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Lula e o “fogo” de Adolf Hitler e Vladimir Putin

O presidente brasileiro Lula da Silva viajou para Moscou com o objetivo de adular o ditador russo Vladimir Putin; a implicação lateral maior de tal adulação consistirá no reforço de propaganda para a criminosa guerra de invasão que a tirania russa promove contra a Ucrânia há mais de três anos.

Aproveitando-se de uma importante data histórica – Dia da Vitória / 80 º Ano da vitória da União Soviética sobre o nazismo na segunda guerra mundial – Putin convidou o presidente brasileiro e dirigentes de outros países para um teatro; uma encenação que visa colocar sob luz favorável suas pretensões pan-eslavistas.

As comemorações anuais do Dia da Vitória, em Moscou, têm ganhado proporções cada vez maiores desde que teve início a guerra na Ucrânia.

No momento em que estudantes se vestem como soldados, entoam canções patrióticas e lojas são decoradas em toda a cidade com a icônica imagem da “Mãe Pátria” com uma espada na mão chamando seus filhos para lutar contra o inimigo, Putin declara que a atual “operação militar especial” – que nada mais é que a invasão de um país democrático e soberano – é uma continuação da luta vitoriosa contra o nazismo.

Não é só contra a Ucrânia que a Rússia se vale do espantalho nazista. Na propaganda do Kremlin, o próprio serviço secreto russo elaborou um panfleto no qual utiliza o termo “eurofascismo”, referindo-se a todos os países europeus que manifestam apoio ao suposto “regime nazista” ucraniano.

Isolado do que se convencionou chamar “mundo livre” – países que, a despeito de suas mazelas e imperfeições regem a si mesmos por leis norteadas por princípios de justiça e igualdade, respeito à liberdade em todas as suas expressões, direitos humanos e separação de poderes – Putin tenta agregar em torno de si os líderes que estão se lixando para tais princípios.

Sob o pretexto mentiroso e absurdo de “desnazificar” a Ucrânia, Putin tem levado morte e destruição a esse país que ainda resiste heroicamente, apesar de toda a covardia dos que o atacam e dos que se acumpliciam com Putin – ele sim o Hitler do século XXI.

Putin – o Hitler do século XXI

A Segunda Guerra Mundial teve início como reação de nações democráticas a uma guerra de invasão promovida pela Alemanha nazista contra o Leste Europeu que começou pela Polônia. Ora, invadir o Leste Europeu é hoje a clara intenção de Putin, que pretende usar a Ucrânia como porta de entrada.

A específica guerra da Rússia (então União Soviética/URSS) contra as forças do Eixo ocorreu devido à invasão de tropas da Alemanha, que, rompendo com o Pacto Nazi-Soviético (também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop), vigente desde agosto de 1939, deu início à Operação Barbarossa, em junho de 1941, avançando sobre vasta extensão do território soviético.

Que o tirano Putin use a celebração de uma vitória sobre invasores para fortalecer a narrativa/justificativa da sua própria guerra de invasão é algo sórdido; mas compreensível, porque os tiranos sempre são sórdidos.

Agora, que o presidente de um país democrático (ainda que de uma democracia cada vez mais capenga) se preste a convalidar tamanha sordidez é uma baixeza difícil de entender. Neste teatro de Putin o ator coadjuvante Lula faz um papel feio.

O que Lula admira em um homem?

Os militantes da mídia chapa-branca estão redobrando esforços para criar justificativas para o gesto adulatório de Lula, mas nenhuma delas se sustenta. 

Não há nenhuma ganho pragmático com isso e, do ponto de vista diplomático, a visita a um país responsável por uma guerra de invasão ainda em curso é inoportuna, inconveniente e imoral.

Assim sendo, parece-me que a explicação para a visita de Lula ao companheiro Putin é mais psicológica do que política.

Uma pista para entender as suas motivações está na famosa entrevista concedida à Playboy, edição nº 48, em julho de 1979.

Durante a conversa, ao ser questionado sobre figuras que o inspiravam, Lula mencionou diversos nomes, incluindo Adolf Hitler. Segue a transcrição do trecho:

Playboy: Alguém mais que você admira?

Lula: [Pausa, olhando as paredes] O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.

Playboy: Diga mais…

Lula: Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.

Playboy: Quer dizer que você admira o Adolfo?

Lula: [Enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as ideias dele, a ideologia dele.

Qualquer bom conhecedor da natureza humana capaz de entender as entrelinhas de uma fala comprometedora, perceberá o quanto essa entrevista traz da face real de Lula, que se remexe inquieta em carantonhas por trás da máscara de democrata que vive caindo da sua cara.

Antes de mais nada, ele admira tiranos. Independentemente de ideologias, o que o encanta é a personalidade psicopática e megalomaníaca.

O que ele admira é a “disposição, a força, a dedicação”, pouco importando o fato de que tais atributos tenham sido usados para exterminar 6 milhões de judeus. Esse ponto é de somenos importância para Lula; é um mero detalhe.

Quem negará que exista também em Vladimir Putin esse “fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer” que Lula tanto admira?

Que o saldo desse “fogo” seja cerca de 43.000 soldados ucranianos mortos, 370.000 soldados ucranianos feridos, 12.500 civis ucranianos mortos e 28.400 ucranianos feridos é um detalhe sem importância.

Que o resultado da “disposição, força e dedicação” de Putin para fazer renascer um império seja 20.000 crianças ucranianas deportadas à força para a Rússia ou para territórios ocupados por forças russas também não é o que importa para Lula e para Janja, a mais nova influencer do Kremlin.

Um jantar para tiranos

Segundo o monitoramento de Direitos Humanos da ONU, os russos mataram 209 ucranianos e feriram 1.146 civis apenas no mês passado. Dezenove crianças morreram e 78 crianças ficaram feridas nos ataques aéreos russos desses últimos dias. Enquanto isso, Lula é recebido por Putin em um pomposo jantar, em Moscou.

Por algum motivo, lembrei-me do ditado alemão sobre responsabilidade e conivência com o extremismo, que costuma ser formulada da seguinte maneira:

“Se há dez pessoas numa mesa, um nazista se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze nazistas”.

Vou reformular o ditado pra ilustrar o contexto deste artigo: “se há dez ditadores numa mesa, um suposto democrata se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem 11 ditadores”.

Lula está sentado à mesa do anfitrião, Putin com o ditador da China, Xi Jinping, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, o ditador de Belarus, Alexander Lukashenko, o ditador cubano Miguel Diaz-Canel e ditadores de mais algumas dezenas de nações não democráticas como Azerbaijão, Bósnia, Burkina Fasso, Congo, etc.

Seria o presidente brasileiro um mero observador democrático infiltrado? Ou é mais sensato admitir que Lula está confabulando entre os seus?

“Adolescência”, uma tragédia contemporânea

Adolescência, a minissérie de quatro episódios, da Netflix, está fazendo sucesso. O motivo da grande repercussão pode ser o fato de que a produção toca em várias feridas abertas do mundo contemporâneo, vários pontos delicados, várias fissuras no tecido social com as quais aparentemente não estamos sabendo ainda como lidar.

Como, hoje em dia, quase nada passa incólume pelo estúpido processador dos cérebros ideológicos e militantes que costumam deturpar qualquer obra até transformá-las em teses favoráveis a seus limitados pontos de vistas, com Adolescência não foi diferente.

Inicialmente percebi, nas redes, o movimento de rejeição da série dentro da bolha da direita mais reacionária.

Nesse caso, a tentativa de cancelamento vinha acompanhada de pouca argumentação e uma fake news: a mesma Netflix, que costuma mudar a cor da pele de personagens icônicos, como fez com a branca de neve, por exemplo, teria retratado, dessa vez, o criminoso real negro (Hassan Sentamu, de 17 anos, que esfaqueou Elianne Andam, de quinze anos) como um menino branco de classe média e conservador.

