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Novo recorde? Três processos da Lava Jato são extintos num único dia

A percepção de que as ações do Judiciário são políticas enfraquece a instituição e fortalece os políticos. É especialmente preocupante porque uma democracia pode sobreviver a políticos ruins, mas não a um Judiciário desacreditado. A confiança nos juízes é essencial. Os apressadinhos se metem a dizer que ninguém confia no Judiciário há muito tempo. É um erro.

Pense em qualquer caso de difamação que você vê em redes sociais. Quando a coisa desanda, o que o pessoal diz? “Esse merece um processinho”, ou seja, há confiança de que o Judiciário resolve. O mesmo vale para quando alguém te deve e não quer pagar, para violência doméstica, para casos trabalhistas. Fora do mundinho pantanoso dos políticos, o Judiciário é visto como quem vai defender o cidadão e fazer valer a lei.

No entanto, como explicar decisões judiciais inconsistentes em casos políticos? Por que o ministro Fachin vota para extinguir processos contra Renan Calheiros e Romero Jucá, mas vota para manter a pena de José Dirceu? A ministra Cármen Lúcia aliou-se a ele. Do outro lado estavam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Quem seria o fiel da balança para decidir se a pena de Dirceu seria ou não extinta? Um ministro indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques. E foi ele quem liberou o petista.

Casos como o da Odebrecht, onde delações premiadas resultaram na devolução de bilhões de dólares, agora são anulados. E não são casos apenas do Brasil, envolvem diversos países. Casos assim iniciam o falatório de que o Judiciário decide conforme convém, minando a confiança no sistema.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também trouxe no mesmo dia um outro exemplo. O caso das jóias de Bolsonaro virou uma crise nacional, enquanto Lula foi liberado para ficar com as jóias, no caso relógios caríssimos, que recebeu na presidência. Como explicar isso para o cidadão comum?

Por enquanto, o Judiciário tem a sorte de duas coisas. A primeira é que as pessoas, por falso senso de elitismo, atribuem decisões a ministros e não à Corte. Para fingir que sabem do tema, dizem que “o ministro tal decidiu isso”, não que “o STF decidiu isso”. Se a Corte fosse contrária, reformaria a decisão rapidamente, simples assim. Mas o desconhecimento aliado à necessidade de demonstrar intimidade com a matéria pulverizam a responsabilização. A carga de imagem que cairia sobre o STF se divide em onze.

A segunda coisa é que os brasileiros ainda confiam no Judiciário para questões não políticas. O problema surgirá se essa contaminação política se expandir para outras áreas, ligadas à rotina do cidadão comum.

A democracia depende de um Judiciário forte e confiável. O Judiciário precisa agir com transparência e consistência para manter a confiança pública. Se falhar, veremos um aumento da descrença e da busca por soluções alternativas. Que soluções seriam essas? A julgar pela forma como o brasileiro vota, não dá para ser otimista.

As implicações políticas do affair Musk versus Alexandre

Não é surpresa ver bolsonaristas pegando uma carona nas falas de Elon Musk e lulopetistas indignados com o bilionário sul-africano e defendendo o Alexandre. Nem os bolsonaristas, nem o Musk, nem o PT têm a ver com a democracia. Tudo isso é fruto da vil polarização populista.

A polarização já capturou as interpretações sobre a controvérsia Elon Musk x Alexandre de Moraes. O que está em discussão, do ponto de vista da democracia, nada tem a ver com Musk ser dito de extrema-direita, se apoia ou não Trump por baixo dos panos, sabe-se lá se anarco-capitalista, libertarista ou defensor de uma impossível liberdade irrestrita, racista ou supremacista. Nem tem a ver com as origens de Alexandre de Moraes, com suas ligações pregressas com dirigentes do quase-extinto PSDB e agora estar alinhado ao PT ou com o fato de ter sido indicado ao STF por Michel Temer. Envereda-se por essas alegações para reduzir tudo ao jogo bipolar extrema-direita x esquerda, reacionários fascistas x progressistas, golpistas x defensores do Estado de direito, bilionários imperialistas nos EUA x defensores da soberania nacional do Brasil, apoiadores da liberdade de expressão x proto-ditadores que querem extingui-la; para resumir: bolsonaristas x lulopetistas. Assim fica fácil não responder as questões. Se Musk é bolsonarista (e tudo mais que não presta) ou se Alexandre é petista (idem), então estão resolvidas todas as questões.

