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O truco das tarifas de Trump: coloque seus filhos para estudar Mandarim

Trump chamou de Liberation Day, mas o tarifaço que ele propôs contra a China pode muito bem ser chamado de Make China Great Again. Ainda não está claro para ninguém o que exatamente vai sair disso. Eu recomendo matricular os filhos em aulas de Mandarim.

Quem está dizendo que já entendeu tudo são os doidinhos de sempre, os fugitivos do CAPS da política. Aquela turma que não estuda o tema, não trabalha com o tema, não trabalha com política mas acha que sabe tudo. Estão no mesmo nível de quem assiste futebol e se acha técnico.

Quem realmente acompanha política com seriedade ainda está tentando entender as motivações e, principalmente, as consequências das tarifas. As bolsas do mundo inteiro estão em pânico. Isso porque ninguém conseguiu calcular ainda o prejuízo, nem as maiores empresas americanas.

Hoje, para fazer um lápis, o grafite vem de um lugar, a madeira de outro, a tinta de outro, a montagem de outro. A cadeia produtiva é mundial. Serviços também. Tem empresa americana com atendimento ao consumidor feito por call centers na Índia. Isso vai ser tributado como? Vai ser tarifado como Índia ou como Estados Unidos? A conta está sendo refeita. E ninguém sabe ainda o tamanho do estrago.

Aqui no Brasil, como sempre, temos políticos sem o menor respeito pela população. E o brasileiro aceita. Vive num relacionamento abusivo com a classe política. Sabe aquela situação em que a pessoa te maltrata, você vai cobrar, e no final é você que sai pedindo desculpa? É assim.

Tem político que finge que nada está acontecendo. E tem os que dizem: “Vamos retaliar!”. É risível. É como se, numa briga de rua, um brutamontes de 1,90 m sacasse um estilete, e você entregasse um estilete para sua filha de 3 anos dizendo: “Vai lá, enfrenta ele!”. Essa é a ideia do Brasil “retaliar” os EUA. Mesmo instrumento, nenhuma chance.

E, no meio disso tudo, o Lula aparece com aquele tom de sempre: “tá tudo certo, tá tudo bem”. Vi um pronunciamento do primeiro-ministro de Singapura. Ele disse, com serenidade: “Ainda não sabemos o tamanho do impacto. Mas a ordem mundial está mudando. Aquela estabilidade criada após a Segunda Guerra está ruindo”. Mesmo que revogue todas as tarifas, Donald Trump já queimou um ativo valioso dos Estados Unidos: previsibilidade.

Em Singapura explicaram com calma e transparência ao povo, dizendo que os impactos negativos e também positivos acontecerão e ainda não podem ser previstos. Aqui? Nada. Não teremos esse tipo de esclarecimento. E, pior, ninguém vai cobrar. Porque o brasileiro já aceita tanto absurdo de político que nem exige mais que eles se comportem feito gente grande.

Para Lula não perder a eleição

Em condições normais Lula perderá a eleição de 2026. Não para o bolsonarismo e sim para o antilulismo e para o antipetismo, que são hoje muito mais amplos. Sabendo disso, o lulopetismo está tentando criar condições anormais. Como?

1) Transformando o julgamento de Bolsonaro e comparsas no STF em um julgamento político e numa antecipação da campanha eleitoral, para vender a ideia de que qualquer candidato não petista, que pretenda herdar os votos bolsonaristas, será um golpista (ou fascista) disfarçado. Em resumo, o PT quer disseminar a impressão de que a derrota eleitoral de Lula seria, para efeitos práticos, o equivalente a um golpe.

2) Censurando programas eleitorais das oposições no horário gratuito da TV; no limite, cassando candidaturas ou pré-candidaturas oposicionistas.

3) Usando as mídias profissionais (sobretudo as TVs – o leitor sabe quais) como imprensa chapa-branca ou assessoria de imprensa do governo (atuando informalmente como partidos políticos).

4) Aprovando, via STF, uma regulamentação das mídias sociais que asfixie as oposições, censurando conteúdos antilulistas e antipetistas; no limite tirando do ar algumas dessas mídias durante a campanha eleitoral sob o pretexto de que difundem fake news, desinformação, discurso de ódio ou atentado ao Estado de direito e à democracia.

Claro que, adicionalmente, Lula tentará aprovar todo tipo de benesses eleitoreiras para os pobres e remediados (onde está em franca minoria). Mas isso é do jogo tal como é jogado pelos populismos que parasitam nosso regime político. E não costuma funcionar mais como funcionava.

Lulo-madurismo ou bolso-trumpismo: a encruzilhada do atraso

A polarização entre lulismo e bolsonarismo é uma praga que há tempos vem corroendo a política e apodrecendo o cérebro da sociedade brasileira, reduzindo o debate político-eleitoral ao nível fanatizado da lacração e do insulto.

É lugar comum da análise das ideologias a consideração de que a esquerda e a direita se unem em seus extremos. 