Essa tentativa de desqualificar a série foi compartilhada por inúmeros perfis de direita, em vários países, inclusive no Brasil. A série, porém, não é um documentário sobre nenhum caso real específico, mas uma ficção que obviamente se inspira nos inúmeros casos reais de crimes violentos envolvendo adolescentes que aconteceram nos últimos anos no Reino Unido e no resto do mundo.

No outro extremo, temos a militância progressista, explorando exaustivamente a série como se se tratasse ali apenas da corroboração da ideia de uma “masculinidade tóxica”: o menino que esfaqueou a menina não é “mau”, é o resultado da sociedade estruturalmente machista, do pai bruto, brutalmente educado e da permissividade das redes sociais.

A série, porém, é maior do que o debate ideológico que se criou em torno dela. Li e assisti algumas das várias análises disponíveis por aí. Eis uma interpretação com a qual concordo: a série Adolescência, da Netflix, é uma tragédia contemporânea.

A tragédia, gênero literário clássico, que surgiu na Grécia, era profundamente marcada pela fatalidade, pelo confronto entre a vontade dos homens e a vontade dos deuses; esses últimos simbolizavam as forças desconhecidas, que estavam acima da compreensão humana, que não se deixavam racionalizar. Os conflitos entre razão e paixão, ética e desejo eram expostos em toda a sua crueza, induzindo à catarse do público, mas os dilemas morais apresentados não apresentavam uma solução clara.

Assim me parece que o enredo de Adolescência é trabalhado. Ou, pelo menos, foi assim que ele ressoou em mim. Um menino de 13 anos, Jamie, esfaqueou e matou uma sua colega de mesma idade. Durante todo o filme, nós, os espectadores, tentamos digerir, acomodar internamente esse fato.

Assim como Eddie, o pai do menino, passamos o começo do filme negando a realidade, acreditando nas palavras do garoto: “eu não fiz nada errado. Eu sou inocente”. Diante das provas cabais, passamos, então, a esperar uma explicação razoável, algo que justifique o ocorrido.

Muitos contextos são levantados: o bullying sofrido, a radicalização online, o ambiente escolar caótico e desrespeitoso, o machismo, o universo dos incels, a falta de vigilância, a agressividade latente do pai…todos esses contextos têm algum potencial explicativo, mas a conta não fecha. Parece faltar alguma peça nessa quebra-cabeça. De quem é afinal a culpa? Eis a questão.

Todos têm um pouco de culpa. A culpa é de todos. E se é de todos, não é de ninguém. Isso gera no espectador um profundo mal-estar. E por falar em mal-estar…Freud continua, em muitos aspectos, incontornável.

A civilização é um verniz, uma superfície. Nas suas entranhas, no psiquismo dos indivíduos que formam a coletividade, estão reprimidos instintos sexuais e agressivos profundos. Em “O mal-estar da civilização”, Freud trabalha o conceito de Thanatos, a pulsão de morte, o impulso destrutivo presente no ser humano.

A série deixa transparecer, principalmente na caracterização do ambiente escolar, uma sociedade fragilizada e neurótica. Jovens entrando em contato com seu universo interior em erupção sem encontrar nos adultos modelos, freios, valores claros, diretrizes morais firmes.

Mas esse caos é menos uma descrição do que vivenciamos do que a explicação que buscamos. Um jovem de treze anos, inteligente, de classe média e família normal esfaqueia a sua colega. Esperamos entender o porquê. Mas o mal é absurdo e o absurdo não tem explicação.

O primeiro passo para combater o mal é admitir que ele existe. Santo Agostinho negou a existência ontológica do mal, mas admitiu a existência do mal moral ou pecado. Ele é resultado da má escolha da vontade humana; é a privação do bem causada pelo uso incorreto da vontade pelo ser humano.

Todos nós somos livres, imperfeitos e por isso vulneráveis ao mal. Os adolescentes são mais vulneráveis ainda. Eles precisam de nós para lhes apontar o certo e o errado, o bem e o mal, para ajudá-los a solidificar valores, lidar com frustrações, entender o mundo, moldar seu caráter, formarem-se a si mesmos.

Entendo a importância de se discutir, a partir da série, o problema da misoginia, do bullying, das redes sociais, da radicalização, do hiato que existe entre essa geração totalmente digital e nós que nos formamos em um mundo ainda analógico. 

O problema é que, no fundo, ninguém sabe muito bem como fazer isso e, normalmente, os especialistas que oferecem alguma panaceia para tantos problemas contemporâneos não são as pessoas mais confiáveis.

Não sei se há mérito ou demérito nisso, mas eu costumo optar por expor minha incipiência e limitação quando estou diante de algo que não consigo abarcar. Como mãe de adolescente, sinto-me, muitas vezes, perplexa e insegura diante da responsabilidade que essa função requer.

Abraço o meu filho muitas vezes, oriento, cuido, educo, brigo, beijo, vigio, alerto, mas sei que há muitas coisas que fogem ao meu controle. Preciso confiar nele, na sua força interior, na luz que ele traz em si e na luz que ele recebe do alto.

Apesar de todos os cuidados no ambiente doméstico, o futuro se abre diante de nós como um misto de ameaça e esperança. 

Somos constantemente tensionados pela expectativa em torno da felicidade de nossos filhos. Esses filhos, porém, são indivíduos. Maduros ou não, estão no mundo. Caberá a eles trabalharem em si suas potencialidades e suas limitações.

O aspecto social reflete os indivíduos que somos e somos o que fazemos de nós mesmos. Nossos pais fizeram o possível; nós também estamos fazendo o nosso melhor. Será suficiente? Não sabemos.

Estamos todos como Eddie, o pai de Jamie, na cena final da série: desesperadamente agarrados aos ursinhos dos nossos filhos adolescentes, tentando reter um pouco mais a infância, a ingenuidade, a inocência, a pureza que se esvai. 

Apertamos o ursinho contra o peito, querendo proteger com nosso corpo, com nossa própria vida aquele que agora precisaremos proteger à distância.

Para além da nossa presença física, a nossa proteção se dará doravante como eco das nossas palavras corretas em suas consciências, em um momento de dilema ético; como lembrança das nossas demonstrações inequívocas de afeto, em um momento de aguda angústia moral.

Eles sabem das nossas fragilidades e das nossas limitações. Eles perdoarão os nossos deslizes e nós deveríamos nos perdoar também. O nosso amor os acompanhará para sempre. Essa é a única proteção possível que estará sempre ao nosso alcance.

Escândalo do INSS e aposentadoria compulsória de Lula

Sobre esse novo escândalo de corrupção federal, dessa vez no âmbito do INSS, uma das manchetes que corre na cobertura televisiva é esta: “Tirando de quem mais precisa”.

A eficácia antigovernamental dessa manchete vem, claro, do fato muito conhecido de que em todos os governos petistas uma das retóricas mais usadas é que tais governos trazem benefícios, especialmente, “para os que mais precisam”.

O escândalo do roubo de aposentados e pensionistas escancara a hipocrisia petista. Roubar velhinhos é o fim da picada.

O marqueteiro Sidônio Palmeira não conseguiu ainda engendrar uma narrativa verossímil capaz de limpar a barra do governo.

A forma como o governo Lula busca se afastar do escândalo é frágil. De modo geral, apresenta-se, com apoio da mídia chapa branca, como agente desarticulador de um esquema de corrupção que teria começado no governo Bolsonaro.

Ocorre que a averiguação dos anos em que foram celebrados os convênios fraudulentos com INSS mostra que alguns são de antes do governo Bolsonaro e outros realizados já neste atual governo.

Além disso, do montante de pouco mais de RS$ 6 bilhões subtraídos dos aposentados e pensionistas, nada menos que 63,75% se deram entre 2023 e 2024; ou seja, na alvorada do governo Lula.

