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Taiwan: depois da eleição, sinais de alerta

Todo ano, em março, o regime chinês encena as chamadas “Duas Sessões”: paralelamente à plenária do Congresso Nacional do Povo-CNP (poder legislativo nominal exibindo um pluralismo de fachada: oito partidos-satélites permitidos e representantes de numerosas entidades, todos instrumentalizados pela estratégia política de  “Frente Única”, sob supervisão do Departamento do Trabalho de Frente Única do Comitê Central do Partido Comunista da China) reúne-se o Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. O CN-CCPPC, outro instrumento dessa estratégia, reforça a legitimação da supremacia do Partido Comunista, tendo como missão oficial debater, vocalizar e encaminhar propostas apresentadas pelos representantes dos numerosos segmentos da sociedade. Na sequência, o CNP e o governo chancelam essas propostas transformando-as em projetos de lei e diretrizes de política pública. Tudo isso é um cerimonial meramente ‘carimbador’, pois nada é aprovado que não tenha sido previamente proposto e permitido pelos altos dirigentes do PC.

Vértice de uma pirâmide edificada, na base, por “comitês locais” (em níveis de províncias, condados, municipios etc), o Comitê Nacional compõe-se de 2.169 membros, com mandatos de cinco anos. Desse total, 544 representam o PC e os partidos satélites — a exemplo do Comitê Revolucionário do Kuomintang (Partido Nacional do Povo) Chinês e do Partido Democrático dos Camponeses e Operários Chineses, entre outros; 313 são delegados de organizações populares (e.g., Liga da Juventude Comunista, Federação Chinesa dos Sindicatos, Federação das Mulheres da China etc); 1.076 representam grupos de interesse relevantes (agricultura, ciência & tecnologia, educação, artes e literatura, entre outros); e mais de duas centenas pertencem às categorias de personalidades nominalmente “independentes” e “convidados especiais”, entre os quais o ator hollywoodiano chinês Jackie Chan.

Como não poderia deixar de ser, a anexação de Taiwan, meta obsessiva do comunismo chinês, figurou com destaque na pauta do CN. Numa reunião a que estiveram presentes militantes do ‘satélite partidário’ Comitê Revolucionário do Kuomintang Chinês, Xi Jinping, presidente da República Popular da China e secretário-geral do Partido Comunista, exortou os presentes a “contribuir [. . .] ativamente para a união de todos os patriotas — dentro e fora da China; dentro e fora de Taiwan — e o fortalecimento da oposição à independência” da ilha, “expandir o apoio à reunificação e impulsionar conjuntamente a reunificação [. . .]”. Prosseguindo, o orador ressaltou: “Devemos promover ativamente o intercâmbio e a cooperação entre os dois lados do Estreito em ciência & tecnologia, agricultura, desenvolvimento da juventude e outros campos e aprofundar o desenvolvimento integrado de ambos os lados do Estreito”.

Estratégia multifacetada – Na prática, a China vai continuar explorando as fissuras político-sociais na opinião pública taiwanesa, agora mirando o governo do recém-eleito presidente William Lai, que tomará posse em maio.

Lai, que é o vice da atual presidente Tsai Ing-wen obteve uma terceira vitória consecutiva para o seu Partido Democrático-Popular (DPP) no pleito de janeiro último à chefia do Poder Executivo.

Contudo, como alerta o ex-diplomata americano, atualmente pesquisador do think tank Fundação para o Desenvolvimento das Democracias, sediado em Washington, D. C., Craig Singleton, por trás do triunfo de Lai e do DPP, subsistem fragilidades que não escapam ao olhar vigilante e hostil de Pequim.

Para começar, Singleton observa em recente artigo para o portal da revista Foreign Policy, essa vitória foi por maioria relativa (40%), com os restantes 60% divididos entre os candidatos dos dois partidos de oposição: Hou You-yi (Kuomintang-KMT) e Ko Wen-je (Partido do Povo de Taiwan, fundado em 2019). Ambos defendem uma linha acomodacionista em relação à China continental. Já o DPP, muito embora não chegue ao extremo de desafiar Pequim com uma ‘bandeira’ oficial pró-independência, pretende manter indefinidamente a  atual autonomia de facto da República da China, nome oficial de Taiwan.

Comparativamente, tanto em 2016 quanto em 2020, Tsai venceu por maioria absoluta, respectivamente com 16 e 17 pontos percentuais acima da votação obtida agora pelo seu vice.