No caso em tela, temos que o extremo-esquerdismo lulopetista se une ao extremo-direitismo bolsonarista por modos que vão além da indigência do discurso; um desses modos é a adoção de ídolos.

No caso do lulopetismo a idolatria ideológica é vasta, destacando-se, porém, a paixão de que foi objeto o ditador cubano Fidel Castro. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no ditador venezuelano Nicolás Maduro.

No caso do bolsonarismo, a idolatria ideológica resgatou durante algum tempo a figura de Brilhante Ustra, comandante do (DOI-CODI) e um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar brasileira. Hoje, destaca-se a fixação adulatória no presidente norte-americano, Donald Trump.

Historicamente, obsessões ideológicas costumam desnortear os políticos e levá-los a decisões desastrosas. 

Considerando-se o tenso contexto da atual geopolítica, deixar o Brasil a mercê das idiossincrasias ideológicas do lulopetismo ou do bolsonarismo pode levar a desastres maiores do que aqueles que já foram por eles produzidos.

Lula, Maduro e o “exército de Stédile”

Após a escandalosa fraude na última eleição presidencial da Venezuela, Lula tinha controlado um pouco sua incontinência adulatória em relação ao ditador Maduro, mas terminou sendo arrastado pela incontrolável paixão do extremo petismo e está recompondo a velha amizade; isto no quadro nebuloso de uma composição fundiária e militar.

Paralelamente a um acordo de cooperação técnica em agricultura celebrado por Maduro e Lula, o ditador venezuelano cedeu 180 mil hectares de terra para ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o conhecido movimento invasor de terras liderado por João Pedro Stédile.

Que uma composição com o MST seja também militar é algo que emerge da própria fala do presidente Lula que, em 2015, no contexto de forte pressão política após denúncias, pela operação Lava Jato, do esquema de corrupção petista, exclamou, durante discurso: “também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o Exército dele nas ruas”.

No artigo “MST é a tropa de choque de Maduro”, Duda Teixeira denuncia, com razão, a doação de terras de Maduro para o MST como uma “caso clássico de ingerência externa, em que um ditador estrangeiro financia um grupo armado que gera instabilidade no Brasil, violando as leis brasileiras”.

O jornalista também nos lembra, em seu artigo, as vezes em que o MST já atuou como a tropa de choque de Maduro além das suas fronteiras, a exemplo do que ocorreu em 2019, quando o movimento ocupou a embaixada da Venezuela em Brasília para expulsar diplomatas do presidente interino Juan Guaidó.

Nesse contexto, deve-se atentar ainda para o – temporariamente suspenso – projeto de Maduro de invadir a Guiana. 

Estando agora parte do MST em terras cedidas pelo governo da Venezuela, se o ditador Maduro decidir fazer avançar o plano postergado, poderá certamente contar, mais uma vez, com o leal “exército de Stédile.”

I love you, Trump”

Consta no anedotário político brasileiro que, por ocasião da Assembleia Geral da ONU, em 2019, diplomatas presentes na sala que abrigava presidentes antes e depois dos discursos, presenciaram o momento em que o então presidente Jair Bolsonaro disparou para Donald Trump um “I love you” e recebeu um “nice to see you again”.

De lá pra cá a paixão só aumentou. A paixão, porém, quando invade a cena política, pode colocar os atores e a plateia em risco.

Desde o início do seu novo mandato na Casa Branca o objeto da paixão do ex-presidente brasileiro tem governado com imprevisibilidade e desrespeito ao próprio legado histórico-político dos Estados Unidos. 

Sob Trump, o outrora farol do mundo livre, traiu os melhores ideais da América, entrincheirando-se em um nacionalismo-populista tosco e boçal, deixando atônitos seus antigos aliados europeus.

A direita brasileira sabuja mostra-se, porém, incapaz de fazer uma crítica a Trump, mesmo diante da sequência estonteante de ditos e feitos deploráveis do presidente americano.

Da direita brasileira não vem nenhuma crítica à infame postura pró-Rússia, nenhuma crítica à cruel política de deportação de imigrantes, nenhuma crítica à insana guerra comercial contra a Europa, nenhuma crítica aos arroubos expansionistas que ameaçam a Groenlândia, o Panamá e o Canadá.

A reação do bolsonarismo a qualquer medida do governo dos EUA será sempre acrítica. Quaisquer que sejam elas, serão recebidas com entusiasmo, louvor e integral apoio.

Já era assim antes, ainda mais agora que Eduardo Bolsonaro se licenciou do cargo de deputado federal no Brasil para permanecer nos EUA prestando serviço em tempo integral à família Trump na esperança de angariar apoio para livrar o seu pai da cadeia.

Encruzilhada do atraso

A polarização entre lulistas e bolsonaristas dará novamente o tom na disputa eleitoral de 2026?

O lulopetismo tem ao mesmo tempo vantagem e desvantagem por estar no poder. A desvantagem vem do desgaste de um governo ruim; a vantagem vem do fato de o presidente Lula já ter contratado um marqueteiro a preço de ministério e não estar economizando nos gastos de campanha.