Durante mais de dois anos do governo Lula, os aposentados e pensionistas continuaram a ser roubados descaradamente por associações de classe conveniadas com o INSS com o alegado propósito de lhes prestar serviços.

Dentre os sindicatos e associações envolvidas no escândalo, contam-se velhas aliadas do lulopetismo; uma delas dirigida por Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Lula mandou demitir o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, mas não teve coragem de demitir o titular do Ministério da Previdência Social, órgão ao qual o INSS está subordinado.

Esse poderoso ministro é Carlos Lupi (PDT), que, em entrevista ao lado do ministro da Justiça Lewandowski, assumiu total responsabilidade pela nomeação de Stefanutto, a quem elogiou como sendo pessoa “exemplar”.

Tem muita gente exigindo a cabeça de Lupi, inclusive alguns lulistas tarimbados. Diante da dimensão do escândalo, sua permanência seria uma desmoralização para o governo Lula.

Ocorre que, para um governo que conseguiu se eleger mesmo depois de ter protagonizado o escândalo de corrupção da Petrobrás, aparentar moralidade pública pode ser menos importante do que manter alianças partidárias.

Até o momento em que escrevo, Lupi declara que fica, e Lula não declara nada.

Luiz Inácio Lula da Silva é um político resiliente; porém, tudo tem limite e tudo chega ao fim, inclusive a passividade dos brasileiros diante de tais descalabros.

Lula chegou ao seu outono; na idade e na política. É imprescindível que o Brasil prepare sua aposentadoria política compulsória para 2026.

Sua aposentadoria, claro, não vai ser como a de milhões de brasileiros: um salário mínimo com desconto de algumas dezenas de reais surrupiados por convênios de fachada. Será algo mais nababesco.

Que volte, pois, para casa com sua Janja, usufruindo do que milhares de outros idosos não têm condições de usufruir, mas que liberte a vida política brasileira da sua danosa presença.

Lulo-madurismo ou bolso-trumpismo: a encruzilhada do atraso

A polarização entre lulismo e bolsonarismo é uma praga que há tempos vem corroendo a política e apodrecendo o cérebro da sociedade brasileira, reduzindo o debate político-eleitoral ao nível fanatizado da lacração e do insulto.

É lugar comum da análise das ideologias a consideração de que a esquerda e a direita se unem em seus extremos. 

No caso em tela, temos que o extremo-esquerdismo lulopetista se une ao extremo-direitismo bolsonarista por modos que vão além da indigência do discurso; um desses modos é a adoção de ídolos.

No caso do lulopetismo a idolatria ideológica é vasta, destacando-se, porém, a paixão de que foi objeto o ditador cubano Fidel Castro. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no ditador venezuelano Nicolás Maduro.

No caso do bolsonarismo, a idolatria ideológica resgatou durante algum tempo a figura de Brilhante Ustra, comandante do (DOI-CODI) e um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar brasileira. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no presidente norte-americano, Donald Trump.

Historicamente, obsessões ideológicas costumam desnortear os políticos e levá-los a decisões desastrosas. 

Considerando-se o tenso contexto da atual geopolítica, deixar o Brasil a mercê das idiossincrasias ideológicas do lulopetismo ou do bolsonarismo pode levar a desastres maiores do que aqueles que já foram por eles produzidos.

Lula, Maduro e o “exército de Stédile”

Após a escandalosa fraude na última eleição presidencial da Venezuela, Lula tinha controlado um pouco sua incontinência adulatória em relação ao ditador Maduro, mas terminou sendo arrastado pela incontrolável paixão do extremo petismo e está recompondo a velha amizade; isto no quadro nebuloso de uma composição fundiária e militar.

Paralelamente a um acordo de cooperação técnica em agricultura celebrado por Maduro e Lula, o ditador venezuelano cedeu 180 mil hectares de terra para ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o conhecido movimento invasor de terras liderado por João Pedro Stédile.

Que uma composição com o MST seja também militar é algo que emerge da própria fala do presidente Lula que, em 2015, no contexto de forte pressão política após denúncias, pela operação Lava Jato, do esquema de corrupção petista, exclamou, durante discurso: “também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o Exército dele nas ruas”.

No artigo “MST é a tropa de choque de Maduro”, Duda Teixeira denuncia, com razão, a doação de terras de Maduro para o MST como uma “caso clássico de ingerência externa, em que um ditador estrangeiro financia um grupo armado que gera instabilidade no Brasil, violando as leis brasileiras”.

O jornalista também nos lembra, em seu artigo, as vezes em que o MST já atuou como a tropa de choque de Maduro além das suas fronteiras, a exemplo do que ocorreu em 2019, quando o movimento ocupou a embaixada da Venezuela em Brasília para expulsar diplomatas do presidente interino Juan Guaidó.

Nesse contexto, deve-se atentar ainda para o – temporariamente suspenso – projeto de Maduro de invadir a Guiana. 

Estando agora parte do MST em terras cedidas pelo governo da Venezuela, se o ditador Maduro decidir fazer avançar o plano postergado, poderá certamente contar, mais uma vez, com o leal “exército de Stédile.”

I love you, Trump”

Consta no anedotário político brasileiro que, por ocasião da Assembleia Geral da ONU, em 2019, diplomatas presentes na sala que abrigava presidentes antes e depois dos discursos, presenciaram o momento em que o então presidente Jair Bolsonaro disparou para Donald Trump um “I love you” e recebeu um “nice to see you again”.

De lá pra cá a paixão só aumentou. A paixão, porém, quando invade a cena política, pode colocar os atores e a plateia em risco.

Desde o início do seu novo mandato na Casa Branca o objeto da paixão do ex-presidente brasileiro tem governado com imprevisibilidade e desrespeito ao próprio legado histórico-político dos Estados Unidos. 

Sob Trump, o outrora farol do mundo livre, traiu os melhores ideais da América, entrincheirando-se em um nacionalismo-populista tosco e boçal, deixando atônitos seus antigos aliados europeus.

A direita brasileira sabuja mostra-se, porém, incapaz de fazer uma crítica a Trump, mesmo diante da sequência estonteante de ditos e feitos deploráveis do presidente americano.

Da direita brasileira não vem nenhuma crítica à infame postura pró-Rússia, nenhuma crítica à cruel política de deportação de imigrantes, nenhuma crítica à insana guerra comercial contra a Europa, nenhuma crítica aos arroubos expansionistas que ameaçam a Groenlândia, o Panamá e o Canadá.

A reação do bolsonarismo a qualquer medida do governo dos EUA será sempre acrítica. Quaisquer que sejam elas, serão recebidas com entusiasmo, louvor e integral apoio.

Já era assim antes, ainda mais agora que Eduardo Bolsonaro se licenciou do cargo de deputado federal no Brasil para permanecer nos EUA prestando serviço em tempo integral à família Trump na esperança de angariar apoio para livrar o seu pai da cadeia.

Encruzilhada do atraso

A polarização entre lulistas e bolsonaristas dará novamente o tom na disputa eleitoral de 2026?

O lulopetismo tem ao mesmo tempo vantagem e desvantagem por estar no poder. A desvantagem vem do desgaste de um governo ruim; a vantagem vem do fato de o presidente Lula já ter contratado um marqueteiro a preço de ministério e não estar economizando nos gastos de campanha.

O bolsonarismo tem a desvantagem de, não estando no poder, não poder usar a máquina pública a seu favor, como fez em 2022, quando perdeu por pouco. Mas tem a vantagem de que o ex-presidente Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE, não pode ser candidato.

Se pudesse ser candidato em 2026, Bolsonaro perderia por muito, mas um seu substituto (ou substituta) pode ter melhor sorte.

Azar mesmo é o da população brasileira se continuar paralisada nessa encruzilhada do atraso.

