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A estupidez autoritária da ideologia de gênero já foi longe demais

A fim de manter a cobertura dos jogos olímpicos de Paris sob o cabresto do politicamente correto, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anexou ao documento “Gender-equal, fair, and inclusive representation in sport páginas de orientações específicas para o trato dos jornalistas com relação a atletas transgêneros, não binários e intersexo.

O documento dá a entender, no início, que a mulher é o foco principal das orientações para uma cobertura jornalística mais equilibrada e equânime, com quebra de estereótipos e de preconceitos. Avançando um pouco na leitura, porém, descobrimos que o documento abrange “as mulheres em toda a sua diversidade”, incluindo e focando as mulheres trans, isto é, os homens, que não deverão ser chamados de homens e que deverão ter toda a cobertura generosa dedicada às mulheres.

Isso ilustra como as políticas de igualdade de gênero, que visavam antes combater as disparidades de tratamento entre mulheres e homens, foram capturadas pela militância LGBTQIA+, a despeito das injustiças que essa captura acarreta para as mulheres.

Com o pretexto de “oferecer algumas definições-chave, boas práticas e considerações para promover uma comunicação mais precisa, responsável, respeitosa e inclusiva” o COI impõe à cobertura dos jogos uma linguagem identitária que vai até o extremo de orientar a negação deliberada da realidade.

Classificar atletas mulheres trans como “biologicamente homem” é considerado “problemático” no relatório do COI; os termos “nascido homem” ou “geneticamente homem” também são rechaçados: “é sempre preferível enfatizar o gênero real de uma pessoa em vez de potencialmente questionar sua identidade ao se referir à categoria de sexo que estava registrada em sua certidão de nascimento original”, explica o documento.

Que vocabulário sobra para o comentarista esportivo que quiser informar que a pessoa que porventura venceu outras mulheres em uma prova de levantamento de peso ou outra prova qualquer é, na verdade, um homem? Nenhum. Inclusive há uma diretriz para que se substitua a expressão “identifica-se como mulher” por simplesmente “é mulher.”

Paradoxalmente, esse documento cheio de clichês, que atesta servilismo à agenda radical identitária, vai na contramão das últimas decisões das principais federações olímpicas como a do atletismo, da natação e do ciclismo, que proibiram a competição, na categoria feminina, de mulheres transgênero que passaram pela puberdade masculina.

Anteriormente, o COI tinha diretrizes em vigor que permitiam que atletas trans competissem se os seus níveis de testosterona estivessem abaixo de 10 nanomoles por litro um ano antes da competição, mas a revisão das políticas para transgênero nos esportes olímpicos nos últimos dois anos acrescentou que as mulheres trans devem ter concluído a sua transição de gênero antes dos 12 anos.

Se, por um lado, essa última restrição protege as atletas contra injustiças na disputa desportiva, a própria indicação de normalização da possibilidade de transição de gênero em crianças é um atestado da falência moral de uma época.

Crianças usadas como cobaias de uma militância perversa

O ativismo trans tem empurrado, em quase todo o mundo livre, mas principalmente na Europa, crianças para tratamentos experimentais a fim de corroborar uma visão de mundo distorcida e doentia.

O suposto aumento de crianças e jovens que se identificam como trans é menos um fato empiricamente verificável ou espontâneo e muito mais o resultado da propaganda massiva e de uma educação sugestiva e indutiva que busca provocar confusões em termos de gênero no quadro do desenvolvimento infantil.

Em muitos países europeus – e de modo mais alarmante no Reino Unido – existem ativistas transexuais em todos os níveis do serviço de saúde e de educação.

Em 2019 um jovem escocês de 17 anos chamado Murray Allan foi suspenso por duas semanas da escola por afirmar que “existem apenas dois gêneros”. Na conversa, gravada por Allan, seu professor lhe disse para guardar a sua “opinião para a sua própria casa”, porque “dizer que não existe outra coisa senão homem ou mulher não é inclusivo”.