O bolsonarismo tem a desvantagem de, não estando no poder, não poder usar a máquina pública a seu favor, como fez em 2022, quando perdeu por pouco. Mas tem a vantagem de que o ex-presidente Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE, não pode ser candidato.

Se pudesse ser candidato em 2026, Bolsonaro perderia por muito, mas um seu substituto (ou substituta) pode ter melhor sorte.

Azar mesmo é o da população brasileira se continuar paralisada nessa encruzilhada do atraso.

“Empréstimo do Lula” vai conseguir colocar o Brasil inteiro no SPC 

Não sei se o Lula virou agiota ou se pretende mudar o nome do PT, Partido dos Trabalhadorer, para PB, Partido dos Banqueiros. A medida que o governo tomou agora é uma das mais vergonhosas contra o trabalhador brasileiro. Mostra que essa história de proteger os mais pobres e os desfavorecidos virou apenas discurso.

A esquerda lulista virou a esquerda do “elu/delu”, a esquerda “todEs”, que quer defender a pauta woke, aplaudir artista badalado, viajar para o exterior e falar groselha, mas não demonstra nenhuma preocupação com os trabalhadores. Não se preocupar já seria ruim. A situação foi além: o governo passou a agir contra o interesse do trabalhador, a favor dos banqueiros, e ainda comemora.

O FGTS foi criado na ditadura para funcionar como uma poupança do trabalhador. Virou uma “roubança”. Toda poupança, para ser vantajosa, precisa render pelo menos o suficiente para cobrir a inflação e mais um pouco. E mesmo isso a gente já acha pouco. O FGTS, no entanto, não rende nem isso. Não cobre nem a inflação. O trabalhador tem parte do salário retida e, quando vai sacar, percebe que o valor perdeu poder de compra. É uma imposição. Você é obrigado a entregar uma parte do que ganha para o governo, e o governo usa esse dinheiro como quiser. Fica em um caixa único que financia ações governamentais.

Com o tempo, o trabalhador foi se acostumando, mas isso não quer dizer que o sistema funcione bem. O acesso ao próprio dinheiro é enrolado. Há saque para compra de casa, saque-aniversário, saque-rescisão. Se você usa um, perde o outro. Entrar o dinheiro entra. Para sair, é uma novela. O sistema dificulta tudo.

Como se isso já não fosse péssimo, o governo agora criou mais um problema. O trabalhador poderá pedir empréstimo usando como garantia o próprio dinheiro que está retido no FGTS. Mas vai pagar juros absurdos por isso. Lula vive dizendo que a Selic, taxa básica do Banco Central, é alta demais – hoje em 14,25% ao ano. Mas esse novo empréstimo cobra 3% ao mês. Nem é preciso fazer conta com juros compostos. Na conta simples, o trabalhador pagará mais que o dobro dos juros que o presidente diz serem absurdos. Lula diz que a Selic é coisa do “bolsonarismo sabotador”. Mas, neste caso, a taxa que ele permite que cobrem dos mais pobres é ainda mais indecente.

Na prática, quem pegar R$ 20 mil para pagar em 48 vezes terminará pagando R$ 38 mil. Quem pegar R$ 10 mil, pagará R$ 19 mil. E o mais absurdo: essa pessoa já tem os R$ 10 mil ou R$ 20 mil no FGTS. Ela não está pedindo um empréstimo porque não tem o dinheiro. Ela está pedindo um empréstimo para ter acesso ao que já é seu. Mas não pode retirar diretamente. Precisa ir ao banco, pedir o dinheiro emprestado, e pagar o dobro para o banco. É uma política insana.

O resultado vai ser trágico. Quando o trabalhador for sacar o FGTS, o saldo já estará comprometido com a dívida. E, como a economia está em frangalhos, ele provavelmente terá feito outras dívidas também. É o caminho certo para o endividamento completo da população.

Esse programa do governo poderia muito bem se chamar “Meu SPC, Minha Vida” ou “Meu Serasa, Minha Vida”. Com os preços nas alturas, a economia desgovernada, e o governo aumentando impostos para todos os lados, o que Lula decidiu agora é simples: enriquecer banqueiros com empréstimo garantido e empurrar mais brasileiros para o endividamento. Setenta por cento já estão no Serasa. Ao que tudo indica, o objetivo agora é chegar aos cem.

Lula foi machista com Gleisi ou não foi porque é de esquerda?

De todas as declarações machistas que Lula já fez e continua fazendo com uma frequência absurda, essa sobre a beleza de Gleisi Hoffmann é, de longe, a menos ofensiva. Mas, curiosamente, foi a que mais causou frisson entre aqueles que fingiram não ver o machismo do presidente até agora.

A indignação tem duas razões. A primeira é que os ratos estão desembarcando. A mesma turma da “carta pela democracia” e do “governo do amor”, que endossou com entusiasmo a farsa da “primeira-dama feminista” — algo que nunca existiu e nunca existirá —, agora percebeu que o governo naufragou e precisa de uma desculpa para abandonar o barco. O preço dos alimentos disparou, a popularidade de Lula despencou e a estratégia de jogar a culpa nos outros já não cola mais. O machismo de Lula, convenientemente ignorado até agora, virou o pretexto perfeito para essa turma fingir que nunca apoiou nada disso.