Imagem gerada por inteligência artificial.

O crime do batom no país dos manés

Aqui, no país dos manés, onde a população sofre padecendo grandes necessidades, emendas parlamentares bilionárias seguem rotineiramente por caminhos desconhecidos indo, em muitos casos, para o bolso de corruptos.

Aqui, no país dos manés, os juízes, que, a começar pela Suprema Corte, deveriam garantir a Constituição e distribuir justiça para todos, tratam de distribuir para eles mesmos benesses e penduricalhos que elevam seus ganhos para muito além do teto constitucional.

Aqui, no país dos manés, os partidos políticos, cuja missão deveria ser mobilizar a sociedade para lutar contra tais abusos, mobilizam-se apenas para garantir para si uma boa fatia dos bilionários fundos partidário e eleitoral.

Aqui, no país dos manés, o crime organizado controla e estabelece suas leis em cidades e regiões inteiras.

É diante desse quadro desolador que a esquerda grita a expressão “Sem Anistia!” como principal bandeira de redenção nacional, preferindo punir e vingar-se de supostos inimigos a ocupar-se das inúmeras mazelas que oprimem o povo.

Instigado e validado pelo clamor dessa militância cega e raivosa, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem exercido um rigor sem precedentes contra a “arraia miúda” que invadiu as sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Muitos foram presos preventivamente e presos continuam; uns tantos já foram condenados a cumprir penas de até 17 anos de prisão.

Corre agora no Supremo o julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que usou batom para escrever a frase “perdeu mané” na estátua A Justiça (que fica em frente ao STF). O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou por uma condenação a 14 anos de prisão.

Muito se tem falado e escrito sobre isto; e é preciso que se continue a falar e escrever para que tais abusos de julgamento não prevaleçam.

É preciso enfrentar o estardalhaço da campanha Sem Anistia e perseverar na cobrança de que os possíveis delitos dos baderneiros do 8 de janeiro sejam julgados de forma individualizada em vez de serem entendidos todos como “tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.”

O delito efetivo de Débora foi riscar uma estátua. Sua única “arma” era um batom. Por tal delito, uma daquelas penas alternativas de prestação de serviço público seria suficiente: um ano ajudando em serviços de limpeza estaria ótimo.

A pena de 14 anos para essa mãe de família, sem antecedentes criminais é um abuso, uma exorbitância, um descalabro jurídico, uma vingança política.

Quem reagiu politicamente a essa pena perversamente desproporcional foi o vigilante senador Alessandro Vieira, que apresentou um Projeto de Lei no sentido de corrigir distorções, não permitindo penas excessivas para quem cometeu atos “menos graves” durante as invasões do 8 de janeiro.

Do lado bolsonarista, porém, o que temos é a instrumentalização contínua do caso em favor do ex-presidente.

Misturam-se alhos com bugalhos como se Jair Bolsonaro e os que tramaram “virar a mesa” com ele estivessem na mesma condição de injustiçados quanto a cabeleireira com batom e outros presos pelo 8 de janeiro.

É preciso diferenciar entre massa de manobra e artífices reais da intentona bolsonarista. Punir devidamente os tubarões e soltar os peixes pequenos que foram arrastados a um ato impensado e irresponsável por quem efetivamente tramava um golpe.

Pena de 14 anos por pichar estátua é algo revoltante e comprova que Alexandre de Moraes tem se comportado mais como algoz do que como juiz.

Bolsonaro, porém, não é vítima. É preciso repudiar as penas excessivas sobre cidadãos comuns sem fazer o jogo vitimista e hipócrita daqueles que os colocaram nessa situação.

Censura à direita: a batalha política pela linguagem

Tão logo pensei na expressão “censura à direita” para servir de título a este artigo, dei-me conta da sua ambiguidade.

O duplo sentido decorre da estrutura sintática da frase. De fato, a preposição “a” na locução “à direita” pode indicar tanto a direita como sujeito agente da censura (apontando a censura promovida pela direita) quanto a direita como sujeito paciente da censura (apontando a censura promovida pela esquerda).

Sabendo que o leitor tenderá a interpretar a frase com base no seu conhecimento prévio, valores e expectativas, achei por bem manter a anfibologia do título como uma espécie de armadilha ou pegadinha com a qual espero ter fisgado leitores de ambos os espectros políticos.

De todo modo, acrescentei um subtítulo que dá ao leitor ansioso uma pista acerca do rumo que esse artigo tende a tomar: “a batalha política pela linguagem.”

Em artigo publicado no mês passado, intitulado “Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke” escrevi que a eleição de Donald Trump foi uma reação ao avanço da agenda delirante e intolerante da esquerda progressista, mas escrevi também que deveríamos estar atentos, pois o absurdo da cultura woke não deveria ser enfrentado por meios igualmente absurdos e autoritários.

Infelizmente, porém, as coisas estão tomando esse rumo e à “revolução do senso comum” tem faltado o mais elementar bom senso.

O governo Trump está eliminando, com sucesso, programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). O problema é que, para conseguir isso, ele está também cerceando, em certos aspectos, a liberdade de expressão e apagando um pouco da história.

O jornal New York Times compilou uma lista extensa de termos que estão sendo evitados ou proibidos pela gestão do atual presidente americano.

A lista inclui termos já esperados como “LGBTQ”, “não binário”, “identidade de gênero”, “multicultural” “sexualidade”, mas também “defensores”, “ativismo”, “opressão”, “nativo americano”“mulheres”, “injustiça”, “imigrantes”, “vítimas”, “deficiência”, “prostitutas”, “socioeconômico” e por aí vai.

As centenas de palavras sob bandeira vermelha estão sendo apagadas de sites públicos e currículos escolares.

Em alguns casos, gerentes de agências federais foram apenas orientados a ter cautela no uso dos termos, em outros casos, porém, as palavras foram proibidas.

A presença das “palavras erradas” também pode sinalizar automaticamente a necessidade de revisão de propostas de subsídios e contratos.

Essa política não se limita à linguagem em documentos textuais. De acordo com a matéria veiculada no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung (NZZ), o Pentágono está revisando seu acervo fotográfico para remover imagens que não se alinham com essa nova diretriz, tendo criado uma base de dados com milhares de fotos destinadas à remoção.

Entre as imagens em risco de remoção está a da aeronave “Enola Gay”, que lançou a primeira bomba atômica sobre Hiroshima em 1945, embora o nome da aeronave remeta não à condição homossexual, mas ao nome da mãe do piloto.

Fotos dos “Tuskegee Airmen”, primeiros pilotos afro-americanos da Segunda Guerra, reconhecidos como heróis por sua contribuição para o fim da segregação militar nos Estados Unidos, além de fotos das primeiras mulheres em papéis ativos nas Forças Armadas também correm risco de ser removidas.

Apesar de o presidente Trump e seu fiel conselheiro, Elon Musk, se apresentarem como arautos da liberdade de expressão e serem assim aclamados pela direita brasileira, a identificação e supressão de vocabulário específico pode implicar uma séria e perigosa restrição do debate em relação a tópicos considerados indesejados pelo governo.

A situação é um tanto complexa quando consideramos que o extenso e extravagante vocabulário woke disseminado por décadas representa, de fato, a tentativa de controle da narrativa por parte da esquerda progressista. Mas a forma como o combate ao wokismo está evoluindo na guerra cultural dos EUA aponta para um estreitamento do debate genuíno.

A linguagem, que deveria ser instrumento de reflexão e libertação, é manipulada ora por um lado, ora pelo outro, sob diferentes pretextos ideológicos. Seja na gestão Biden, seja na gestão Trump, o que se percebe é a tentativa reiterada de controle linguístico.

O que podemos tirar de lição é que tanto a esquerda quanto a direita batalham para encaminhar a sociedade a um mundo autoritário – quiçá totalitário – no qual não há verdade e a linguagem é apenas o reflexo do poder.