No ano passado, foi registrada e divulgada a reação histérica de uma professora de uma escola de East Sussex, condado do sudeste da Inglaterra, no Reino Unido que, ao ser confrontada por uma garota de 13 anos, que não entendia como alguém poderia se identificar como sendo do sexo oposto, respondeu de modo grosseiro que era “desprezível” afirmar que só existem dois gêneros: “Existem muitos gêneros. Há transgênero, há agênero – pessoas que não acreditam que tenham gênero algum”, explicou a educadora visivelmente irritada, ameaçando em seguida denunciar a menina a funcionários superiores.

Professores têm escandalosamente punido crianças por declararem fatos biológicos e têm abusado da sua posição como professores para promover uma ideologia nefasta, encorajando crianças vulneráveis a questionar a sua identidade de gênero. Profissionais de saúde, por sua vez, ao serem procurados pelas crianças confusas quanto ao gênero, encorajam o uso de bloqueadores da puberdade que acabam sendo um caminho irreversível até a cirurgia. É um ciclo vicioso, aberrante e criminoso que precisa acabar.

O controle da linguagem

Há poucos dias, a Sociedade Canadense do Câncer pediu desculpas por usar o termo “colo do útero” em uma página da web dedicada aos exames de câncer do colo do útero para membros da comunidade LGBTQ+. Na página, a organização afirmou reconhecer “que muitos homens trans e pessoas não binárias podem ter sentimentos confusos ou se sentirem distanciados de palavras como ‘colo do útero’”. A instituição admitiu, em uma seção intitulada “Words Matter”, que alguns membros da comunidade podem preferir usar outros termos, como “buraco frontal”.

É estarrecedor o grau de servilismo ideológico das mais diversas instituições e dos mais diversos setores a uma militância identitária autoritária que quer impor sua visão amalucada de mundo modificando a linguagem, censurando palavras e criminalizando opiniões.

Recentemente, em uma conversa com algumas pessoas lúcidas, ainda não cooptadas pela mentalidade woke que aparentemente vai conquistar o mundo, descobri que algumas escolas, aqui mesmo no Brasil, eliminaram da escolinha das crianças a tradicional festa do dia das mães, a fim de não ferir as susceptibilidades dos novos formatos de família e preparar as crianças para acolher as diferenças.

Tudo isso é uma estupidez sem tamanho. Não me ocorre outra explicação para que isso esteja sendo aceito com naturalidade a não ser constatar que o processo de estupidificação em massa promovido pela cultura woke está dando certo.

Livres da Polarização

*Artigo de Augusto de Franco, Roberto Freire, Eduardo Jorge e Gilberto Natalini

Há no Brasil de hoje dezenas de milhões de eleitores que não se sentem representados pelas forças que dominam a arena política. São esses – em boa parte – os que apoiam a democracia como um valor universal e que são contra toda sorte de preconceitos e discriminações. São os que acreditam na eficiência do Estado, mas defendem uma economia livre, querem aliar desenvolvimento e sustentabilidade, desejam empreender, mas precisam de apoio ou, quando menos, que não sejam atrapalhados, os que sabem que segurança é inteligência e a violência, irmã da desigualdade.

São os que não acham que um pouquinho de inflação faz bem, nem querem leis dos anos 1940 regulando o trabalho, como ficou patente com a decisão dos líderes governistas de abandonar o projeto com o qual o governo pretendia transformar em trabalhadores CLT os motoristas e entregadores de aplicativo. São os que não veem legitimidade em invasões e depredações de patrimônio público ou privado, sejam eles patrocinados pelo MST ou por partidários de golpes de Estado. São os que defendem, de forma intransigente, as liberdades de expressão, organização e manifestação de acordo com as regras do Estado Democrático de Direito.