Mas as questões que realmente importam não estão respondidas. São, basicamente, as seguintes. O império da lei em uma democracia se traduz pelo império das instituições encarregadas de aplicá-la? A soberania popular em uma democracia pode ser exercida por alguma instituição considerada soberana? Existem entes soberanos em uma democracia? Os indivíduos em uma democracia são cidadãos ou súditos de um poder tido por supremo? O STF é chamado de suprema corte porque não há nenhum outro tribunal acima dele a quem os cidadãos possam recorrer, ou porque é um poder supremo mesmo? E há mais questões conexas. A democracia se reduz à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas? Estado de direito é a mesma coisa que democracia? Por último, cabe a um tribunal ou aos seus membros assumir um papel militante em defesa da sua concepção de democracia (sobretudo quando essa concepção não foi referendada pelo voto dos cidadãos)? Em nome dessa defesa da democracia membros de um tribunal podem acumular as funções de investigar, acusar e julgar, constitucionalmente assinaladas a poderes distintos e independentes?

Não sabemos se o X poderá ser bloqueado no Brasil. Nunca foi bloqueado em uma nação democrática. Sim, em 18 anos de existência, nenhuma democracia bloqueou o Twitter. Isso só aconteceu em ditaduras como a China, a Coreia do Norte, o Irã, a Rússia, o Turcomenistão e Mianmar. O PT e o STF querem colocar o Brasil nessa lista das piores autocracias do planeta?

Se o bloqueio não acontecer agora, num rompante prepotente de quem confunde a soberania da lei com a sua própria soberania, tudo vai depender do rumo que as coisas tomarem nos próximos meses. Se o lulopetismo tiver um resultado muito adverso nas próximas eleições, o PT vai turbinar essa espécie de guerra civil fria para a qual foi feito e na qual se sente confortável. E será correspondido pelo bolsonarismo. Ou seja, os populistas, ditos de esquerda ou de direita, vão acelerar o tudo ou nada visando apenas vencer as eleições de 2026 a qualquer preço para se delongar no poder ou para voltar ao poder. E com esse crescimento da polarização, poderão vir, sobretudo da parte de quem controla o Estado, inevitáveis restrições de direitos políticos e liberdades civis. affaire Alexandre versus Musk nos obriga a acender o alerta amarelo.

Não houve, até agora, desbloqueio de contas censuradas pelo STF, nem bloqueio do Twitter, mas algo mudou na conjuntura. O mundo agora está tomando conhecimento de que existe alguma coisa errada ou, pelo menos, discutível, no papel militante que a suprema corte brasileira vem assumindo em nome da defesa da sua visão particular da democracia. Alguns ministros, não raro, reduzem a democracia à obediência às normas que regem o Estado de direito e, por decorrência, às instituições encarregadas de fazer valer tais normas. Mas não são a mesma coisa. Repetindo, então, pela importância do dito. A democracia é o império da lei e não o império das instituições encarregadas de aplicá-las. Nenhuma instituição pode ser soberana em uma democracia e os cidadãos não podem virar súditos de qualquer instituição, nem mesmo da chamada ‘corte’ dita ‘suprema’ (duas designações, aliás, pouco consonantes com o espírito da democracia).

Mas os democratas nada temos a ver com Elon Musk. E o Twitter, aliás, nem foi invenção dele. Cada um deve publicar naquela mídia o que bem entender, assumindo as responsabilidades por isso. O fato do Musk ser dono do agora chamado X e nele emitir opiniões contrárias ao que acreditamos não viola a democracia, ainda que suas opiniões possam ser antidemocráticas. Também não cabe a nós fazer avaliações morais sobre Musk, dizer que ele é hipócrita porque critica Alexandre, mas não critica a China. Ora, o presidente do Brasil, Lula, também não critica a China, a Rússia e outras ditaduras enquanto posa de salvador da democracia. Ou dizer, como fez ontem o Guga Chacra na Globo News, que ele é um babaca. Muitos proprietários de empresas cujos serviços utilizamos também poderiam ser avaliados por alguém como babacas. E daí? É como não querer pegar um avião num aeroporto construído pela Odebrecht porque não gostamos de seus donos ou reprovamos os crimes que cometeram. Por último, não nos cabe – para sabujar o PT – abrir uma guerra contra Musk, investigando sua vida privada ou profissional para ver se ele bateu na babá, roubou dinheiro do pai ou censurou seus próprios funcionários. Ninguém vai casar com o Musk. Ademais, o Twitter é apenas uma mídia, quer dizer, um meio de interação social, que podemos usar ou não.