Até ontem, essa gente passou pano para Lula dizendo que era “amante da democracia” porque “homem gosta mais da amante do que da mulher”. Fingiu que não viu a misoginia explícita no episódio das “feministas do grelo duro”. Fechou os olhos para a quantidade de mulheres demitidas no governo e substituídas por homens. Mas agora, de repente, um elogio à aparência de Gleisi virou motivo de escândalo. Por quê? Porque a conveniência política mandou.

E aí vem o outro motivo do frisson: o recalque. Muita gente se doeu porque Lula chamou Gleisi de bonita. Mas ele mentiu? Gleisi Hoffmann, objetivamente, é bonita. Aliás, mais bonita hoje do que quando era jovem. Isso, convenhamos, é uma sorte para poucos.

Agora aparece um monte de gente dizendo que ela é feia. Alguns homens parecem muito empenhados em afirmar isso. Se você é um deles, sinto dizer: isso diz mais sobre você do que sobre Gleisi. É como profetizou Ronnie Von, significa. Esforço demais para não gostar de mulher, amigos.

Homem de verdade não liga para vertente política ao olhar beleza de mulher. Aliás, conheço vários que fingem ser esquerdomachos para pegar mulher. Tenho até um amigo que pode ser definido como esquerdomacho de direita, um eterno apaixonado pelo gênero feminino. Obviamente não darei nomes.

O caso é que muita feia ficou ofendida e não foi pela declaração machista. Foi porque jamais serão reduzidas à própria beleza simplesmente porque essa possibilidade não existe. Agora ficam gritando que foi machismo, mas é puro fingimento. Até agora não diziam nada sobre declarações machistas muito mais ofensivas. Foi Lula botar a beleza em pauta que ficaram ofendidas.

Cá entre nós, a política brasileira não tem gente feia, tem gente que não foi passada a limpo. Olhar um palanque político brasileiro é meio como olhar um trem fantasma. Dizer que a beleza de Gleisi é uma vantagem nesse cenário não passa de pura constatação do óbvio.

Foi machista? Foi. E não foi uma escorregada. Mas estou rindo muito ao ver a súbita indignação de quem passou pano para machismo durante anos. Confesso que chego a gargalhar quando o caso em questão é de alguém que jamais será subestimada intelectualmente por ser bonita.

Foto: EFE/Andre Coelho.

Decadência Política

Lula é classificado como um líder político habilidoso, capaz de governar com facilidade e criar maiorias no parlamento, encantamento nas ruas e condescendência da imprensa. Seu terceiro mandato, entretanto, tem sido diferente, longe das características que o levaram a deixar o Planalto em 2010 com uma popularidade que beirava os 87%, Lula hoje enfrenta seus mais baixos índices de aprovação, com cerca de 46% e seu governo tem números ainda piores, de 41%.

Fato é que muitos se perguntam se ele perdeu a magia ou a capacidade de mobilizar apoios como no passado. Na verdade, estamos falando sobre uma série de fatores que somados provam esta tese, entretanto, existe um fato que raramente é considerado nesta equação, ou seja, que Lula jamais foi uma figura dotada de uma qualidade ímpar no campo da articulação, mas alguém que tinha em torno em si nomes que foram capazes de gerir seu capital político. Longe deles, Lula se tornou um político comum.

Neste terceiro mandato, Lula cometeu um dos erros mais prosaicos da política, aquele que mostra a principal fraqueza de um mandatário, ou seja, cercou-se de pessoas que apenas concordam com tudo que diz e opina, chamados na política americana de “yes man”. Estas pessoas servem apenas para aplaudir, porém jamais para ponderar, opinar, discordar e oferecer visões diferentes. Um erro comum, mas fatal nas esferas de poder.

Isto explica a guinada à esquerda depois de uma eleição que venceu pelo centro. Lula poderia ter construído um terceiro mandato de união nacional pelo centro político, algo que certamente redirecionaria o país da polarização em quatro anos. Sua aposta, contudo, foi no sentido oposto e os resultados começam a ser colhidos em uma onda crescente de impopularidade que pode levá-lo à primeira derrota eleitoral desde 1998.

Justamente pela falta de visões diferentes em torno de si, surgiu neste mandato um Lula em estado puro, apresentando um governo datado, ultrapassado, vacilante, fora de foco ou sintonia com as ruas e com os desafios internacionais atuais. Vemos programas serem reeditados, boas ideias desprezadas, um modelo superado de comunicação e uma administração refém de pautas que não dialogam com a sociedade e as demandas dos brasileiros. Lula governa para um país que somente ele acredita que ainda existe.

