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Oportunismo Político

A ascensão de Donald Trump e a adoção de suas políticas, especialmente no âmbito migratório, tem funcionado como combustível para governos impopulares tentarem um regaste de prestígio diante de sua população. Vimos isso acontecer com a deportação de imigrantes ilegais colombianos e brasileiros dos EUA, algo que movimentou o cenário externo nos últimos dias.

Petro, presidente da Colômbia, mergulhado em uma desaprovação que ultrapassa 60%, busca incansavelmente caminhos que recuperem sua popularidade. Achou uma brecha com a repatriação de imigrantes ilegais colombianos dos Estados Unidos. Havia aceitado receber os deportados. Fez um post celebrando a chegada de seus compatriotas com “bandeiras e flores” e depois deletou. Mudou de ideia para criar um fato político. Trump considerou sua mudança de atitude como ato de hostilidade e desonestidade. Retaliou. Petro recuou e acatou integralmente os termos dos EUA.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho. A polêmica por aqui se estabeleceu sobre o transporte dos imigrantes ilegais devolvidos em voo fretado pelos EUA. Há reclamação de que o grupo voltou algemado. O procedimento utilizado tem sido padrão desde 1980, usado também para transporte de presos nacionais dentro do seu próprio território. O padrão é adotado por dois motivos. Protege aquele que está sob custódia do Estado, que pode nesse tipo de situação se machucar ou até cometer algum ato extremo contra si próprio. O outro é a proteção dos agentes de segurança. Além disso, os voos são parte de um acordo firmado em 2018, durante o governo Temer.

Percebemos, na verdade, que o imbróglio possui fundo político, uma vez que estamos diante do mesmo rito e mecanismos usados há pelo menos 45 anos. Foram 22 ministros de Lula que mostraram indignação sobre brasileiros deportados no primeiro voo durante o governo Trump. Durante o terceiro mandato de Lula já foram 32 voos trazendo deportados da mesma forma. O governo jamais havia tecido qualquer crítica.

Todos sabem que o Brasil possui um governo antiamericano, algo inegável. Por questões políticas e ideológicas, Lula nunca escondeu sua visão sobre os Estados Unidos. Seu círculo mais íntimo de assessores, especialmente na área internacional, ainda carrega uma visão ultrapassada e obsoleta de mundo, responsáveis por equívocos como este.

Assim como Petro, o governo brasileiro tem usado o oportunismo político como arma para alavancar sua popularidade. Atualmente, Lula possui taxa de reprovação que supera a aprovação. Assim como Petro, enxerga sua popularidade derreter, colocando em xeque as chances de reeleição. Ambos procuram usar este fato como combustível político para resgatar o apoio popular perdido em meio aos erros de seus governos.

O número de ilegais deportados vem caindo sistematicamente desde o governo Clinton – aquele que mais deportou (com folga) nas últimas décadas e o número de deportados que havia caído com Obama e Trump, voltou a subir com Biden. Estes são fatos. Os EUA seguirão sendo um país de imigrantes, mas sobretudo de leis. Aqueles que migram de acordo com as regras, serão muito bem recebidos, porém, aqueles que infringirem as normas, estarão em risco de serem devolvidos aos seus países. Enquanto isso, não faltarão líderes populistas para lucrar nas costas dos deportados, algo que no dicionário de Brasília se chama de oportunismo político.

Foto: Sérgio Lima/Poder360

A complexidade da política

A política praticada como continuação da guerra por outros meios está sujeita a condições infensas a julgamentos morais de partida. Isso não quer dizer que os democratas devam abrir mão dos seus princípios morais. Mas quer dizer que, na política degenerada como luta contra inimigos internos ou externos (quer dizer, guerra), raramente os atores modulam seus impulsos e ações a partir de imperativos morais.

A política (essa política e qualquer política) lida com correlações complexas de forças, em configurações mutantes que são, em si, muitas vezes, contraditórias.