Procedimentos jurídicos de exceção por parte do STF foram admitidos ou tolerados para preservar a democracia dos ímpetos golpistas de Bolsonaro. Mas aquela ameaça foi desarmada. Treze meses depois da cenográfica intentona de 8 de janeiro, não há mais perigo iminente para a democracia (se é que algum dia realmente houve, pois querer dar um golpe não significa que ele seria bem-sucedido). O STF vem se comportando como se estivéssemos em 2021 ou 2022 ou na passagem de 2022 para 2023, mas o fato é que já estamos em abril de 2024, com um presidente eleito exatamente porque se colocou contra as ideias e práticas do bolsonarismo. E esse novo presidente está governando sem contestações disruptivas da ordem democrática. Estão esticando uma configuração passada para torná-la eterna de modo a justificar a adoção de medidas excepcionais, inclusive a inconstitucional censura. Ou o STF acorda para isso ou vai continuar investindo na polarização e na guerra civil fria que sobrevirá – com alto risco, aí sim, de enveredarmos por um caminho de autocratização da democracia brasileira. Passou da hora de voltar à normalidade.

Terminamos o presente artigo com esse apelo aos membros do STF. É hora de parar com isso. Em qualquer hipótese o desfecho será desfavorável para a instituição e para o país. Não importa se os populistas (de direita e de esquerda) estejam querendo explorar o caso Musk para turbinar a polarização. Urge voltar à normalidade.


P. S. (10/04/2024). Uma mensagem no X a partir do que ficamos sabendo pela imprensa depois do artigo acima ser publicado.

Só uma pergunta. O governo Lula está criando uma teoria da conspiração para dizer que as diatribes de Musk na verdade são parte de uma grande articulação da extrema-direita internacional com parlamentares bolsonaristas para atacar o PT, a soberania do Brasil e o Sul Global?

Só uma resposta. Ora, é óbvio que os bolsonaristas pegariam uma carona nas falas de Elon Musk e que os lulopetistas ficariam indignados com o bilionário sul-africano e defenderiam o Alexandre. Não precisa de conspiração nenhuma para isso acontecer.

Uma reflexão final. ‘Não reunir é a derradeira ordenação’ (uma lição de Frank Herbert). A “orquestração” não precisa ser organizada. Ela é processada pela polarização. Temos de entender que a polarização é um programa, isso quer dizer que ela programa os aglomerados. É um programa de fazer lados.

PCO celebra com Hamas “operação heroica de esfaqueamento”

PCO, partido nanico de extrema esquerda do Brasil que – sob o silêncio conivente das nossas autoridades, tornou-se o porta-voz do grupo terrorista islâmico Hamas – fez uma postagem em sua conta no X com nada menos do que a reprodução de uma nota oficial do conhecido grupo que estuprou mulheres e meninas, matou crianças, incinerou famílias, metralhou jovens e sequestrou bebês.

É um acinte que um partido político, abrigado sob o guarda-chuva democrático brasileiro, não seja cancelado nem receba sequer alguma retaliação ao fazer apologia e incitar o terrorismo dessa forma.

Convém lembrar que, de junho de 2022 a fevereiro de 2023, o PCO teve seu perfil bloqueado por decisão no ministro do STF, após o partido referir-se a Moraes como “skinhead de toga” e acusá-lo de ter “sanha de ditadura”.

Será que uma ofensa ao excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes é mais grave do que a defesa do terrorismo como método de luta e o enaltecimento público dos crimes mais bestiais?