Eles não estão nos extremos ou polos que viraram instrumento de análise da divisão a que o lulismo e o bolsonarismo submeteram a sociedade, ambos em busca do poder pelo poder. Eles não defendem, nem justificam, grupos terroristas como o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e demais milícias do Oriente Médio que servem aos propósitos da teocracia iraniana e estão sendo usados pelas grandes autocracias do planeta contra os regimes democráticos – tampouco apoiam Nicolás Maduro, Vladimir Putin ou outros ditadores, de esquerda, de direita ou fundamentalistas religiosos.

Quem falará pelos cerca de 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas? Os partidos políticos falharam em interpretar os sentimentos, captar as aspirações e endereçar soluções para os problemas desse imenso contingente populacional. Os que não minguaram viraram satélites dos dois campos que alimentam a clivagem social e política brasileira. Não por outra razão, pesquisa recente do Datafolha mostra que aumentou a desconfiança da população dos partidos políticos. Os números, aliás, são alarmantes: só 43% confiam “um pouco”.

A construção de alternativas à polarização, portanto, terá de partir dos insatisfeitos com esse estado de coisas. E, nesse campo, há grande diversidade. De intelectuais a políticos, passando por jovens idealistas, professores, profissionais liberais, trabalhadores de chão de fábrica e de empresas de tecnologia, entregadores e motoristas de aplicativos, empresários, agricultores, artistas, sindicalistas, cientistas, enfim, pessoas comuns que querem viver, estudar, trabalhar, empreender, se divertir, amar e se congraçar com seus semelhantes sabendo que somente a democracia pode configurar ambientes pacíficos onde seus direitos políticos e suas liberdades civis sejam respeitados e valorizados.

Uma oposição democrática aos populismos, no governo ou fora dele, já existe no Brasil. Ela ainda é pequena e está dispersa, mas não crescerá por mágica nas eleições deste ano ou nas próximas. Isso só vai acontecer se as forças políticas democráticas começarem a se articular para influenciar de pronto a agenda nacional, resgatando o espaço público dos populismos de esquerda e direita que o sequestraram. Isso exige conversação livre e franca entre pessoas que não imaginam ter o monopólio da verdade e que estão abertas a ouvir e entender os pontos de vista do outro e, se necessário, a mudar seus próprios pontos de vista, seja em busca de convergência, seja porque alguém teve uma ideia melhor. Isso exige empenho contínuo, um exercício permanente de olhar para a frente, de pensar o País para além das disputas de poder.

Há muita gente disposta a isso, dentro e fora dos partidos, centristas, à esquerda ou à direita, nos mais diversos Estados. Gente cansada do destrutivo e paralisante “nós contra eles”. Gente que espera há anos por políticas que deram certo em outros lugares do mundo, independentemente da ideologia de seus idealizadores, mas que aqui são sabotadas pela polarização. Seja na educação, com a reforma do ensino médio, ou no saneamento básico, com o marco legal, para ficar em dois exemplos recentes de tentativa de retrocesso.

Que todos esses comecem a se conectar, virtual ou presencialmente, não importa se em grande ou pequeno número. O resultado desse esforço não será uma frente de pessoas que pensam igual, mas uma ecologia de diferenças coligadas. Não se articularão apenas para lançar candidatos, embora daí nascerão opções aos extremos, mas para congregar quem deseja trabalhar pela despolarização. Em nome dos milhões de brasileiros que almejam viver em um país melhor e estão fartos de quem lucra com a divisão da sociedade brasileira.

*Roberto Freire é político e advogado, Eduardo Jorge e Gilberto Natalini são políticos e médicos, Augusto de Franco é político e escritor.

Foto: AFP

Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin

Um homem foi enterrado na Rússia. Chamava-se Alexei Navalny. Em circunstâncias adversas, sob frio intenso, sob ameaça de retaliações e prisões, uma multidão esteve presente nos rituais fúnebres para as derradeiras homenagens àquele que denunciou a corrupção e a tirania do Kremlin e que ousou desafiar o poder de Vladimir Putin, pagando o seu ato de coragem com a própria vida.