Ao redor de si, o Presidente não possui sequer um dos nomes que estavam na condução da política quando chegou ao Planalto. Alguns se afastaram de sua órbita cotidiana como Luiz Dulci e Gilberto Carvalho, muitos foram atingidos pelas operações contra corrupção, como José Dirceu e Antônio Palocci. Houve quem optasse pelo caminho da aposentadoria, como José Genoíno e alguns faleceram como Márcio Thomaz Bastos e Luiz Gushiken. Isto significa que todos aqueles nomes influentes e com acesso direto a Lula não circulam mais pelos corredores do Planalto. Hoje, o Presidente é cercado de uma plateia disposta a aplaudir e bajular, ao invés de possuir assessores e líderes políticos dispostos a construir e contribuir.

Lula é um líder político em decadência, alguém sem o viço de outro tempos, que deixou de cativar, inspirar ou influenciar as pessoas como antes. Talvez seja tarde demais para corrigir este erro. Hoje temos um Presidente refém de si mesmo.

Bolsonaro ganharia de Lula se a eleição fosse hoje

Uma cena descreve a situação atual do governo Lula: frango descendo ladeira. A situação econômica não melhora, os aliados começam a desembarcar, a base no Congresso se torna mais difícil de controlar e, pior, o governo não apresenta nenhuma solução concreta para sair do buraco em que se enfiou.

Diante desse cenário, a velha tática de distribuir programas sociais já não funciona mais como antes. A população que depende desses auxílios não vê mais aquilo como um presente do governo, mas sim como um direito adquirido. Ou seja, Lula pode inflar o Bolsa Família e criar novas bolsas, mas isso não garante que os eleitores vão continuar votando nele. Ainda mais quando os preços seguem nas alturas e a inflação corrói o poder de compra das pessoas.

A resposta do governo? Uma estratégia de comunicação desastrosa e uma tentativa de criar narrativas para desviar a culpa. O episódio mais ridículo foi a ação coordenada de influencers e parlamentares governistas para tentar responsabilizar os produtores rurais pela alta dos alimentos.

Os aliados do governo se mobilizaram para espalhar a tese de que os preços altos não são culpa da política econômica desastrosa de Lula, mas sim dos próprios produtores, que “jogam comida fora”. O ápice do absurdo foi um vídeo em que um influencer queridinho do governo reage à cena de uma uma mulher descartando dois chuchus. Influenciadores repetiram a narrativa, políticos embarcaram e até parte da imprensa governista tentou dar algum verniz de credibilidade à história.

Só que a tese não se sustenta e a operação de mídia teve pouco ou nenhum efeito sobre quem acha os preços altos no supermercado.

Lula está mais isolado do que nunca. E, diferente dos seus primeiros governos, não tem mais estrategistas competentes ao seu redor. No passado, ele contava com Antônio Palocci, Luiz Gushiken, Gilberto Carvalho e José Dirceu, que, goste-se ou não, sabiam articular politicamente. Agora, ele tem Gleisi Hoffmann e Janja.

O cenário eleitoral também não traz boas notícias. A pesquisa da Paraná Pesquisas aponta um quadro preocupante para o PT: em um eventual segundo turno contra Jair Bolsonaro, Lula já aparece numericamente bem atrás, com 40,2% contra 45,1% do ex-presidente. Perdeu nas urnas por um dedinho, agora perde uma mão cheia, cinco pontos. Também perde contra Michelle Bolsonaro e toma um suor do governador Tarcísio de Freitas.

Os aliados começaram a abandonar o barco. O advogado Kakay escreveu uma carta alertando que Lula está cercado por bajuladores. Paulinho da Força já reclamou. Kassab já criticou. E até Luísa Mell, ativista da causa animal e historicamente alinhada com pautas progressistas, se afastou.

Luísa Mell nunca foi uma figura ligada à política partidária, mas sempre teve trânsito no campo progressista, é uma referência na defesa mais estridente dos pets. Sua crítica a Lula veio após o presidente criticar o Ibama. Se até ela, que normalmente evita disputas ideológicas, fez questão de expor sua frustração, significa que o desgaste do governo extrapolou o campo da política tradicional.

A questão agora é: quem mais vai pular fora? E mais importante: quanto tempo até Lula decidir que precisa encontrar um bode expiatório dentro de casa? Quando ele perceber que sua popularidade não melhora, será que a culpa vai cair sobre Janja?

O tempo dirá, mas o cenário não é nada animador para o presidente. Lula já enfrentou crises antes, mas desta vez, ao contrário de outras ocasiões, ele não tem mais controle sobre a narrativa. O desgaste só aumenta e os próximos dois anos prometem ser difíceis.

Foto: André Borges / EFE.

Derrota Anunciada

Lula chegou pela terceira vez à Presidência da República embalado na rejeição colhida por Bolsonaro em várias frentes, porém, sobretudo durante a pandemia. Costumo dizer que Lula não venceu as eleições de 2022, mas Bolsonaro que perdeu, uma frase que explica muito da dinâmica daquela campanha. Quando miramos no cenário que se desenha para 2026, vemos Lula repetir os erros de Bolsonaro, colocando-se em especial posição para ser o derrotado pelas urnas, encerrando sua carreira política.