Ao mesmo tempo, o DPP acaba de perder a maioria no Yuan Legislativo (parlamento), que passará a ser presidido por Hou, do KMT. Enquanto o KMT conquistou 14 novas cadeiras e o TPP, três, o DPP perdeu 10 deputados.    Isso lança uma sombra de incerteza sobre o prosseguimento de projetos importantes da atual administração, como a ampliação do período de serviço militar obrigatório (dos atuais quatro meses para um ano) e o desenvolvimento de um submarino taiwanês.

Consultorias especializadas na análise de redes digitais, como o Doublethink Lab, entre outras, descobriram que, durante a campanha eleitoral, o aplicativo TikTok, controlado pelo grupo chinês ByteDance, divulgou propaganda favorável aos dois presidenciáveis oposicionistas e veiculou desinformação contra o partido do governo, incluindo fake news sobre um suposto apoio do governo Tsai a programas de armas biológicas dos Estados Unidos, o que, aliás, repete propaganda do regime Putin contra a Ucrânia….

A milícia digital da China também criou perfis falsos de portais noticiosos tradicionais, a fim de espalhar notícias inverídicas favoráveis à reunificação.

Outro fator que pode ter contribuído para enfraquecer o desempenho da candidatura Lai foi a ‘guerra de nervos’ representada por longos meses de manobras e ‘exercícios’ militares intimidatórios do Exército de Libertação Popular, imiscuindo-se no espaço aeronaval de Taiwan.

Por último, mas não em último, Singleton nota que, curiosamente, depois das eleições taiwanesas, a revista teórica do PC da China, Qiushi, reproduziu o texto de um discurso proferido por Xi Jinping 18 meses antes, condenando supostas atitudes separatistas de Taiwan à época da visita à ilha de delegação de congressistas dos Estados Unidos encabeçada pela então presidente da Câmara dos Representantes, a deputada Democrata Nancy Pelosi.

Para concluir, tudo indica que o regime de Pequim prosseguirá com suas campanhas de desinformação, manobras militares de intimidação e pressões econômicas sobre os parceiros comerciais de Taiwan, uma estratégia multifacetada visando predispor o povo da ilha favoravelmente à anexação, o que traduziria uma séria derrota para a causa da democracia liberal em todo o mundo.

China aperta a pressão contra a democracia de Taiwan e ganha apoio do Brasil

No último sábado, 13 de janeiro de 2024, Lai Ching-te venceu as eleições presidenciais de Taiwan. É o representante do Partido Democrático Progressista, o governista, que chega ao poder pela terceira vez seguida, uma sequência inédita.

Foram eleições bastante tensas. O Partido Comunista Chinês definiu o pleito como a decisão entre guerra e paz. Lai Ching-te foi denunciado diversas vezes pelo país como um separatista perigoso.

Cinco dias depois das eleições, na quinta-feira, 18 de janeiro, a China realizou manobras militares e cruzou o estreito entre os dois territórios. Segundo Taiwan, foram manobras de combate aéreo e naval com 24 aeronaves e 5 embarcações. O estreito entre os territórios foi cruzado por 11 aeronaves.

No dia seguinte, o ministro das relações exteriores da China, Wang Yi, foi recebido oficialmente em Brasília pelo nosso ministro das relações exteriores, Mauro Vieira. Ele declarou que o Brasil apóia a política de “uma só China”, ou seja, a incorporação da democrática Taiwan pelo governo chinês.

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Taiwan, em 1912. Oficialmente, chama-se República da China. A China tem o nome oficial República Popular da China. São duas Chinas, por isso o nome de “uma só China”.

As coisas começaram a mudar na Revolução Comunista Chinesa, em 1949. Esse regime jamais reconheceu a existência de Taiwan. Era considerada uma província rebelde, como segue até hoje.

Na época, no entanto, a China era representada na ONU por Taiwan, que tinha até assento no Conselho de Segurança. Mas era a época da Guerra Fria e as coisas começaram a mudar. Em 1971, os Estados Unidos pararam de dar apoio a Taiwan no Conselho de Segurança. Vários outros países democráticos do ocidente seguiram na decisão. O Brasil não. Fomos contra a retirada de Taiwan da ONU em 1971, ano em que a representação passou a ser feita pela China.

Três anos depois, em 1974, foram rompidas as relações diplomáticas entre Brasil e Taiwan. Hoje, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Mas as relações comerciais com Taiwan também continuam e somos o principal parceiro nas Américas. O comércio envolve soja, minério de ferro, café e eletrônicos de alta tecnologia.