A morte do opositor era esperada. Putin já o havia mandado envenenar em 2020. O filme “Navalny”, produzido pela CNN e que, em 2023, ganhou o Oscar de melhor documentário, traz os detalhes dessa tentativa de assassinato, contextualizando o episódio do envenenamento e mostrando os bastidores da vida do político até a sua prisão.

Mesmo sabendo que certamente seria preso e que sua vida estaria novamente em risco, Navalny tomou a decisão de deixar a Alemanha e retornar à Rússia tão logo sua saúde foi reestabelecida. Ele foi detido assim que desembarcou em Moscou e, durante três anos, esteve submetido a frio, fome e a um confinamento opressivo na colônia “lobo polar”, uma remota e inacessível prisão, localizado na Sibéria, onde a temperatura se aproxima de -40°C no inverno.

A sua prisão provocou uma onda de protestos, seguida de dura repressão, com cerca de 1600 pessoas detidas. Os russos foram corajosos, naquela ocasião, e também neste 1 de março de 2024, quando cantaram, em frente à igreja onde seu corpo foi sepultado: “Você não teve medo e nós não temos medo”.

De que lado estamos?

O mundo livre está cada dia mais preocupado com Putin. O tirano já deu provas de que seu método é a crueldade, tanto na política externa quanto na política interna. A invasão da Ucrâniae o modo com Navalny e seus outros opositores sucumbiram, expõe o caráter reprovável do chefe do Kremlin e faz um chamamento à consciência daqueles que buscam se posicionar diante dos conflitos bélicos atuais e das ideologias.

É preciso reavaliar posicionamentos políticos a partir da recuperação de princípios básicos, mesmo que o evento em questão não nos toque particularmente enquanto brasileiros. Somos seres humanos, não somos? Precisamos, pois, repudiar a cumplicidade com ditadores que desprezam os direitos humanos e cujas ações dizem respeito mais à tentativa de manutenção de um poder do que à salvaguarda do indivíduo diante dele.

O mundo se posiciona hoje em torno de duas tendências díspares: uma tendência autoritária e autocrática e uma tendência democrática e liberal. Pela forma como os políticos se movimentam em torno das figuras proeminentes desse mundo em conflito podemos avaliar o teor de suas próprias tendências.

Por que o nosso país não se posiciona conforme as democracias consolidadas do Ocidente, mas apoia em discursos e em gestos as tiranias em voga e em vias de formação?

É vergonhoso e deplorável o alinhamento do Brasil com a Rússia e o cinismo com que o presidente Lula tratou a morte do principal opositor do autocrata russo, ao comentar que a morte estava sob suspeita e que era preciso fazer uma investigação para dizer que “o cara morreu disso ou daquilo”.

A liberdade criadora de Alexei Navalny

Em artigo publicado no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, Andreas Rüesch escreve que o destino de Alexei Navalny revela muito sobre a Rússia de hoje. Putin, escreve o ex-correspondente no NZZ em Moscou, “garantiu o seu lugar nos livros de história como o tirano que mergulhou a Rússia na ruína com a guerra megalomaníaca contra a Ucrânia. Inextricavelmente ligados a isto estão os crimes contra os adversários como Navalny. O seu caso cristaliza o mal que está corroendo a Rússia. O país está consumido pela corrupção e a sua elite está enriquecendo a um nível que teria sido impensável mesmo nos tempos soviéticos”.

O artigo segue explicando que o país está sufocado, perdendo os seus melhores talentos e afirma que “a Rússia precisa, como o ar para respirar, de uma capacidade de organização como a de Navalny.” O ar que Navalny respirava e que ele soprou na Rússia chama-se liberdade.