Foto: Sebastian Kahnert/AP.

Islamização e Putinização

As eleições federais antecipadas na Alemanha, realizadas em 23 de fevereiro de 2025, comprovaram a percepção de uma significativa mudança de rumo na política do país.

Apesar de ter sido o partido mais votado, a coligação conservadora União Democrata-Cristã (CDU/CSU), de Friedrich Merz, passou longe do seu melhor desempenho histórico ao ficar com 28% dos votos (208 cadeiras).

O Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler Olaf Scholz, caiu para a terceira posição, obtendo apenas 16,41 % dos votos (120 cadeiras).

Por outro lado, o partido de direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), alcançou um resultado inédito, posicionando-se como a segunda maior força política no Bundestag, com 20,8% dos votos (152 cadeiras).

Para analisar o contexto de crescimento desse partido convém responder a duas perguntas. 

Para além dos rótulos que lhe são comumente atribuídos, o que realmente a AfD tem de problemático? 

Qual é o problema social que a AfD confronta seriamente? Ou, dito numa linguagem cafona de marketing, qual é a dor dos alemães que a AfD propõe curar?

Uma reflexão equilibrada sobre esses dois pontos lançará luz não apenas sobre o contexto político alemão, mas também sobre o atual drama político da Europa e sobre a atual tensão política mundial.

A história da AfD 

O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) defende posições nacionalistas e revisionistas em relação à história alemã. 

Fundado em 2013 como um partido crítico à União Europeia, a AfD adota discursos que frequentemente se aproximam de ideias da extrema-direita histórica.

Apesar de não trazerem mensagens claramente nazistas — o que é proibido pela legislação alemã — seus integrantes costumam caminhar em uma zona perigosa.

É comum, por exemplo, que eles digam que os alemães não devem ficar se culpando pelos crimes do passado.

Foi seguindo nessa linha que Alexander Gauland, em 2017, afirmou que tinha orgulho pelo desempenho dos soldados alemãs nas duas guerras mundiais. 

Não é mais necessário nos repreender por esses doze anos (de regime nazista)“, disse Gauland. “Se os franceses, e com razão, têm orgulho de seus imperadores, e os britânicos, de Nelson e Churchill, então nós temos o direito de ter orgulho do desempenho de nossos soldados nas duas guerras mundiais.”

No mesmo ano, Bjorn Hocke criticou a existência do Memorial do Holocausto em Berlim.

Somos as únicas pessoas no mundo que colocaram um memorial da vergonha no coração de sua capital“, afirmou. 

A sigla rejeita políticas de inclusão e diversidade, argumentando contra direitos LGBTQ+ e políticas de igualdade racial. 

Discursos depreciativos contra minorias são comuns entre seus membros.

Todos esses pontos são relevantes e problemáticos, embora muitas vezes exagerados pela mídia.

Tendo em vista, porém, a complexa conjuntura geopolítica atual, o ponto mais problemático do partido parece-me ser a aberta simpatia que seus membros nutrem por Vladimir Putin.

AfD e Rússia

O programa da AfD traz como objetivo explícito estabelecer melhores relações com a Rússia.

A Guerra Fria acabou. Os EUA continuam sendo nossos parceiros. Deveria ser a Rússia. A AfD está, portanto, comprometida com o fim das sanções e com a melhoria das relações com a Rússia”, diz o documento.

A recente eleição alemã sofreu forte interferência externa, tanto americana — por intermédio de Elon Musk, que escreveu o polêmico artigo “Apenas a AfD pode salvar a Alemanha” e participou de uma live com Alice Weidel — quanto russa.

O filósofo, geopolítico e estrategista político russo conhecido por suas ideias ultranacionalistas e eurasianistas, Alexander Dugin, escreveu um panfleto em tom apocalíptico e delirante em apoio ao partido, que dizia:

O voto na AfD é a resposta ao ser ou não ser para a Alemanha. Sem a AfD, não haverá mais Alemanha. Se você, sendo alemão, vota em Merz, você vota na destruição nuclear acelerada da Alemanha, da Europa e talvez do mundo inteiro. Assuma a responsabilidade e esteja atento.

Se você gosta de Trump, Musk e Bannon, vote na AfD. Se você gosta de Putin (por que não?), vote na AfD. Se você gosta da Alemanha, vote na AfD. Se você gosta da Europa, vote na AfD. Se admira Meister Eckhart, Leibniz, Kant, Hegel, Husserl, Nietzsche, Heidegger, vote na AfD. Se você não gosta de nenhum deles, vote na AfD.

Vote na AfD se você é niilista, socialista, nacionalista, cristão, muçulmano, pagão, budista, agnóstico, ateu.

Vote na AfD e verá como a realidade pode ser maravilhosa. Alguns dizem que o Kali-Yuga acabou. Isso depende de nós. Vamos terminar. Agora. Ragnarök está marcado para amanhã.

Vote na AfD. Obrigado pelo lembrete: se você aprecia Bach, Mozart, Wagner, Mendelssohn e Tchaikovsky, ou Emerson, Lake e Palmer, vote na AfD.

Se você tem algum problema psicológico ou fisiológico, vote na AfD e encontrará alívio, mais do que isso, uma cura!

Pare de fingir, saia – AfD é você mesmo, seu inconsciente. Seja você mesmo; vote AfD!”

Sabemos o quão importante para o fim da Segunda Guerra Mundial foi o rompimento do pacto entre Hitler e Stálin. 

Agora, imaginem o cenário catastrófico se, daqui a quatro anos, uma Rússia fortalecida contar com o apoio de uma chanceler alemã para anexar a Ucrânia e seguir adiante, sob o olhar cúmplice dos Estados Unidos…

Tragicamente, esse é um cenário bastante provável.

Mas, uma vez elencados os pontos mais problemáticos da AfD e enfatizando a proximidade com a Rússia como o aspecto mais preocupante, devido ao contexto bélico atual, tentemos agora entender por que esse partido tornou-se a segunda maior força política na Alemanha, com grande potencial de crescimento para se tornar a força maior em 2029.

Imigrantes e refugiados

No livro The Strange Death of Europe: Immigration, Identity, Islam, David Murray, tenta explicar o processo que levou a Europa à beira do suicídio. 

Para tanto, o autor nos remete ao pós-guerra, quando o continente procurava restabelecer-se economicamente preenchendo a lacuna do mercado de trabalho.

Países como Alemanha, Holanda, Inglaterra e França promoveram a Europa enquanto destino de trabalho, recebendo milhares de migrantes. 

Mas o poder de atração da Europa, com o seu estado de bem-estar social, era muito grande e o que deveria ser uma política provisória de trabalho transformou-se numa crise migratória, um problema que foi negligenciado por décadas.

Em 2015, um incidente comovente teve o condão de abrir ainda mais as portas da Europa, dessa vez para um enorme contingente de refugiados: a morte de Aylan Kurdi.

A imagem do corpo do garotinho sírio de 3 anos, estendido em uma praia turca, percorreu o mundo, provavelmente sensibilizando também a chanceler alemã Angela Merkel que fez, então, um apelo à Europa para abrir as fronteiras.

Merkel é bastante criticada por pessoas do espectro político mais à direita por essa atitude, mas convenhamos que a líder de um partido norteado por princípios cristãos não poderia simplesmente fechar as fronteiras para os refugiados.

Uma coisa são os migrantes, outra coisa são os refugiados. 

Todo refugiado é um migrante, mas nem todo migrante é um refugiado. 

Enquanto o imigrante se desloca por vontade própria, o refugiado foge para salvar sua vida ou assegurar sua liberdade.

Convém lembrar que o deslocamento de milhares de refugiados em 2015 foi causado principalmente pela guerra civil na Síria, que começou em 2011. 