O Presidente chegou ao Planalto a bordo do que se convencionou chamar de “frente ampla”, ou seja, uma união de partidos, líderes e políticos de centro que no passado foram seus adversários, mas que diante do cenário, preferiram apoiar seu nome. Ao vencer, tinha tudo para construir um governo de coalizão e terminar sua vida política como uma liderança política reconhecida, mesmo que sob a sombra de seus erros e das comprovações de corrupção que envolvem seus governos, aliados e a si mesmo.

O caminho escolhido, entretanto, foi outro. Lula colocou em prática aquela forma já ultrapassada de fazer política, acrescentando pitadas de seus antigos vícios, abrindo um espaço demasiado grande para partidos pequenos e um feudo enorme para os petistas. O resultado, é claro, foi um governo disfuncional, sem base no Congresso Nacional, com políticas que se afastaram do centro, mostrando um governo torto, totalmente desconectado dos votos essenciais que lhe entregaram a vitória de 2022.

Esta dinâmica está exposta nas pesquisas de opinião. Atualmente Lula vive seu pior momento desde que assumiu a Presidência da República em 2003. Sua popularidade despencou para 24%, uma queda de 11 pontos em 2 meses, algo inédito. A reprovação de sua gestão também subiu, de 34% para 41%. Sua popularidade caiu 15 pontos entre os mais pobres e foi acentuada também no Nordeste. Tudo isso se torna ainda mais impactante quando 62% da população não deseja ver Lula como candidato à reeleição.

Em seu terceiro governo há um Lula ultrapassado, seja diante da tentativa de reeditar políticas antigas ou envelopar iniciativas superadas de outrora. Diante de novos desafios são necessárias novas estratégias e o governo parece parado no tempo, incapaz de enxergar uma política fiscal consistente, reduzir gastos públicos, controlar as críticas de um petismo atrasado que ainda vive preso nos anos 1980 e levar racionalidade para a máquina pública.

Além disso, Lula não tem o mesmo carisma do passado diante das massas, produz gafes em série e gera pouco efeito positivo. Isto ficou exposto na carta enviada pelo seu amigo, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro: “O Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”. O diagnóstico é preciso e irretocável.

Lula caminha para uma derrota anunciada, aquele que será vencido em 2026, independente de quem triunfe.

A Estrela Decadente

Parece contraditório, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder pela quinta vez depois de atravessar um longo período de declínio. 

Seu candidato a presidente foi vitorioso na eleição de 2022, não pela força do partido, mas porque o desastre do governo anterior possibilitou a formação de uma ampla frente de oposição.

Certamente, mesmo em declínio, a força político-eleitoral do PT era ainda significativa; e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo desgastado, não encontrava na oposição nenhum nome que com ele ombreasse em popularidade para enfrentar o então presidente Jair Messias Bolsonaro.

O PT e o presidente Lula não souberam, porém – passados já dois anos, metade do mandato –, aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperarem a força, simbolismo e prestígio que tiveram na aurora do partido. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio. 

Todavia, se não é provável, também não é impossível que Lula seja reeleito em 2026; isto porque, se o governo Lula-PT é ruim, a oposição não deixa de ser também uma lástima. 

É tão desoladora a situação que, em lugar de um equilibrado centro-democrático, temos uma coisa chamada “centrão”, aglomerado fisiológico de parlamentares desvairados por dinheiro, o qual abocanham especialmente através de emendas secretas, semi secretas ou escandalosamente abertas.

A redemocratização

Há 45 anos – 1980 –, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma estrela fulgurante para a esquerda brasileira, com grande força de atração e equivalente força de propulsão. 

O ambiente era propício para o surgimento de um novo partido de esquerda. A ditadura militar, ainda vigente, estava moribunda. 

Na verdade, não existia mais ditadura: a ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ de 1979, promulgada pelo presidente General Figueiredo, tornara a redemocratização irreversível e as multidões ocupavam as ruas, sem enfrentar repressão, exigindo a realização de eleição para presidente da República, com a campanha das “Diretas já”

Se essa campanha não logrou vitória formal no Congresso Nacional, ao menos instituiu a democracia diretamente no espaço público: nas ruas, praças e botequins. Corria pelo Brasil uma verdadeira euforia democrática. 

Embora tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente (emenda Dante de Oliveira), o Congresso Nacional viu-se forçado a caminhar para a eleição de um presidente da República civil, tendo o Colégio Eleitoral elegido, em janeiro de 1985, Tancredo Neves (que morreu antes da data da posse, o que levou à posse do vice-presidente eleito, José Sarney.

Lula e o PT

Gestado nesse contexto de lutas contra a ditadura militar brasileira e clima de redemocratização, o PT teve como suporte principal uma forte base sindical montada a partir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, presidido pelo operário/torneiro mecânico (licenciado por acidente) Luiz Inácio da Silva (ainda sem o famoso apelido acrescido ao nome em cartório). 

A essa base vieram a se unir contingentes expressivos de diversos segmentos sociais contestatórios, com destaque para a esquerda remanescente das lutas estudantis de 1968 e guerrilheiros que sobreviveram aos “anos de chumbo”, assim como comunidades eclesiais de base da Igreja católica e o movimento estudantil, fortemente reativado por essa época.