Todos os países deveriam orgulhar-se de um conjunto criativo de energia como Alexei Navalny”, escreveu Andreas Rüesch. “Ele não era um político comum; ele revolucionou o trabalho da oposição com sua originalidade, novos métodos de pesquisa, talento organizacional e uma refrescante dose de humor. Além disso, ele era acessível no contato pessoal, com graça e sem pedantismo. Navalny tinha carisma, uma qualidade que falta a toda a equipe do Kremlin. Pessoas como ele vão longe em países livres. Na Rússia eles estão morrendo”.

Testemunho x ideologia

Os que querem ver a Rússia como o império glorioso de outros tempos não entenderam ainda que a verdadeira grandeza é a do espírito e que a grandeza do espírito humano só se expressa na liberdade. A nação que a sufoca perece em vez de se engrandecer.

Milhares de russos afrontaram Putin e prestaram as últimas homenagens a Alexei Navalny, expressando deferência àquele que pereceu por um ideal e que fez ressurgir nos jovens a coragem de lutar para ser livre.

Nenhum tirano é capaz de sufocar o desejo humano por justiça e liberdade e nenhum poder temporal é capaz de arrefecer o ânimo de luta política daqueles que são movidos por verdadeiros valores.

Para aqueles que estiveram presentes no velório, Navalny não era apenas um corpo inerte e inanimado, ele representava a coragem e o vigor daqueles que compreendem que a justiça só se conquista com valor e testemunho.

Testemunhar é agir de acordo com a verdade apregoada; é fazer a vida dar sinal do discurso e modular o discurso em consonância com a vida. Testemunhar é assumir os riscos das escolhas e aceitar a dor das consequências; é elevar-se além do raciocínio pragmático do autointeresse e das contradições das ideologias.

Ideologias não induzem ao testemunho, mas ao fanatismo. A ideologia conduz a uma ação cega, obnubilada, obcecada e, por vezes, cruel, em nome de uma crença não refletida, mal assimilada e descolada da verdadeira natureza das coisas.

O testemunho, pelo contrário, conduz à superação do fanatismo e do egoísmo porque, estando em consonância com a verdade, abre espaços de reflexão mais profundos, mais espiritualizados, mais sublimes. O verdadeiro testemunho é aquele que se eleva aos verdadeiros valores. O ato heroico não se coaduna com a mediocridade nem com a vilania.

O verdadeiro homem e o falso líder

Não temos mais tempo para falsos heróis ou falsos profetas. Nossa época clama por homens reais, como Alexei Navalny, cuja autenticidade inseriu valor na ação política, reunindo, com o seu sopro de liberdade criadora, as vontades dispersas e difusas.

Homens reais e autênticos são mais veneráveis que falsos mitos que se autoproclamam líderes e conduzem as massas. A diferença é sutil. Mas aqueles que estiverem atentos haverão de reconhecer e separar o verdadeiro homem do falso líder. Os nossos falsos líderes estão hoje ao lado do tirano que assassinou um verdadeiro homem.

China aperta a pressão contra a democracia de Taiwan e ganha apoio do Brasil

No último sábado, 13 de janeiro de 2024, Lai Ching-te venceu as eleições presidenciais de Taiwan. É o representante do Partido Democrático Progressista, o governista, que chega ao poder pela terceira vez seguida, uma sequência inédita.

Foram eleições bastante tensas. O Partido Comunista Chinês definiu o pleito como a decisão entre guerra e paz. Lai Ching-te foi denunciado diversas vezes pelo país como um separatista perigoso.

Cinco dias depois das eleições, na quinta-feira, 18 de janeiro, a China realizou manobras militares e cruzou o estreito entre os dois territórios. Segundo Taiwan, foram manobras de combate aéreo e naval com 24 aeronaves e 5 embarcações. O estreito entre os territórios foi cruzado por 11 aeronaves.