O conflito envolveu o governo do ditador Bashar Assad (apoiado pela Rússia), grupos rebeldes e organizações terroristas como o Estado Islâmico (EI).

O direito internacional prevê, especialmente pela Convenção de 1951 sobre Refugiados, o acolhimento, a garantia de proteção e o impedimento de deportação para as pessoas em tal condição.

Como a Europa poderia fazer jus aos seus melhores valores cristãos negando-se a executar algo tão básico quanto a proteção à vida humana já respaldada pelo direito internacional?

Mas o fato é que a coisa desandou, saiu dos trilhos. 

Ao abrir as portas para mais de 1 milhão de “refugiados”, a Alemanha deixou entrar não apenas aqueles que careciam efetivamente de acolhimento humanitário, mas também aqueles que, disfarçados de refugiados, vieram com a intenção de perpetrar o terror no seio da Europa, em nome da jihad islâmica.

A chegada em massa de muçulmanos na Europa, aliada à permissividade com que os governos europeus os receberam, em nome de uma falácia chamada multiculturalismo, elevou o problema migratório a um ápice de tensão, que hoje já não é apenas uma crise política localizada, mas algo muito mais abrangente.

Multiculturalismo e islamismo

Embora tenha permitido o relaxamento das fronteiras, em 2015, devido à crise de refugiados na Síria, Angela Merkel também deveria ser lembrada pelo discurso feito em 16 de outubro de 2010, durante um encontro da União Democrata-Cristã (CDU) com jovens da ala conservadora do partido, em Potsdam.

Na ocasião, Merkel declarou: “O multiculturalismo falhou completamente” (“Der Ansatz für Multikulti ist absolut gescheitert“).

Ela se referia à falência da ideia de que diferentes culturas poderiam viver lado a lado sem a necessidade de integração

Merkel argumentou que os imigrantes na Alemanha deveriam se esforçar mais para se integrar, aprender o idioma e compartilhar os valores do país.

Esse não foi, porém, o rumo que as coisas tomaram. 

Estupidificados por doutrinas antiocidentais como o decolonialismo, jovens ocidentais de esquerda passaram a odiar cada vez mais seus próprios valores e sua própria cultura.

Interessados em capitalizar politicamente os votos dessa juventude meio perdida, políticos de esquerda cederam ao politicamente correto, ao progressismo, tornando intocáveis aqueles que eram acolhidos em suas próprias terras.

O principal contingente acolhido, sabemos, foram os muçulmanos. E todo o aparato do Estado de bem-estar social europeu passou a beneficiá-los e protegê-los sem exigir nada em troca, sem esperar a integração.

Muito à vontade, os muçulmanos passaram a construir mesquitas, radicalizar pessoas, dominar bairros, impor regras e, vez ou outra, esfaquear, aos gritos de Allahu Akbar, transeuntes distraídos, padres em celebração, meninas em festas, crianças em passeios escolares ou judeus visitando o Museu do Holocausto.

Ultimamente, passaram a achar mais prático acelerar veículos contra pessoas que se aglomeram nas ruas, em feiras de Natal ou Carnaval.

Os cidadãos alemães temem, e têm motivos de sobra para isso, que um cidadão recém-naturalizado irá esfaqueá-lo e matá-lo após ser radicalizado. 

Mas os políticos juram que o Islã é uma religião de paz e que encontrar um exemplar do Alcorão na mochila junto à faca que cortou uma garganta é só mera coincidência.

Aqueles que dizem o óbvio e que tentam alertar para a incompatibilidade do islamismo com as democracias ocidentais são rotulados de extremistas, de preconceituosos, de xenófobos e dessa palavra mágica tirada da cartola para criminalizá-los: islamofóbicos.

Alternativa para a Alemanha

É aí que entra a AfD. Qual é o seu ponto forte? 

O partido se opõe à imigração, especialmente de países muçulmanos, promovendo a ideia de que a cultura alemã está sob ameaça frente à cultura islâmica.

Os líderes do partido defendem medidas como o fechamento de fronteiras, de mesquitas e deportações em massa e, com isso, respondem a um premente anseio da população.

É verdade que populistas de direita têm lucrado com o tema da imigração. Mas isso ocorre porque, principalmente na Europa, a imigração muçulmana é efetivamente um grande problema.

Dificilmente passa-se uma semana sem relatos de ataques islâmicos. O jihadismo não pode mais ser ignorado na Alemanha, nem em lugar nenhum da Europa.

No fim de janeiro, em Aschaffenburg, Baviera, um afegão que foi obrigado a deixar o país atacou um menino de 2 anos com uma faca de cozinha. 

Morreu o menino e o transeunte que tentou salvá-lo.

Pouco tempo depois, em Munique, um requerente de asilo afegão acelerou seu carro contra uma manifestação organizada pelo sindicato Verdi, matando uma jovem mãe e sua filha de dois anos e ferindo gravemente pelo menos outras 37 pessoas.

A Europa está diante de duas ameças sérias: Vladimir Putin e o jihadismo islâmico. 

A direita reacionária fala grosso com os muçulmanos, mas fala muito fino com Putin.

Se os alemães de modo específico, e os europeus, de modo geral, quiserem continuar altivos na defesa da Ucrânia e de seus próprios valores de democracia e liberdade precisam reconhecer o perigo representado pelo islamismo e expressar isso claramente, a fim de que a direita populista nacionalista e identitária não seja a única voz a ecoar essa realidade.

Foto: REUTERS/Shannon Stapleton.

Trump traiu a Ucrânia de modo vil

Temos testemunhado ultimamente, em diferentes contextos, a deterioração de valores e princípios que outrora fundamentaram a ordem mundial liberal.

É lamentável que os Estados Unidos, nação mais representativa da sociedade aberta, estejam agora, sob o governo de Trump, contribuindo para o fortalecimento de um regime expansionista antiliberal e antiocidental.

A postura do atual presidente americano nas negociações para o fim da guerra na Ucrânia expressa desprezo pela soberania e descaso pela segurança futura desse país que tem lutado bravamente pela sua própria existência.

Trump deixou claro que, na sua visão, os dólares investidos na defesa do povo ucraniano seriam apenas um desperdício colossal. 

Como homem de negócios que é, vê apenas cifras que se vão, restando míope quanto às responsabilidades dos Estados Unidos em manter a segurança e a ordem internacional.

Ao decidir negociar o fim da guerra com os agressores russos, excluindo a Ucrânia de um processo que definirá o seu próprio destino, Trump mostrou de que lado está: o lado do invasor, o lado da iniquidade, o lado da injustiça.

Donald Trump não se importa com uma paz justa, ele quer apenas uma paz de conveniência. Para obter essa suposta “paz”, a Ucrânia deve ceder seus territórios invadidos, não deve insistir em fazer parte da Otan e deve retirar Zelensky do poder, ou seja, deve capitular, render-se, deixar-se subjugar pela grande mãe Rússia, cujo furor expansionista não parará por aí.

Não é à toa que analogias históricas vêm à mente. No acordo de Munique, assinado em setembro de 1938, a Alemanha foi autorizada a anexar os sudetos, região localizada na fronteira norte da antiga Tchecoslováquia.

Trump tem sido comparado nas redes sociais ao primeiro-ministro do Reino Unido, Neville Chamberlain, que se vangloriou desse acordo, retornando de Munique com a famosa declaração “peace for our time” (“paz para o nosso tempo”).

A analogia é válida e plena de lições: não há política de apaziguamento que dê certo quando se está lidando com personalidades bélicas e psicopatas como Adolf Hitler ou Vladimir Putin.

Li algures, mas já não me recordo onde, o seguinte comentário: não é a Europa que está defendendo a Ucrânia, é a Ucrânia que está defendendo a Europa. É isso mesmo. A brava resistência Ucraniana tem sido um escudo para os delírios expansionistas de Putin.