Quando aconteceu a almejada eleição direta para presidente, em 1989, o PT já estava forte o suficiente para ir ao segundo turno. 

Leonel Brizola (PDT) era tido como favorito naquela eleição, mas cresciam o nome de Lula e de um jovem político de Alagoas, até pouco tempo nacionalmente desconhecido, chamado Fernando Collor de Mello.

Collor venceu, então, a primeira eleição presidencial pós-redemocratização, mas realizou um governo tão estúpido e desastroso que não demorou a ser afastado por impeachment. 

Como se sabe, a persistência petista levaria Lula a Presidência da República na eleição de 2002, quando derrotou José Serra (PSDB).

Petismo, lulismo e marxismo

Com a entrada trepidante de Lula no cenário nacional através da enorme repercussão das greves de fábricas no ABC paulista nos anos 1970, o fato de um operário ser alçado à condição de grande liderança fascinou a intelligentsia marxista brasileira. 

Ainda antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, um enxame desses intelectuais passou a cercar o futuro presidente do PT e doutriná-lo com o extrato do pensamento de Marx, Engels e Lênin. 

Pouco afeito à leitura, Luiz Inácio não teria como compreender muito bem a complicadíssima ciência do materialismo histórico e dialético, mas o componente do autoritarismo leninista (bolchevismo) foi bem assimilado. 

É certo que Lula desenvolveu forte simpatia, apego e estima por ditaduras de esquerda; como são os casos notórios da ditadura de Cuba (desde os tempos de Fidel Castro) e da ditadura da Venezuela (desde os tempos de Hugo Chaves), dentre outras. 

Lula não apenas nutriu simpatia por tais regimes, como também os financiou generosamente durante o exercício dos seus passados mandatos.

Fora essa paixão ideológica por ditaduras, Lula é tido e havido como um político pragmático, capaz mesmo de fazer alianças espúrias para se dar bem. 

O dono do PT

Nas pesquisas que andei fazendo para reconstituir o histórico do PT, conversei com alguns militantes dos primórdios do partido, que participaram ativamente da sua fundação em algumas cidades do Nordeste e que tiveram cargos de direção em alguns diretórios estaduais e municipais. 

Explicaram-me eles que, naqueles tempos, havia democracia interna; a democracia partidária era a tônica. 

Lula era, naturalmente, uma liderança respeitada, mas muito longe de ser o autocrata que, segundo alguns ex-petistas com quem conversei, passou a submeter o partido ao seu inteiro talante. 

Como se diz e é comum em outros partidos brasileiros: hoje o PT tem dono. 

Um dos motivos pelo qual o governo Lula vai mal é esse: ele não conta com um partido no qual possa pensar coletivamente, discutir, aprimorar projetos e ideias ou encontrar quem salutarmente o questione. A única instância de discussão de Lula parece ser ele mesmo; e agora Janja.

A corrupção petista

Nos primeiro e segundo mandatos de Lula, o governo petista atolou-se em corrupção. Nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo petista atolou-se mesmo na incompetência. 

O desastre do segundo mandato de Dilma levou ao seu impeachment. E é preciso frisar bem: foi um legítimo processo de impeachment que afastou a presidente Dilma, não foi um “golpe”, como apregoa a narrativa dos inconformados petistas; do mesmo modo que não foi golpe o impeachment de Collor de Mello.

A corrupção desencadeada nos primeiros governos de Lula geraram processos que o levaram à cadeia após julgamentos referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o mesmo Supremo que viria a libertá-lo, mudando suas interpretações e permitindo sua candidatura em nova eleição.

Sem entrar na análise dessas decisões erráticas do STF, fato é que somente um líder com grande carisma e popularidade poderia voltar ao poder, pelo voto, após tamanhos descaminhos.

Todavia, parece-me que Lula e seu partido vão chegando ao fim da linha. Lula, pelos descaminhos políticos e também pela idade. E o PT porque, ao deixar-se submeter à autocracia de Lula e insistir nas ideias autoritárias de uma esquerda que fede a mofo, tende a morrer com ele.

Lula e o Centrão

Lula, hoje, enquanto lida com o seu próprio partido com menosprezo e rigor de autocrata, submete-se, no Congresso Nacional, às artimanhas e chantagens do Centrão.

Os lulistas mais devotos tentam justificar essa pusilanimidade do presidente da República diante dos abusos da ala parlamentar fisiológica com a desculpa de que, sem isso, a governabilidade perece. 

Creio que o PT de outrora, de antes do primeiro mandato corrompido de Lula, teria ocupado as ruas para sustentar seu programa de esquerda, em vez de ceder às chantagens dos congressistas oportunistas de plantão. 

A velha esquerda e a nova esquerda

De um modo geral, a forma mais destacada da política brasileira, nos últimos anos, tem sido a lacração na internet. E esse é mais um motivo do declínio de Lula e do PT: ambos são analógicos. 