No dia seguinte, o ministro das relações exteriores da China, Wang Yi, foi recebido oficialmente em Brasília pelo nosso ministro das relações exteriores, Mauro Vieira. Ele declarou que o Brasil apóia a política de “uma só China”, ou seja, a incorporação da democrática Taiwan pelo governo chinês.

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Taiwan, em 1912. Oficialmente, chama-se República da China. A China tem o nome oficial República Popular da China. São duas Chinas, por isso o nome de “uma só China”.

As coisas começaram a mudar na Revolução Comunista Chinesa, em 1949. Esse regime jamais reconheceu a existência de Taiwan. Era considerada uma província rebelde, como segue até hoje.

Na época, no entanto, a China era representada na ONU por Taiwan, que tinha até assento no Conselho de Segurança. Mas era a época da Guerra Fria e as coisas começaram a mudar. Em 1971, os Estados Unidos pararam de dar apoio a Taiwan no Conselho de Segurança. Vários outros países democráticos do ocidente seguiram na decisão. O Brasil não. Fomos contra a retirada de Taiwan da ONU em 1971, ano em que a representação passou a ser feita pela China.

Três anos depois, em 1974, foram rompidas as relações diplomáticas entre Brasil e Taiwan. Hoje, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Mas as relações comerciais com Taiwan também continuam e somos o principal parceiro nas Américas. O comércio envolve soja, minério de ferro, café e eletrônicos de alta tecnologia.

Entre maio e junho de 2014, o Senado brasileiro mandou uma comissão a Taiwan. O relatório foi feito pelo então senador Jorge Viana, que hoje é presidente da Apex, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. Todas as despesas foram pagas pelo governo estrangeiro. Transcrevo parte do relatório:

“Em nossa Missão Oficial, surpreendeu-nos a relação entre Taiwan e China. Apesar de não possuírem relações diplomáticas (China vê Taiwan como província e Taiwan se declara autônoma), há entre ambos forte relação comercial. São cerca de 800 voos por semana entre Taipei, capital de Taiwan, e as principais cidades chinesas, além de uma intensa relação comercial. Se na política e na diplomacia não há qualquer diálogo, nas relações comerciais as coisas fluem muito bem.

O Brasil precisa observar melhor essas particularidades e ampliar as relações comerciais, intercâmbio técnico e científico com Taiwan – apesar da inexistência de relações diplomáticas.

Nesse sentido e como resultado desta Missão Oficial, defendemos que o Brasil facilite a retirada de vistos e amplie o status do escritório de Taiwan no Brasil e do escritório do Brasil em Taiwan.

Por fim, vale ressaltar que Taiwan e Brasil compartilham do mesmo princípio de democracia e proteção aos direitos humanos. Os povos dos dois lados demonstram extrema simpatia e calorosa recepção. Enquanto Taiwan desenvolve fortemente sua indústria de produtos eletrônicos e de semicondutores, o Brasil mostra sua força no setor automobilístico, de bioenergia e mineração. Em vista disso, e com a colaboração de comunidade taiwanesa no Brasil, acredito que há muito espaço para que esses laços bilaterais cresçam ainda mais”. (grifo meu)

Na época, o atual presidente da Apex era favorável à ampliação das relações entre Brasil e Taiwan. Relatou que a situação com a China era muito mais complexa do que um rompimento. Há a briga política, mas há laços de economia e sociedade entre os dois povos.

O mais importante é ter frisado a identidade com os princípios democráticos e o respeito aos direitos humanos, conceitos que não são seguidos pelo Partido Comunista Chinês.

A China tem investido fortemente no reposicionamento como liderança geopolítica mundial, principalmente pelas dificuldades internas atuais. A política de filho único, que já foi revertida, causou um envelhecimento da população que dificulta as contas públicas. O mercado imobiliário tem problemas. As políticas adotadas durante a pandemia pioraram ainda mais a situação.