Mas Trump não dá a mínima para a segurança da Europa, nem se incomoda com delírios expansionistas alheios, desde que não interfira nos seus, pois também os tem, como se pôde constatar por suas bizarras ameaças em relação a Groenlândia e ao canal do Panamá.

O fato é que, em termos de visão de mundo, Trump é mais semelhante a Putin do que aos líderes europeus que, até então, os Estados Unidos tinham por aliados.

A visão política e (i)moral de ambos é que os “grandes players” devem dividir o poder e dominar os os menores, os quais devem se recolher à sua insignificância sem se arrogarem o direito de sequer participarem das discussões que lhes dizem respeito.

Em essência, a abordagem de Trump não só legitima os métodos autoritários de Putin, como também corrobora um sistema global baseado na subordinação dos mais vulneráveis.

A ordem espontânea, a sociedade aberta, a ordem liberal é uma ordem baseada no direito. A ordem almejada por Trump e Putin é a ordem ditada por quem tem poder. É ordem sem princípios éticos e sem senso de justiça. Logo, não é ordem, é caos.

A Estrela Decadente

Parece contraditório, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder pela quinta vez depois de atravessar um longo período de declínio. 

Seu candidato a presidente foi vitorioso na eleição de 2022, não pela força do partido, mas porque o desastre do governo anterior possibilitou a formação de uma ampla frente de oposição.

Certamente, mesmo em declínio, a força político-eleitoral do PT era ainda significativa; e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo desgastado, não encontrava na oposição nenhum nome que com ele ombreasse em popularidade para enfrentar o então presidente Jair Messias Bolsonaro.

O PT e o presidente Lula não souberam, porém – passados já dois anos, metade do mandato –, aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperarem a força, simbolismo e prestígio que tiveram na aurora do partido. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio. 

Todavia, se não é provável, também não é impossível que Lula seja reeleito em 2026; isto porque, se o governo Lula-PT é ruim, a oposição não deixa de ser também uma lástima. 

É tão desoladora a situação que, em lugar de um equilibrado centro-democrático, temos uma coisa chamada “centrão”, aglomerado fisiológico de parlamentares desvairados por dinheiro, o qual abocanham especialmente através de emendas secretas, semi secretas ou escandalosamente abertas.

A redemocratização

Há 45 anos – 1980 –, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma estrela fulgurante para a esquerda brasileira, com grande força de atração e equivalente força de propulsão. 

O ambiente era propício para o surgimento de um novo partido de esquerda. A ditadura militar, ainda vigente, estava moribunda. 

Na verdade, não existia mais ditadura: a ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ de 1979, promulgada pelo presidente General Figueiredo, tornara a redemocratização irreversível e as multidões ocupavam as ruas, sem enfrentar repressão, exigindo a realização de eleição para presidente da República, com a campanha das “Diretas já”

Se essa campanha não logrou vitória formal no Congresso Nacional, ao menos instituiu a democracia diretamente no espaço público: nas ruas, praças e botequins. Corria pelo Brasil uma verdadeira euforia democrática. 

Embora tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente (emenda Dante de Oliveira), o Congresso Nacional viu-se forçado a caminhar para a eleição de um presidente da República civil, tendo o Colégio Eleitoral elegido, em janeiro de 1985, Tancredo Neves (que morreu antes da data da posse, o que levou à posse do vice-presidente eleito, José Sarney.

Lula e o PT

Gestado nesse contexto de lutas contra a ditadura militar brasileira e clima de redemocratização, o PT teve como suporte principal uma forte base sindical montada a partir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, presidido pelo operário/torneiro mecânico (licenciado por acidente) Luiz Inácio da Silva (ainda sem o famoso apelido acrescido ao nome em cartório). 

A essa base vieram a se unir contingentes expressivos de diversos segmentos sociais contestatórios, com destaque para a esquerda remanescente das lutas estudantis de 1968 e guerrilheiros que sobreviveram aos “anos de chumbo”, assim como comunidades eclesiais de base da Igreja católica e o movimento estudantil, fortemente reativado por essa época.

Quando aconteceu a almejada eleição direta para presidente, em 1989, o PT já estava forte o suficiente para ir ao segundo turno. 

Leonel Brizola (PDT) era tido como favorito naquela eleição, mas cresciam o nome de Lula e de um jovem político de Alagoas, até pouco tempo nacionalmente desconhecido, chamado Fernando Collor de Mello.

Collor venceu, então, a primeira eleição presidencial pós-redemocratização, mas realizou um governo tão estúpido e desastroso que não demorou a ser afastado por impeachment. 

Como se sabe, a persistência petista levaria Lula a Presidência da República na eleição de 2002, quando derrotou José Serra (PSDB).

Petismo, lulismo e marxismo

Com a entrada trepidante de Lula no cenário nacional através da enorme repercussão das greves de fábricas no ABC paulista nos anos 1970, o fato de um operário ser alçado à condição de grande liderança fascinou a intelligentsia marxista brasileira. 

Ainda antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, um enxame desses intelectuais passou a cercar o futuro presidente do PT e doutriná-lo com o extrato do pensamento de Marx, Engels e Lênin. 

Pouco afeito à leitura, Luiz Inácio não teria como compreender muito bem a complicadíssima ciência do materialismo histórico e dialético, mas o componente do autoritarismo leninista (bolchevismo) foi bem assimilado. 

É certo que Lula desenvolveu forte simpatia, apego e estima por ditaduras de esquerda; como são os casos notórios da ditadura de Cuba (desde os tempos de Fidel Castro) e da ditadura da Venezuela (desde os tempos de Hugo Chaves), dentre outras. 

Lula não apenas nutriu simpatia por tais regimes, como também os financiou generosamente durante o exercício dos seus passados mandatos.

Fora essa paixão ideológica por ditaduras, Lula é tido e havido como um político pragmático, capaz mesmo de fazer alianças espúrias para se dar bem. 

O dono do PT

Nas pesquisas que andei fazendo para reconstituir o histórico do PT, conversei com alguns militantes dos primórdios do partido, que participaram ativamente da sua fundação em algumas cidades do Nordeste e que tiveram cargos de direção em alguns diretórios estaduais e municipais. 

Explicaram-me eles que, naqueles tempos, havia democracia interna; a democracia partidária era a tônica. 

Lula era, naturalmente, uma liderança respeitada, mas muito longe de ser o autocrata que, segundo alguns ex-petistas com quem conversei, passou a submeter o partido ao seu inteiro talante. 

Como se diz e é comum em outros partidos brasileiros: hoje o PT tem dono. 

Um dos motivos pelo qual o governo Lula vai mal é esse: ele não conta com um partido no qual possa pensar coletivamente, discutir, aprimorar projetos e ideias ou encontrar quem salutarmente o questione. A única instância de discussão de Lula parece ser ele mesmo; e agora Janja.

A corrupção petista

Nos primeiro e segundo mandatos de Lula, o governo petista atolou-se em corrupção. Nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo petista atolou-se mesmo na incompetência. 

O desastre do segundo mandato de Dilma levou ao seu impeachment. E é preciso frisar bem: foi um legítimo processo de impeachment que afastou a presidente Dilma, não foi um “golpe”, como apregoa a narrativa dos inconformados petistas; do mesmo modo que não foi golpe o impeachment de Collor de Mello.

A corrupção desencadeada nos primeiros governos de Lula geraram processos que o levaram à cadeia após julgamentos referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o mesmo Supremo que viria a libertá-lo, mudando suas interpretações e permitindo sua candidatura em nova eleição.

Sem entrar na análise dessas decisões erráticas do STF, fato é que somente um líder com grande carisma e popularidade poderia voltar ao poder, pelo voto, após tamanhos descaminhos.