Entre maio e junho de 2014, o Senado brasileiro mandou uma comissão a Taiwan. O relatório foi feito pelo então senador Jorge Viana, que hoje é presidente da Apex, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. Todas as despesas foram pagas pelo governo estrangeiro. Transcrevo parte do relatório:

“Em nossa Missão Oficial, surpreendeu-nos a relação entre Taiwan e China. Apesar de não possuírem relações diplomáticas (China vê Taiwan como província e Taiwan se declara autônoma), há entre ambos forte relação comercial. São cerca de 800 voos por semana entre Taipei, capital de Taiwan, e as principais cidades chinesas, além de uma intensa relação comercial. Se na política e na diplomacia não há qualquer diálogo, nas relações comerciais as coisas fluem muito bem.

O Brasil precisa observar melhor essas particularidades e ampliar as relações comerciais, intercâmbio técnico e científico com Taiwan – apesar da inexistência de relações diplomáticas.

Nesse sentido e como resultado desta Missão Oficial, defendemos que o Brasil facilite a retirada de vistos e amplie o status do escritório de Taiwan no Brasil e do escritório do Brasil em Taiwan.

Por fim, vale ressaltar que Taiwan e Brasil compartilham do mesmo princípio de democracia e proteção aos direitos humanos. Os povos dos dois lados demonstram extrema simpatia e calorosa recepção. Enquanto Taiwan desenvolve fortemente sua indústria de produtos eletrônicos e de semicondutores, o Brasil mostra sua força no setor automobilístico, de bioenergia e mineração. Em vista disso, e com a colaboração de comunidade taiwanesa no Brasil, acredito que há muito espaço para que esses laços bilaterais cresçam ainda mais”. (grifo meu)

Na época, o atual presidente da Apex era favorável à ampliação das relações entre Brasil e Taiwan. Relatou que a situação com a China era muito mais complexa do que um rompimento. Há a briga política, mas há laços de economia e sociedade entre os dois povos.

O mais importante é ter frisado a identidade com os princípios democráticos e o respeito aos direitos humanos, conceitos que não são seguidos pelo Partido Comunista Chinês.

A China tem investido fortemente no reposicionamento como liderança geopolítica mundial, principalmente pelas dificuldades internas atuais. A política de filho único, que já foi revertida, causou um envelhecimento da população que dificulta as contas públicas. O mercado imobiliário tem problemas. As políticas adotadas durante a pandemia pioraram ainda mais a situação.

Recentemente, a relação entre China e Taiwan começou a entrar novamente em rota de colisão. No final do ano retrasado, durante o 20o Congresso do Partido Comunista Chinês, foi reafirmada a intenção de ocupação do território de Taiwan, por meios pacíficos “se possível”. Isso acendeu o alerta da comunidade internacional, que passou a se reposicionar.

No próprio ano de 2022, diversas autoridades norte-americanas fizeram visitas oficiais a Taiwan. Em represália, a China realizou exercícios militares no estreito entre os dois países. O presidente Joe Biden chegou a dizer que os Estados Unidos pegariam em armas para defender o “status quo” na região. Depois, a diplomacia suavizou as coisas, deixando claro que o país não entraria em guerra. No entanto, continua armando Taiwan. Agora, após as eleições, o posicionamento foi bem diferente. Joe Biden declarou que os Estados Unidos não apóiam a independência de Taiwan.

O governo Lula já havia se antecipado a isso. Em 14 de abril de 2023, foi emitido um comunicado diplomático conjunto entre Brasil e China. Um dos ítens dizia o seguinte: “O lado brasileiro reiterou seu firme apoio ao Princípio de Uma Só China, reconhecendo o governo da República Popular da China como o único governo legítimo de toda a China, e Taiwan como uma parte inseparável do território chinês. Ao reafirmar o princípio da integridade territorial dos estados, o Brasil apoiou o desenvolvimento pacífico das relações entre ambos os lados do Estreito de Taiwan. O lado chinês expressou grande apreço por esse posicionamento”.

Agora, o Brasil deu um passo além. Não apenas reafirmou sua posição como recebeu o ministro das relações exteriores da China no dia seguinte dos exercícios militares em Taiwan. É uma declaração de enorme peso simbólico, que nos coloca definitivamente em um lado de um potencial conflito.