Recentemente, a relação entre China e Taiwan começou a entrar novamente em rota de colisão. No final do ano retrasado, durante o 20o Congresso do Partido Comunista Chinês, foi reafirmada a intenção de ocupação do território de Taiwan, por meios pacíficos “se possível”. Isso acendeu o alerta da comunidade internacional, que passou a se reposicionar.

No próprio ano de 2022, diversas autoridades norte-americanas fizeram visitas oficiais a Taiwan. Em represália, a China realizou exercícios militares no estreito entre os dois países. O presidente Joe Biden chegou a dizer que os Estados Unidos pegariam em armas para defender o “status quo” na região. Depois, a diplomacia suavizou as coisas, deixando claro que o país não entraria em guerra. No entanto, continua armando Taiwan. Agora, após as eleições, o posicionamento foi bem diferente. Joe Biden declarou que os Estados Unidos não apóiam a independência de Taiwan.

O governo Lula já havia se antecipado a isso. Em 14 de abril de 2023, foi emitido um comunicado diplomático conjunto entre Brasil e China. Um dos ítens dizia o seguinte: “O lado brasileiro reiterou seu firme apoio ao Princípio de Uma Só China, reconhecendo o governo da República Popular da China como o único governo legítimo de toda a China, e Taiwan como uma parte inseparável do território chinês. Ao reafirmar o princípio da integridade territorial dos estados, o Brasil apoiou o desenvolvimento pacífico das relações entre ambos os lados do Estreito de Taiwan. O lado chinês expressou grande apreço por esse posicionamento”.

Agora, o Brasil deu um passo além. Não apenas reafirmou sua posição como recebeu o ministro das relações exteriores da China no dia seguinte dos exercícios militares em Taiwan. É uma declaração de enorme peso simbólico, que nos coloca definitivamente em um lado de um potencial conflito.

Os tentáculos chineses usando a influência do Brasil chegam também aos BRICS. No comunicado conjunto do ano passado, já havia um protocolo de intenções: “Ambas as partes avaliaram positivamente o diálogo e a coordenação que mantiveram dentro de organizações internacionais e mecanismos multilaterais, e continuarão a fortalecer esse intercâmbio no âmbito da ONU e de outras organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, bem como em agrupamentos plurilaterais como o G20, BRICS e BASIC. Além disso, o lado chinês expressou seu apoio à Presidência Pro Tempore do BRICS pelo Brasil em 2025. Ambos os lados comprometeram-se a aprofundar ainda mais a cooperação em todas as áreas dentro do BRICS. Eles apoiaram a promoção de discussões ativas entre os membros do BRICS sobre o processo de expansão do grupo e destacaram a necessidade de esclarecer os princípios orientadores, normas, critérios e procedimentos para esse processo de expansão com base em ampla consulta e consenso”.

Depois disso, o Brasil propôs a entrada da China nos BRICS, junto com diversas outras ditaduras. Os detalhes estão no artigo “O Brasil trocou a Alca pelo Bricstão e isso tem consequências”, que escrevi para o Instituto Monitor da Democracia em setembro do ano passado.

Por meio do soft power e do domínio econômico, a China tem se colocado cada vez mais como liderança geopolítica mundial. Isso significa para os países aliados decidir entre uma liderança global fundada em democracia e direitos humanos ou o oposto. O Brasil parece já ter decidido.

A reorganização do cenário Internacional no pós guerra como fator para o entendimento do atual conflito Rússia-Ucrânia

A China tem tido crescimento industrial, tecnológico e comercial exponencial nos últimos trinta anos, o que leva sua economia a equiparar-se à dimensão do poderio econômico dos EUA. Esse crescimento leva-nos a construir dois cenários básicos.

De um lado, uma situação de cooperação entre as duas economias, que se consolidariam como parceiras. A dimensão do comércio China-EUA, os investimentos americanos na China, e o grande investimento chinês em títulos do Governo dos Estados Unidos mostram que já existe uma simbiose que pode prosperar.