Na nota oficial do Hamas, reproduzida nessa quarta, 13 de março, pelo PCO, lê-se, dentre outras barbaridades:

“Ao parabenizarmos a operação heroica de esfaqueamento no Posto de Controle do Túnel em Belém, e lamentarmos o mártir…”

“Mobilizemos nossos combatentes heroicos e nosso povo na Cisjordânia, para sustentar o confronto com a ocupação, detonar as bombas da fúria em seus rostos…”

O Partido da Causa Operária, felizmente, é um partido nanico, insignificante. Mas está tentando crescer dando palanque a um grupo terrorista, o que não pode ser tolerado.

Em mundo cada vez mais complexo, confuso, fanatizado, radical e beligerante, é uma enorme irresponsabilidade das nossas autoridades fazerem vista grossa para essa situação. Isso deixa patente a parcialidade da Justiça brasileira, que mira o que considera extremismo de direita enquanto deixa grassar o escancarado extremismo de esquerda.

A força de Bolsonaro e a fraqueza do Brasil

Jair Bolsonaro, na mira do STF por articular decretação irregular de Estado de sítio e intervenção no TSE, convocou seus eleitores para defendê-lo no dia 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, e a massa de apoiadores compareceu.

No vídeo da convocação, Bolsonaro diz que se trata de um “ato pacífico em defesa do nosso Estado democrático de direito.” Sabe-se lá o que o Estado democrático de direito é na cabeça de um populista autoritário que faz reunião com todos os seus ministros para combinar a virada de mesa que iria mantê-lo no poder a despeito do resultado das eleições.

Bolsonaro queria um golpe de Estado, seu entorno planejou um golpe de Estado, que não aconteceu porque as Forças Armadas, como instituição, se negaram a implementá-lo, embora alguns militares, individualmente, tenham participado da “intentona bolsonarista.”

Em seu discurso, Bolsonaro falou da bíblia como uma “caixa de ferramenta”, dramatizou em torno do episódio da facada que sofreu em 2018, citou luta armada de 1970 e um tenente “executado pela esquerda”, lembrou sua “carreira das armas”, recordou os 28 anos como deputado “discursando para as paredes”, citou platitudes sobre seu governo até chegar ao momento “daquela coisa que aconteceu em outubro de 2022” e mostrou-se satisfeito por ter conseguido o que queria: “uma fotografia para o mundo.”

A instrumentalização do conservadorismo

Mas não faltou aquela carga ideológica caricata que, de fato, responde pela sua capacidade de aglomerar tão grande público: “Nós não queremos o socialismo para o nosso Brasil. Nós não podemos admitir o comunismo em nosso meio. Nós não queremos ideologia de gênero para os nossos filhos. Nós queremos respeito à propriedade privada. Nós queremos o direito à defesa à própria vida. Nós queremos o respeito à vida desde a sua concepção. Nós não queremos a liberação das drogas em nosso país.”

Eu e provavelmente mais da metade dos brasileiros concordamos com esse parágrafo. O que não concordamos é que o sujeito, por defender isso, não seja responsabilizado pelos desvios cometidos em outros aspectos fundamentais da ética, da moralidade, da civilidade. O problema é que o sentimento conservador do brasileiro comum foi manipulado, instrumentalizado por políticos desqualificados, ineptos e desonestos.

É uma cena burlesca ver os autoproclamados patriotas antipetistas aplaudirem com entusiasmo o discurso do presidente do PL, Valdemar da Costa, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, ocorrido no governo Lula.

Ainda mais constrangedor e decepcionante é ver um dos ícones da operação Lava-Jato, o ex-deputado Deltan Dallagnol, junto a outros expoentes do partido Novo, participar da manifestação bolsonarista, sob a justificativa de união da direita contra os abusos do STF.

Ora, todos sabem que a CPI da Lava-Toga, protocolada pelo senador Alessandro Vieira, em 2019, com o objetivo de investigar o judiciário, foi inviabilizada pelo bolsonarismo para livrar a pele de Flávio Bolsonaro das investigações do caso das rachadinhas. A foto do caloroso abraço de Bolsonaro aos ser recebido pelo ministro Dias Toffoli em sua casa, em 2020, diz tanto do Brasil quanto a foto da multidão bolsonarista na Paulista.