Na verdade, a esquerda brasileira é, em sua maioria, velha, analógica e melancólica. Penso que, nessa condição, estão alguns dos esquerdistas mais respeitáveis (nessa categoria de respeitáveis não incluo Lula, que é só velho e analógico; penso aqui em outras personalidades). 

Simpatizo um pouco com a velha esquerda romântica, desiludida e nostálgica, que lutou contra a ditadura, mas antipatizo profundamente com a nova esquerda que hoje faz barulho nas redes sociais. 

A nova esquerda é essa turma woke, identitária, extremista, fanática, meio demente, nutrida por uma estúpida ideologia anti-ocidental.

Enfim, entendo que o PT acabou e que o lulopetismo é uma política em fase de extinção. O que não me entristece. Entristece-me, porém, não ver algo de animador no horizonte. Até o momento, não consigo ver luz no fim do túnel; nem à esquerda, nem à direita. 

Lula é Kamala. Bolsonaro é Trump. E daí?

Se há algo que parece passar despercebido no calor das discussões políticas no Brasil, é a irrelevância absoluta das opiniões de Lula e Bolsonaro sobre as eleições dos Estados Unidos. Sim, isso mesmo: o que eles acham de Kamala Harris ou Donald Trump não tem impacto algum em Washington. Nenhum.

Vejamos o cenário atual. Lula, o presidente da República, declara seu apoio a Kamala como se isso fosse mover algum ponteiro na eleição norte-americana. Bolsonaro, fiel ao seu estilo, expressa abertamente seu apreço por Trump, como se os eleitores americanos estivessem ansiosos para saber o que ele pensa. Mas, honestamente, e daí? Não importa se o presidente do Brasil é fã de Kamala, Trump, ou até do Pato Donald. Lá nos Estados Unidos, isso é só ruído.

A questão é que o público brasileiro, ou pelo menos parte dele, parece incapaz de entender essa desconexão. Importamos o embate Lula versus Bolsonaro para dentro de temas internacionais como se isso fosse relevante para o eleitor norte-americano. A ilusão é de que, se um dos nossos líderes manifesta apoio a um candidato estrangeiro, ele realmente acredita estar influenciando alguma coisa. Não está. Essa dinâmica seria diferente se estivéssemos falando de um país vizinho, na América Latina. Um comentário do Brasil sobre a eleição argentina, ou mesmo paraguaia, poderia ter ressonância. Mas sobre uma potência como os Estados Unidos? É um jogo de aparências. E quem se ilude com ele é só o brasileiro.

Para ilustrar a inutilidade desse jogo, imagine se estivéssemos falando das eleições no Brasil, mas o apoio viesse de Angola. Digamos que o presidente angolano, João Lourenço, publicasse um vídeo apoiando Lula em nossa eleição presidencial. Isso mudaria o seu voto? É óbvio que não. E é óbvio que a opinião de Lula ou Bolsonaro sobre Trump ou Kamala não muda um único voto americano.

Ainda assim, seguimos nessa. Como se o mundo fosse acabar dependendo de quem ocupa a Casa Branca. “Kamala vai confiscar direitos, Trump vai erguer o muro”. Mas, vamos ser francos, o que realmente mudou quando Trump foi presidente? Ele tentou muita coisa, mas os guardrails da democracia americana, construídos e mantidos ao longo de duzentos anos, seguram qualquer um – até mesmo quem queira ou finja querer explodir o sistema. Nos EUA, o sistema é maior que o presidente. O Congresso, a Suprema Corte e as leis se mantêm intactos, segurando as rédeas da democracia. Algo que, convenhamos, não temos por aqui.

Aqui, no Brasil, a nossa democracia é frágil. Mudamos de Constituição como quem troca de roupa, o que coloca em perspectiva o quanto somos inconstantes em nossas “aventuras democráticas”. Nos EUA, há segurança estrutural. Lá, quem passa da linha, seja presidente ou peão, paga. O caso do Capitólio mostrou isso. Quem ousou desrespeitar o sistema foi punido e não foi um teatro para mostrar ao mundo “ficha limpa”. A punição foi para valer, sem essa história de salvar peixe grande e fazer show com os pequenos.

Mas, ainda assim, muitos aqui insistem em romantizar a eleição americana, como se tivéssemos que escolher lados e como se qualquer um dos lados fosse, de fato, nos representar. Sinto muito desapontá-los, mas o próximo presidente americano será irrelevante para nós. E não porque a política externa dos Estados Unidos é uma fantasia, mas porque, para eles, o que importa é o próprio sistema. Seja Trump, Kamala ou quem for, a democracia americana segue firme. Ela não precisa de salvadores; ela precisa de respeito ao que foi construído.

Então, meu conselho? Acompanhemos o show de camarote, mas sem apego emocional. No Brasil, há quem se emocione com tudo isso, com cada palavra de Lula ou Bolsonaro sobre política americana .Mas emoção, em política, nunca deu certo. E, para ser sincera, essa importação de brigas estrangeiras só serve para distrair do que realmente importa aqui.