De outro lado, poderemos ter um cenário de rivalidade, cujos sinais são a preocupação americana com os avanços chineses nos campos, tecnológico, industrial e comercial. Ademais, a China tem reforçado aceleradamente sua estrutura militar. De sua parte, os americanos têm buscado aperfeiçoar sua posição estratégica na Ásia para contra restar o incremento bélico chinês.

A preponderância do cenário de rivalidade poderia levar a uma macroestrutura internacional de bipolaridade, mitigada pela existência de outras potências como o Reino Unido, a França e a Rússia, capazes de projetar globalmente seu poder. Esses Estados coexistirão com potências regionais como a Índia, que tem estreitos laços com a Rússia, a África do Sul, e o Brasil, na América do Sul.

Ademais, temos o Egito, a Turquia, o Irã e a Indonésia. Embora com economia avançada industrial e tecnologicamente, o Japão tem limitada capacidade militar desde o fim da Segunda Guerra. A Alemanha merece atenção específica. País desarmado desde a Segunda Guerra, decidiu-se agora, no âmbito da guerra Rússia- Ucrânia, a aplicar 2 % do PIB em defesa. Tendo em vista a dimensão de sua economia, a Alemanha será, em pouco tempo, pelo menos uma potência regional, e buscará libertar-se das amarras causadas pela derrota na Guerra de 1939-1945.

Trata-se de cenário complexo, que poderá ser ainda mais complicado se tivermos uma coalizão duradoura e firme entre a China e a Rússia. Potências que estiveram no mesmo campo durante a Guerra Fria, tiveram atritos nas décadas de 1960, por razões ideológicas, e de 1970, por disputas fronteiriças. Desde então tem estado próxima. Em 04 de fevereiro de 2022, antes portanto da invasão da Ucrânia, o Presidente Putin visitou a China. Em reunião com seu homólogo chines, foi emitido um comunicado conjunto em que se declarou que os dois países têm “uma parceria estratégica sem limites”, e assinaram vários acordos, inclusive um compromisso de fornecimento energético para a China.

Por outro lado, no âmbito da invasão da Ucrânia pela Rússia, os norte-americanos já intensificaram seus laços com a Europa, que estavam esgarçados, em iniciativa que parece duradoura.

No entanto, à China, superpotência emergente, interessa estabilidade internacional que lhe permita consolidar sua expansão comercial e tecnológica, bem como militar. Tem enorme interesse no mercado europeu, e seu programa “belt and road”, também chamado de Rota da Seda, de infraestrutura, já se firmou no continente europeu. Ademais, a China não deseja que se disturbe o fluxo mundial de alimentos, mercadorias, minerais e energia. Esses interesses explicam a cautelosa posição chinesa de não se envolver demais no conflito russo ucraniano.

Uma aliança sino-russa solida e próxima é preocupante para as potências ocidentais, ao representar uma frente unida de dois Estados que têm uma tradição de antagonismo em relação ao ocidente.

Essa preocupação já se manifestara em 1972, em plena Guerra Fria, com a viagem do presidente dos EUA Richard Nixon a China, planejada e preparada pelo professor Henry Kissinger. Buscava-se colocar uma cunha no bloco comunista, liderado pela União Soviética, estabelecer uma fissura que rompesse a frente unida anti ocidental.

A invasão da Ucrânia faz-nos recordar o artigo clássico de 1905 do autor inglês Halford John Mackinder: The Geographical Pivot of History. Mackinder procura demonstrar sua teoria dizendo que quem domina a Eurásia, que considerava o centro estratégico da terra controla o mundo. Acrescentava Mackinder que quem controla o centro e o Leste da Europa controla a Europa e a Ásia.

Embora a história não tenha comprovado a tese geopolítica de Mackinder, e inegável que chamou atenção para a importância estratégica da região central europeia. Juntas, a China e a Rússia podem dominar a Eurásia.