordamos com esse parágrafo. O que não concordamos é que o sujeito, por defender isso, não seja responsabilizado pelos desvios cometidos em outros aspectos fundamentais da ética, da moralidade, da civilidade. O problema é que o sentimento conservador do brasileiro comum foi manipulado, instrumentalizado por políticos desqualificados, ineptos e desonestos.

É uma cena burlesca ver os autoproclamados patriotas antipetistas aplaudirem com entusiasmo o discurso do presidente do PL, Valdemar da Costa, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, ocorrido no governo Lula.

Ainda mais constrangedor e decepcionante é ver um dos ícones da operação Lava-Jato, o ex-deputado Deltan Dallagnol, junto a outros expoentes do partido Novo, participar da manifestação bolsonarista, sob a justificativa de união da direita contra os abusos do STF.

Ora, todos sabem que a CPI da Lava-Toga, protocolada pelo senador Alessandro Vieira, em 2019, com o objetivo de investigar o judiciário, foi inviabilizada pelo bolsonarismo para livrar a pele de Flávio Bolsonaro das investigações do caso das rachadinhas. A foto do caloroso abraço de Bolsonaro aos ser recebido pelo ministro Dias Toffoli em sua casa, em 2020, diz tanto do Brasil quanto a foto da multidão bolsonarista na Paulista.

Lava-Jato e falta de coerência moral

Sérgio Moro, ao decidir apoiar Bolsonaro no segundo turno, após ter denunciado a intenção do ex-presidente de interferir na Polícia Federal e após ter feito uma espécie de pré-campanha para presidente na qual expôs em livro e em discursos o mal que Bolsonaro tinha feito ao combate à corrupção, acabou com a esperança política daqueles que acreditaram e defenderam a Lava Jato por princípio e por anelo de justiça e não por mero oportunismo.

Da mesma forma, Deltan Dallagnol, aderindo ao bolsonarismo, de certa forma despreza a parcela da direita antibolsonarista que viu nele alguém firme e inabalável no combate à corrupção. 

Conforme escreveu Felipe Moura Brasil no artigo O Novo parasita o bolsonarismo, os valores e princípios inegociáveis do combate à corrupção foram sabotados por Bolsonaro e colar na direita bolsonarista não é o melhor exemplo de coerência moral.

Eis a fraqueza do político brasileiro e do brasileiro comum: a falta de coerência moral. Não é porque o STF está cometendo abusos – de fato, está – que precisamos desconsiderar os crimes cometidos por aqueles que são alvos da investigação. E entre os crimes está a tentativa de golpe, infelizmente minimizada pela direita, que compromete assim o seu papel de firme, porém democrática oposição.

Duas pontas que se retroalimentam 

Em seu discurso, Bolsonaro também pediu uma anistia para “os pobres coitados que estão presos em Brasília”. Sim, eles merecem anistia. Foram massa de manobra de gente mais graúda. Eles estão presos na Papuda e o Brasil está preso a dois populistas grotescos e rasteiros que se retroalimentam, como escreveu a ex-deputada Janaina Paschoal, em postagem no seu perfil X, em momento de singular lucidez:

“Respeitando opiniões divergentes, eu vejo, com clareza, um novo teatro das tesouras. Duas pontas que se retroalimentam e, guardadas as particularidades, funcionam de forma muito parecida. Ambas têm seus fiéis, que veem crimes na outra ponta, ambas têm seus atos de dramatização e ‘despedida’. Uma ponta brinca de fazer calar a outra. Antes, eu tinha pena do povo, que acredita nesse teatro. Hoje, vejo que o povo gosta e também se alimenta disso. Pobre daquele que pensa que essa representação os aniquila mutuamente. Esse teatro os mantém vivos e eles sabem disso!”

A manifestação na Avenida Paulista foi exitosa. Deixou clara a tragédia política brasileira: só Lula e Bolsonaro conseguem mobilizar as massas e encher as ruas; e as aberrações de um fazem as aberrações do outro parecerem menores. A força de Lula e Bolsonaro é a fraqueza da democracia do Brasil.