Todavia, parece-me que Lula e seu partido vão chegando ao fim da linha. Lula, pelos descaminhos políticos e também pela idade. E o PT porque, ao deixar-se submeter à autocracia de Lula e insistir nas ideias autoritárias de uma esquerda que fede a mofo, tende a morrer com ele.

Lula e o Centrão

Lula, hoje, enquanto lida com o seu próprio partido com menosprezo e rigor de autocrata, submete-se, no Congresso Nacional, às artimanhas e chantagens do Centrão.

Os lulistas mais devotos tentam justificar essa pusilanimidade do presidente da República diante dos abusos da ala parlamentar fisiológica com a desculpa de que, sem isso, a governabilidade perece. 

Creio que o PT de outrora, de antes do primeiro mandato corrompido de Lula, teria ocupado as ruas para sustentar seu programa de esquerda, em vez de ceder às chantagens dos congressistas oportunistas de plantão. 

A velha esquerda e a nova esquerda

De um modo geral, a forma mais destacada da política brasileira, nos últimos anos, tem sido a lacração na internet. E esse é mais um motivo do declínio de Lula e do PT: ambos são analógicos. 

Na verdade, a esquerda brasileira é, em sua maioria, velha, analógica e melancólica. Penso que, nessa condição, estão alguns dos esquerdistas mais respeitáveis (nessa categoria de respeitáveis não incluo Lula, que é só velho e analógico; penso aqui em outras personalidades). 

Simpatizo um pouco com a velha esquerda romântica, desiludida e nostálgica, que lutou contra a ditadura, mas antipatizo profundamente com a nova esquerda que hoje faz barulho nas redes sociais. 

A nova esquerda é essa turma woke, identitária, extremista, fanática, meio demente, nutrida por uma estúpida ideologia anti-ocidental.

Enfim, entendo que o PT acabou e que o lulopetismo é uma política em fase de extinção. O que não me entristece. Entristece-me, porém, não ver algo de animador no horizonte. Até o momento, não consigo ver luz no fim do túnel; nem à esquerda, nem à direita. 

Trump, a revolução do senso comum e o fim da cultura woke

O wokismo como cultura dominante progressista chegou ao fim com a contrarrevolução de Trump, é o que escreve Benedict Neff, analista político suíço, em seu artigo no Neue Zürcher Zeitung (NZZ).

Ao analisar a chamada “revolução do senso comum”, proclamada pelo presidente americano em seu discurso inaugural, o jornalista explica: “o que ele quer dizer com isso é que existem apenas dois gêneros e que as pessoas devem falar como quiserem — “liberdade de expressão“. Parece simples. E é. O senso comum não é muito exigente.

Por uma feliz coincidência, acabo de ler um divertido e interessante texto “entrevista com o senso comum”, escrito por Luiz Felipe Pondé.

Ao ser questionado por Pondé sobre o que considerava mais importante na sua vida, o senso comum respondeu: “minha família, que meus filhos não usem drogas e Deus”. Eis a chave do imbróglio político da atualidade e o motor que impulsiona a tal polarização.

Se a esquerda raiz já atacava a família – Marx e Engels a veem apenas como uma instituição burguesa voltada para a manutenção da propriedade privada – e Deus – A religião é ópio do povo – a nova esquerda pós-moderna e pós-marxista, conceitualmente nutrida por Marcuse, Foucault, Judith Butler, etc escancara essa guerra contra os valores morais de maneira chocante para o senso comum.

Um ponto importante, abordado também por Pondé em artigo anterior ao supracitado, é que essa esquerda nutella woke pretende “criar um novo senso comum”, o que é obviamente absurdo uma vez que “o senso comum não é algo que a engenharia social, paradigma da esquerda, consegue fazer acontecer”.

Esse anseio paradoxal e impossível de criar um novo senso comum explica parcialmente o alto grau de autoritarismo da militância woke.

Aceitar que um indivíduo adulto opte por tomar hormônios e fazer uma cirurgia para mudar de sexo sem se intrometer na sua vida nem condená-lo por viver assim não é mais suficiente. Você deve acreditar que esse indivíduo realmente mudou de sexo; pensar o contrário seria indicativo de intolerância e transfobia; expressar o que você pensa e acredita acerca disso pode lhe render processo e até cadeia.

Educar as crianças para esse novo mundo onde há mais gêneros do que cores do arco-íris é fundamental nesse processo de engenharia social; se você não acha que seus filhos devem ser educados nesse fantástico mundo de Bobby, prepare-se, seu reacionário homofóbico transfóbico de extrema direita, para ter problemas com o Estado e com seus amigos mais despertos (wokes).

Foi por se contrapor duramente a essa situação distópica que Trump assegurou, mais uma vez, a sua vitória, o que é um forte indicativo, segundo o jornalista suíço do NZZ, de que o Woke como cultura ocidental dominante chegou ao fim.

Benedict Neff lembra que “o antecessor de Trump, Joe Biden, assumiu o cargo em 2021 para formar o gabinete mais diverso da história americana e seu primeiro decreto foi sobre justiça social e equidade em relação às minorias. A ideia de que a sociedade deveria se tornar mais inclusiva, diversa e sensível parecia imparável no Ocidente. Isto foi considerado um progresso por excelência”.

Pesquisas mostravam, porém, que a maioria da população (o tal senso comum) ficava cada vez mais desconfortável com as proibições de pensar e falar que inevitavelmente acompanhavam o avanço das políticas afirmativas. Mesmo assim, os democratas continuaram enfiando goela abaixo da sociedade os valores DEI (diversidade, equidade e inclusão).

Um número cada vez maior de pessoas foi entendendo que essas políticas, que retoricamente afirmavam buscar a libertação das minorias, “na verdade as limitava à sua identidade, a categorias como origem, cor da pele e gênero”.

Donald Trump está acabando com as políticas DEI. É a revolução do senso comum. O problema é que a direita populista, nacionalista, iliberal, representada por Trump não é propriamente uma direita dotada de bom senso, mas uma direita que tende, também ela, a se contrapor a algo muito comum, genuíno e espontâneo: a compaixão, por exemplo.

Dentre as suas inúmeras medidas duríssimas contra imigrantes, destaca-se como particularmente desumana o ter encerrado o status de proteção temporária (TPS, na sigla em inglês), para mais de 300 mil venezuelanos nos Estados Unidos, que devem ser deportados para voltar a sofrer os horrores da ditadura de Maduro nos próximos meses.

Ao comprar a briga contra a cultura woke, Trump conseguiu votos e apoio daqueles que já estavam exasperados com o avanço da agenda delirante e intolerante da esquerda progressista. Sob esse aspecto, Trump parece ter sido um mal necessário para frear as pretensões de uma esquerda que levou seus erros longe demais.

Considerá-lo um mal necessário para o momento, porém, é diferente de fazer dele um ícone, um ídolo, um grande símbolo da liberdade, tal como o faz a direita brasileira, que o adora como novo mito.

Foi vexatória e patética a excursão de parlamentares brasileiros de direita para os Estados Unidos, primeiro no dia da eleição, depois no dia da posse.

Mas também foi e é vergonhosa, pelo motivo oposto, a cobertura da imprensa progressista sobre qualquer coisa que diga respeito a Trump. A imprensa não preciso idolatrá-lo nem demonizá-lo, mas acompanhar com atenção e senso crítico suas decisões.

Para voltar a citar o já referido artigo do NZZ, parece que “o momento está com Trump.”

Lembra Benedict Neff que, “Para Goethe, o zeitgeist era a predominância de um lado que assumia o controle da multidão e fazia o que tinha que fazer por um tempo, enquanto o outro lado tinha que se esconder. Mas em algum momento o zeitgeist muda novamente…”

A cultura woke tende a cair em ruína sob o peso do seu próprio absurdo. Resta saber que outro erro absurdo tomará o seu lugar a fim de resistirmos também a ele.