Lava-Jato e falta de coerência moral

Sérgio Moro, ao decidir apoiar Bolsonaro no segundo turno, após ter denunciado a intenção do ex-presidente de interferir na Polícia Federal e após ter feito uma espécie de pré-campanha para presidente na qual expôs em livro e em discursos o mal que Bolsonaro tinha feito ao combate à corrupção, acabou com a esperança política daqueles que acreditaram e defenderam a Lava Jato por princípio e por anelo de justiça e não por mero oportunismo.

Da mesma forma, Deltan Dallagnol, aderindo ao bolsonarismo, de certa forma despreza a parcela da direita antibolsonarista que viu nele alguém firme e inabalável no combate à corrupção. 

Conforme escreveu Felipe Moura Brasil no artigo O Novo parasita o bolsonarismo, os valores e princípios inegociáveis do combate à corrupção foram sabotados por Bolsonaro e colar na direita bolsonarista não é o melhor exemplo de coerência moral.

Eis a fraqueza do político brasileiro e do brasileiro comum: a falta de coerência moral. Não é porque o STF está cometendo abusos – de fato, está – que precisamos desconsiderar os crimes cometidos por aqueles que são alvos da investigação. E entre os crimes está a tentativa de golpe, infelizmente minimizada pela direita, que compromete assim o seu papel de firme, porém democrática oposição.

Duas pontas que se retroalimentam 

Em seu discurso, Bolsonaro também pediu uma anistia para “os pobres coitados que estão presos em Brasília”. Sim, eles merecem anistia. Foram massa de manobra de gente mais graúda. Eles estão presos na Papuda e o Brasil está preso a dois populistas grotescos e rasteiros que se retroalimentam, como escreveu a ex-deputada Janaina Paschoal, em postagem no seu perfil X, em momento de singular lucidez:

“Respeitando opiniões divergentes, eu vejo, com clareza, um novo teatro das tesouras. Duas pontas que se retroalimentam e, guardadas as particularidades, funcionam de forma muito parecida. Ambas têm seus fiéis, que veem crimes na outra ponta, ambas têm seus atos de dramatização e ‘despedida’. Uma ponta brinca de fazer calar a outra. Antes, eu tinha pena do povo, que acredita nesse teatro. Hoje, vejo que o povo gosta e também se alimenta disso. Pobre daquele que pensa que essa representação os aniquila mutuamente. Esse teatro os mantém vivos e eles sabem disso!”

A manifestação na Avenida Paulista foi exitosa. Deixou clara a tragédia política brasileira: só Lula e Bolsonaro conseguem mobilizar as massas e encher as ruas; e as aberrações de um fazem as aberrações do outro parecerem menores. A força de Lula e Bolsonaro é a fraqueza da democracia do Brasil.

REUTERS/Ueslei Marcelino

A Escalada de Antissemitismo no Governo Lula

Há tempos as altas esferas do poder brasileiro, especialmente o STF e o Executivo, tentam nos convencer acerca da necessidade premente de se combater o discurso de ódio por meio da regulação das redes.

Na pomposa cerimônia “democracia inabalada”, que recordou os eventos de 8 de janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Lula deram especial destaque para o tema em suas falas. Para Moraes, as redes sociais viraram “um campo fértil de extremismo”; para Lula, “nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais.

Para quem não está alienado em relação aos últimos acontecimentos, está claro que o tipo de discurso de ódio que mais tem crescido no mundo é aquele dirigido contra os judeus. Não apenas o discurso, mas também os atos que lhe acompanham. Na França, por exemplo, segundo números divulgados, no fim de janeiro de 2024, pelo Ministério do Interior e pelo Serviço de Proteção à Comunidade Judaica (SPCJ), houve, em 2023, um aumento de 1000% de atos antissemitas na França.

Mas esse não é um problema apenas da Europa. Nosso país, reconhecidamente hospitaleiro, generoso e tolerante com todas as raças e credos tem sido contaminado, desde o início da guerra de Israel contra o Hamas, pela onda de antissemitismo que infelizmente se alastra, mais uma vez, pelo mundo.