Os tentáculos chineses usando a influência do Brasil chegam também aos BRICS. No comunicado conjunto do ano passado, já havia um protocolo de intenções: “Ambas as partes avaliaram positivamente o diálogo e a coordenação que mantiveram dentro de organizações internacionais e mecanismos multilaterais, e continuarão a fortalecer esse intercâmbio no âmbito da ONU e de outras organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, bem como em agrupamentos plurilaterais como o G20, BRICS e BASIC. Além disso, o lado chinês expressou seu apoio à Presidência Pro Tempore do BRICS pelo Brasil em 2025. Ambos os lados comprometeram-se a aprofundar ainda mais a cooperação em todas as áreas dentro do BRICS. Eles apoiaram a promoção de discussões ativas entre os membros do BRICS sobre o processo de expansão do grupo e destacaram a necessidade de esclarecer os princípios orientadores, normas, critérios e procedimentos para esse processo de expansão com base em ampla consulta e consenso”.

Depois disso, o Brasil propôs a entrada da China nos BRICS, junto com diversas outras ditaduras. Os detalhes estão no artigo “O Brasil trocou a Alca pelo Bricstão e isso tem consequências”, que escrevi para o Instituto Monitor da Democracia em setembro do ano passado.

Por meio do soft power e do domínio econômico, a China tem se colocado cada vez mais como liderança geopolítica mundial. Isso significa para os países aliados decidir entre uma liderança global fundada em democracia e direitos humanos ou o oposto. O Brasil parece já ter decidido.

O dilema de uma só China

Semicondutores controlam o mundo moderno, os chips de computador que permitem processamento de grandes quantidades de dados, comunicações instantâneas globalmente e funcionamento de nossos computadores e celulares são feitos usando semicondutores. A importância econômica e estratégica dessa tecnologia é autoevidente. Quase nada hoje funciona sem um chip de computador.

Estimativas do mercado colocam que em torno de 56% de toda a produção mundial de semicondutores está concentrada nas fundições da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, mais conhecida pela sigla TSMC. Não é exagero dizer que a qualquer instabilidade na ilha de Taiwan prejudica em grande proporção a economia mundial, ainda mais se levarmos em conta que as placas gráficas de alto poder computacional tão necessárias para pesquisa e desenvolvimento no campo da Inteligência Artificial, dependem das fábricas da TSMC para serem produzidos.

O governo chinês continental tem uma visão imutável de que todos os lados do estreito de Taiwan fazem parte de uma só China, logo a ilha seria uma província rebelde, que Pequim estaria disposta a permitir um regime especial, similar ao de Hong Kong (que nos últimos anos tem visto a sua lista de liberdades democráticas serem erodidas).

Taiwan também comunga da visão de que há uma só China, a ilha nunca declarou sua independência e essa questão é ponto de debate interno, embora o campo pró-independência seja minoritário. Em Taiwan se diz que há uma só China com várias interpretações.  Esse status ambíguo de Taiwan resulta em certo isolamento da ilha em termos internacionais, não sendo aceita como membro da Organização das Nações Unidas e seu sistema de agências, por pressão direta da China, que entende como inadmissível manter relações diplomáticas com Pequim e Taipei simultaneamente.

Os Estados Unidos mantêm o que chamam de política de ambiguidade com Taiwan, ou seja, a um só tempo não possuem laços diplomáticos oficiais, mas vendem armas e fazem exercícios militares regulares, além de administrarem uma embaixada de facto em Taipei e diversos outros laços culturais e econômicos. Asseguram a defesa da ilha em caso de invasão ao mesmo tempo sem um arranjo institucional adensado para tanto.

Nos últimos anos o governo de Pequim tem aumentado a presença militar no estreito de Taiwan. Muitos especialistas em segurança internacional apontam que o esforço de modernização do Exército Chinês é motivado pela necessidade operacional advinda dos planos para a tomada do que eles enxergam ser uma província rebelde. A ameaça que paira sobre Taiwan por conta da política de reintegração da ilha ao território chinês por qualquer método possível, não é como diz a expressão popular “da boca pra fora”. É uma possibilidade relevante, que muitos analisam ser uma questão de quando e não de se irá ocorrer.

As Forças Armadas chinesas demonstram seu poderio conduzido vôos de reconhecimento, bombardeios simulados, além de movimentarem porta-aviões e outros meios navais com constância pela região. Os gastos militares de Taiwan embora em tendência de aumento de seu volume comparado ao PIB taiwanês, ainda estão muito abaixo das capacidades do gigante comunista.

