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Foto: picture alliance / ASSOCIATED PRESS | Vyacheslav Prokofyev

Convescote Autocrático

Kazan foi o palco escolhido por Vladimir Putin para reafirmar sua presença internacional, mesmo que em meio a um grupo de países autocráticos. Ao hospedar a atual reunião de cúpula dos Brics às margens do rio Volga, Putin consegue driblar o mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional que ordena sua prisão e posa de líder ao lado de outros presidentes também polêmicos, como Xi Jinping da China e Masoud Pezeshkian do Irã.

O Brics substitui aquilo que era chamado no passado de países não alinhados, uma vez que o bloco não é uma instituição, mas apenas um grupo político que atualmente gira em torno da China, defendendo sua agenda e interesses, contrapondo-se ao G7.  Moscou e Pequim, os reais líderes, usam a oportunidade de palco informal para apoio ao chamado “Sul Global”, designação que na cartilha de seus membros substitui a antiga expressão “Terceiro Mundo” ou “países em desenvolvimento”.

O bloco recentemente passou por uma ampliação, recebendo Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã como membros plenos. Este será o 1º encontro com os chefes de governo dos novos participantes, que se integram aos fundadores, Brasil, Rússia, Índia, China e (depois) África do Sul, que se reúnem desde 2009.

Vladimir Putin usa o evento como forma de demonstrar alguma liderança internacional desde que sua imagem foi atingida com a invasão da Ucrânia. Atualmente ele está banido de reuniões nos Estados Unidos e em países europeus e busca mostrar liderança entre o chamado Sul Global, mas também na Ásia Central, onde estão localizadas as antigas repúblicas soviéticas e em regiões da África, onde divide seu imperialismo político com o domínio econômico chinês.  

Com o objetivo de diminuir o impacto das sanções internacionais contra o Kremlin, Putin aposta na redução das transações em dólares. Para isso pretende usar o Brics e seu banco, o NDB, atualmente sob comando formal do Brasil. O objetivo é forçar com que a moeda dos EUA, o dólar, deixe de ser referência no comércio e finanças globais e, assim, perca a relevância como reserva de valor. Tudo, claro, combinado com os chineses.

Liderado pela China, o palco de Putin foi montado também para mostrar a musculatura e potencial de influência das autocracias que comandam o grupo. Como forma de ampliar seu poder, porém sem perder controle decisório, o bloco procura implementar uma nova modalidade de membros associados. Participariam de reuniões, mas sem votar. Assim, a reunião decidiu receber líderes de 24 nações, como Bahrein, Belarus, Bolívia, Nicarágua, Síria, Cuba, Argélia, Venezuela, entre outros, ou seja, nenhuma que navegue de forma calma pelas águas de um regime democrático. Um movimento que deixa claro o caminho trilhado pelo Brics: um clube autocrático em ampliação.

Ao fim da celebração russa, a presidência rotativa do bloco será transferida para o Brasil, que sediará a 17ª reunião de cúpula. Seria uma oportunidade para nosso país falar de temas importantes que passam ao largo da agenda do bloco, ignorados solenemente pelos países que lideram as discussões. Ao optar pelo silêncio, democracias como o Brasil apenas chancelam a cruzada autoritária de seus membros. Na verdade, o Brics se tornou um convescote autocrático financiado por ditaduras que oprimem suas populações. Já passou da hora de repensarmos nossa presença neste clube.

Correção de Rota (da Seda)

Gigantes empresariais da América, Europa e Japão dominaram o comércio global em tempos recentes, porém há sinais de que esta realidade vem mudando. Empresas chinesas avançam com voracidade em direção ao Sul global e isto tem mexido com o antigo equilíbrio das cadeias externas. Estas novas indústrias, que vão desde vestuário a automóveis, estão se expandindo com velocidade surpreendente causando enorme impacto nas economias do mundo em desenvolvimento.

Para os consumidores isto promete uma bonança de bens e serviços que mudará vidas. Entretanto, para o Ocidente, trata-se de uma lição desconfortável tanto na frente econômica como política. As multinacionais ocidentais, que há muito tempo são os principais agentes do comércio e investimento transfronteiriços, estão cedendo terreno nos mercados mais populosos e de crescimento mais rápido do mundo para Pequim.

Isto significa que à medida que o Ocidente se voltou para dentro, a China e o resto do mundo emergente aproximaram-se, especialmente usando o financiamento da Nova Rota da Seda. Algo que se tornou um risco, porém, uma forma de suprir uma clara necessidade dos países em desenvolvimento, que carecem de recursos para realizar investimentos. Apesar dos perigos inerentes, existe a oportunidade de enriquecer os próprios consumidores, criar empregos e promover inovação e concorrência. Porém, para atingir este objetivo é necessário oscilar de forma inteligente entre protecionismo e passividade.

Os resultados da Nova Rota da Seda estão longe de ser uma unanimidade na esfera internacional, com a transformação de algumas nações em meras marionetes dos interesses de Pequim nos fóruns internacionais e celeiros de corrupção. A sabedoria talvez esteja na habilidade de receber recursos de forma inteligente sem criar laços que tornem o país vulnerável ou subserviente, focado em resultados e orientado pela diversificação de investidores em diferentes setores. Na verdade, o mecanismo precisa de correções, uma espécie de ajuste de rota (da seda).