Esse ódio nefasto, como é fácil constatar, está, nos dias atuais, amplamente disseminado entre os militantes e ideólogos da extrema esquerda, aspecto que tivemos a oportunidade de abordar em ensaio, publicado na revista Crusoé, intitulado Islamo-esquerdismo: a nova face do ódio aos judeus.

Esse ranço ideológico da esquerda radical explica o apoio dado pelo Brasil à absurda acusação da África do Sul contra Israel, no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, mas explica também a vista grossa das autoridades quanto à proliferação das mensagens antissemitas na internet.

O caso Breno Altman X Conib

O ministro Alexandre de Moraes, tão compenetrado no dever de sanear as redes, derrubando contas, para nos proteger do extremismo, sequer esboçou qualquer atitude contra as inúmeras postagens cujo teor é o extremismo que teve como consequência, no século passado, a cruel eliminação de 6 milhões de judeus.

Se o STF fez vista grossa à explosão de antissemitismo nas redes, o PT e o Governo Lula, por sua vez, foram mais atuantes: endossaram a militância antissemita do lulista Breno Altman que, entre os muitos despautérios disseminados em seu perfil no X para milhões de seguidores, comparou judeus a ratos (“Podemos não gostar do Hamas, mas […] nesse momento não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos”), exaltou o terrorismo (“Toda solidariedade ao Hamas!), além de outras bizarrices cruéis como comemorar a entrada do Hezbolah na guerra com o consequente aumento de “perdas sionistas”, defender “uma escalada militar que envolva Hezbolah, Síria e Irã, com aval de Rússia e China” contra Israel e incentivar o boicote de estabelecimentos judeus (“José Genuíno está coberto de razão. O Estado colonial e racista de Israel deve ser submetido a boicote. […] Empresas apoiadoras […] incluindo as brasileiras, devem receber a mesma punição.”)

Como as autoridades públicas – tão atuantes na hora de censurar os que supostamente pregaram ódio contra as instituições brasileiras e seus representantes – se omitiram diante dos disparates antissemitas de Altman, coube à comunidade judaica tomar as providências cabíveis em defesa do seu povo. Assim sendo, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) acionou a justiça na tentativa de conter o antissemitismo desenfreado do militante.

Quando um juiz do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo determinou a exclusão de 11 postagens racistas de Altman, a presidente do PT, Gleisi Hoffman correu em seu socorro, defendendo-o publicamente. 

Como se isso não bastasse, Altman recebeu apoio mais recente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que publicou nada menos do que uma nota de repúdio à Confederação Israelita do Brasil (Conib), o que equivale claramente a uma defesa do antissemitismo desenfreado nas redes.

A acintosa e cínica nota desse órgão subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reflete toda a vileza do aparelhamento do Estado brasileiro por ideólogos imorais e insensatos. 

A nota repete os piores chavões em torno da guerra de Israel contra o Hamas. Aliás, a nota sequer faz referência a esse grupo terrorista que Israel combate, dando a entender que se trata de uma guerra de Israel contra os palestinos, o que é uma distorção deliberada.

A outra calhordice da nota consiste em tratar Breno Altman como um jornalista injustamente censurado e não como o que de fato é: um militante extremista, radical e antissemita chamado a responder juridicamente pelas consequências do uso indevido da sua liberdade de expressão.

E a islamofobia?

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, está de acordo com a militância do órgão subordinado à sua pasta? Qual foi a atitude dele após a repercussão do caso de antissemitismo em Arraial D´Ajuda, na Bahia, quando uma mulher enfurecida invadiu e depredou a loja de Herta Breslauer, agredindo-a verbal e fisicamente pelo simples fato de ela ser judia? O ministro fez uma nota ideologicamente servil, intitulada “repúdio ao antissemitismo e à islamofobia.”

O que justifica a inserção do termo islamofobia em uma nota de repúdio a um ato de antissemitismo quando nenhum ato ou discurso de preconceito contra muçulmanos se relaciona com o ocorrido? Nada justifica. 

Começar uma nota que deveria repudiar um ato antissemita com a frase “a absoluta e necessária condenação do massacre contra o povo palestino na faixa de Gaza, perpetrado pelo governo de Israel” é simplesmente averbação de pedágio ideológico, lassidão moral e má-fé.