Pequim também se vale de outros recursos, como campanhas de desinformação para tentar a um só tempo influenciar os resultados de eleições em Taiwan e enfraquecer a democracia local contribuindo para a erosão da confiança nas instituições e atores políticos.

Taiwan é uma democracia jovem a ilha pela maior parte de sua história de 1949 a 1987 viveu sobre o regime Lei Marcial que se seguiu a vitória comunista nos estertores da Segunda Guerra Mundial, tendo realizado em 1992 sua primeira eleição presidencial. Ainda assim, as instituições e a própria democracia da ilha têm se mostrado resilientes diante dos ataques chineses, mas quanto tempo poderão resistir, ainda mais se levarmos em conta que Pequim está observando e aprendendo com erros e acertos russos na Ucrânia?

Muito do nosso mundo moderno e do crescimento e desenvolvimento econômico mundial dependem das fundições da TSMC e não é factível no curto e médio prazo mitigar os riscos criando novos fabricantes de semicondutores, a literatura econômica nos mostra que muito do poder fabril se constrói a partir de pesquisa e desenvolvimento, pessoal altamente capacitado e inovador e conhecimentos tácitos internos as firmas. , o que aumenta ainda mais os riscos envolvidos nessa região. Como os governos do mundo vão reagir aos riscos intrínsecos desse dilema chinês?

Reorganização Internacional

Nicolas Maduro anunciou referendo para se apropriar da Guiana Essequiba, território que representa 74% do território da nação vizinha. Será em 3 de dezembro. A Rússia, talvez o maior aliado da Venezuela, avançou sobre a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, iniciando um conflito que segue em curso. O Hamas, que governava a Faixa de Gaza, realizou uma carnificina em Israel que levou a uma outra guerra que pode se ampliar na região do Oriente Médio. Isto sem falar no risco iminente de invasão de Taiwan pela China.

Algo une estes movimentos e seria muito ingênuo achar que as peças deste quebra-cabeça carecem de articulação conjunta. Rússia, Venezuela, China e Hamas (leia-se Irã) são aliados no tabuleiro internacional e realizam movimentos em conjunto, de forma harmônica e sincronizada, com o objetivo de mover as placas tectônicas da estabilidade internacional como conhecemos.

O tabuleiro internacional se movimenta como um intricado jogo de xadrez, ou seja, precisa ser movido com prudência e paciência, sempre calculando cada uma das jogadas possíveis do adversário. Nada indica, entretanto, que as potências ocidentais possuam qualquer movimento estratégico conjunto. Tem apenas respondido de forma perdida e desorganizada todas as ações de seus adversários, sem coordenação e planejamento.

Está sendo desenhada uma nova estrutura de poder internacional diante da passividade e permissividade das potências ocidentais. Os sintomas são claros diante da corrosão de seus valores, princípios e vértices ao longo dos últimos anos. Se nenhum movimento coordenado das atuais potências for desenhado de forma urgente, veremos em pouco tempo a deterioração da democracia e a implementação de novos modelos e regimes que passam longe da liberdade que conhecemos nos países do Ocidente. 

Isto significa dizer que o mundo está em guerra, porém uma guerra fria e localizada em determinados pontos, porém que são essenciais para definir em que tipo de mundo iremos viver. Ucrânia e Israel lutam sozinhos pela manutenção de regimes democráticos e pela liberdade de inúmeros países – nações que em breve podem ser acompanhadas por Guiana e Taiwan, as prováveis próximas vítimas no tabuleiro internacional.

Como disse, o pano de fundo de todos estes movimentos reside na remodelagem do sistema internacional atual, levando as autocracias, ditaduras e governo autoritários para o controle de uma nova estrutura de poder ao mesmo tempo que a democracia é corroída por dentro nas nações do Ocidente. Iniciativa que aos poucos vem mostrando os resultados esperados por aqueles que desejam a implosão de nossas liberdades. 

Vivemos tempos preocupantes. Há tempos o sistema internacional mostrava sinais de fadiga, porém, uma safra de líderes habilidosos evitou a corrosão em escala maior. Infelizmente os tempos mudaram e o avanço antidemocrático tem crescido de forma exponencial tanto pela direita, quanto pela esquerda. O absurdo se tornou parte do cotidiano e as sociedades parecem ter esquecido as lições do passado. Vivemos o maior e mais importante risco contra a democracia e nossas liberdades em tempos recentes, uma possível reorganização internacional que pode levar nossa civilização, mais uma vez, diante do inimaginável.