Esta correção de rumo pode surgir no Brasil, o que seria um ganho enorme para os dois lados, tanto em Brasília como em Pequim. Explico. Diversos países vêm adotando políticas de avaliação de investimento, preservando setores da economia do risco de monopólios privados, promovendo mecanismos de concorrência para áreas estratégicas, aquilo que ao fim e ao cabo produz desenvolvimento e inovação aliado a preservação da soberania política e econômica. Uma forma de receber investimentos necessários de forma saudável e eficaz.     

A China pode muito bem concordar com isso. Ao longo dos anos, as multinacionais americanas e japonesas perceberam os benefícios de uma relação sadia e próxima de seus mercados. Desta forma, as empresas chinesas poderão enxergar os benefícios de estabelecer raízes mais profundas no mundo emergente, exercendo inclusive uma influência política de forma inteligente, longe dos erros cometidos na África e na Ásia, que deixaram um rastro de ressentimento e insatisfação. Uma correção de rota, que pode começar a ser desenhada em parceria com o Brasil.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Lula: cai a máscara democrática de um tirano

Lula tem uma habilidade ímpar de transmutar seu discurso ao gosto do ouvinte, adequando-o ao público que o ouve. É um príncipe. O príncipe, de Maquiavel. Aquele que não tem rigidez moral, mas se move de acordo com as circunstâncias. A ética, para ele, não é uma camisa de força como o é para os tolos que tentam efetivamente agir com retidão e justiça e, tendo isso em vista, agem dentro de determinados parâmetros, sem abrir mão de princípios.

Lula e seus asseclas estão de volta ao poder porque, para eles, o poder sempre foi a meta. Eles são mais eficientes na sua conquista porque não impõem restrições morais a esse objetivo. Para voltar ao poder no Brasil, foi necessário colocar a máscara do democrata. Tarefa difícil para quem, além de ter sido condenado por corrupção, deu apoio político e financeiro aos regimes ditatoriais de esquerda da América Latina.

O figurino de democrata só voltou a colar porque surgiu um palhaço maior na República que, não tendo o ardil de esconder seu pendor antidemocrático, seduziu, com a retórica inflamada dos loucos, aqueles que já estavam saturados do teatro petista de décadas.

O tal “Sul global”

pomposa cerimônia do 8 de janeiro   – que comemorou uma democracia supostamente inabalada e ungiu Lula como seu defensor perpétuo – deu a ele a confiança necessária para pôr de lado a incômoda fantasia. Ciente do êxito do espetáculo e da força do conluio que o sustém, Lula pode agora passar para uma nova fase na qual sua lógica ideológica e pendor autoritário não precisam de justificação.

O endosso formal de Lula à infundada acusação de que Israel está cometendo genocídio mostra que ele já não se importa em ser visto por todo o mundo livre como mais um populista inconsequente. Ele não se importa porque acredita que pode liderar o tal “Sul global”, um bloco formado por ditadores e autocratas, que, sob a bandeira do vitimismo, tentam confrontar o Ocidente.

A atitude foi tão despropositada e tão contrária à tradição diplomática brasileira que conseguiu a proeza de fazer com que EstadãoO Globo e até mesmo a Folha de S.Pauloescrevessem editoriais criticando-a. 

Para o Estadão, a denúncia contra Israel por genocídio, apresentada à Corte Internacional de Justiça (CIJ) pela África do Sul e endossada pelo Brasil, “não leva em conta o fato de que Israel foi atacado por um grupo terrorista cuja missão declarada é exterminar os judeus”, portanto, explica o jornal, “não tem bases fáticas e jurídicas sólidas”.

A banalização do genocídio

A acusação de que Israel — o país que foi fundado para oferecer segurança aos judeus depois que 6 milhões deles foram exterminados pelo nazismo — estaria cometendo genocídio é extremamente grave. Ela banaliza o termo, uma tipificação de crime que foi criada justamente como “resposta da comunidade internacional à dimensão extraordinária do Holocausto”, lembra o jornal.

A argumentação do editorial O Globo segue o mesmo tom duramente crítico: “Ao atender ao pedido do embaixador palestino no Brasil, Lula viola a tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira, banaliza uma acusação que só deveria ser feita com a maior parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais insidiosa do antissemitismo contemporâneo“.

Folha de S.Paulo, por sua vez, expõe o duplo padrão moral de Lula: 

“Relatório recente da Human Rights Watch aponta a oscilação de líderes mundiais quando se trata de condenar violações dos direitos humanos. Eles tendem a fazer vista grossa quando os perpetradores são governos aliados e a carregar nas tintas contra adversários. Um dos criticados pela organização global, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acaba de oferecer novo subsídio para a tese.”

O mundo passa por uma grande turbulência. O presidente americano, Joe Biden, em discurso de apoio a Israel, logo após o início da guerra, fez a seguinte declaração: “O Hamas e Putin representam ameaças diferentes, mas têm algo em comum: ambos querem aniquilar completamente uma democracia vizinha”.

Como entender que um presidente que quer se passar por democrático coloque o Brasil não ao lado das democracias ameaçadas por grupos terroristas e por tiranos, mas ao lado dos que as querem exterminar? 

Como interpretar o descaso de Lula pelo acordo Mercosul-União Europeia e o seu empenho com o BRICS no qual se congregam os países mais liberticidas e antidemocráticos do mundo senão como a deposição da máscara de democrata e a assunção da essência de um tirano?