É o que aconteceu em Atenas, na época da invenção da primeira democracia: a intervenção dos autocratas espartanos em Atenas (inimigos figadais da democracia) acabou sendo decisiva para a deposição do tirano Hípias, sem a qual a reforma distrital de Clístenes (em 509 a.C.) não teria prosperado. E se ela não tivesse prosperado jamais teríamos ouvido a palavra democracia.

Vejamos, porém, dois exemplos mais recentes.

Exemplo 1 – O “centrão” no Brasil

No Brasil, se não fosse o chamado “centrão”, em boa parte fisiológico e corrupto, nossa democracia estaria em estado muito mais avançado de erosão (de vez que aquele “pântano” congressual resistiu às tentativas golpistas de Bolsonaro, assim como continua resistindo às investidas hegemonistas de Lula).

Por que? Ora, porque o “centrão” vive, por assim dizer, da política como negócio (é o seu ganha-pão) e não quer que uma força golpista consiga – alterando a natureza do regime – abolir ou restringir esse livre “mercado”. E também não quer que um “monopólio” se erija, com a prevalência de uma força hegemonista.

Resultado. No jogo político o “centrão” atua – objetivamente – como uma força democrática, mesmo que seus integrantes não sejam democratas.

Exemplo 2 – A ascensão mundial da extrema-direita

No mundo todo, se não fosse a ascensão de uma extrema-direita antissistema, o eixo autocrático (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã et coetera) já teria conquistado um número muito maior de regimes eleitorais não-liberais, ensejando que governos populistas não-autoritários se tornem hegemônicos. É o caso dos governos populistas de esquerda, como os do México, Honduras, Colômbia, Bolívia, Brasil, África do Sul, talvez Indonésia, etc. Isso para não falar dos governos populistas autoritários já alinhados ao eixo autocrático, como Cuba, Nicarágua, Venezuela, Angola.

Cabe esclarecer que o eixo autocrático – com exceção de Bharat (a nova Índia nacional-populista de Modi), cuja posição ainda é incerta, e também de Hungria, Turquia, El Salvador, Israel, Itália, EUA (a partir de 20/01/2025) e, talvez, Eslováquia – é composto, majoritariamente, por países que não são governados por forças políticas de extrema-direita ou de direita. Tirando Rússia e Bielorrússia (que não podem ser classificados adequadamente pelo esquema anacrônico esquerda x direita), temos China, Coreia do Norte, Irã e seus braços terroristas, Vietnam, Laos, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Angola etc. – ou seja, a imensa maioria de esquerda ou de regimes mais simpáticos à esquerda do que à direita. Forças populistas de extrema-direita ameaçam, ainda de fora dos governos, as democracias: Salvini (mais extremo do que Meloni, na Itália), Kaczynski e Duda (Polônia), Bolsonaro (Brasil), Farage (Reino Unido), Ventura (Portugal), Abascal (Espanha), Wilders (Holanda), Chrupalla e Weidel (Alemanha) e Purra (Finlândia) – nenhum desses está chefiando governos em 2025.

A esquerda quer esconder tudo isso dizendo que o principal (ou único) inimigo da democracia é a “internacional fascista” (que congrega seis, provavelmente oito ou, no máximo, dez governos). Sim, os regimes dominados por governos de extrema-direita são um perigo para as democracias, mas não são a única ameaça, nem a principal.

Forças de extrema-direita – objetivamente – impedem que governos populistas de esquerda consigam conquistar hegemonia sobre as sociedades que dominam. É contraditório porque essas forças pertencem ao eixo autocrático ou estão alinhadas a uma parte dele. Mas, por outro lado, sem a polarização que elas ensejam com as forças políticas populistas de esquerda, essas últimas também não se afirmariam (por exemplo, no Brasil, sem o bolsonarismo o lulopetismo perderia força para continuar se prorrogando no governo). Pode-se dizer que a polarização e a divisão que elas instalam nas sociedades é um elemento central da netwar atual, ou seja, da segunda guerra fria movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais.

Entretanto, em termos gerais, para o eixo autocrático, a divisão das sociedades democráticas é mais importante do que o predomínio de uma força política populista de esquerda ou de direita. Porque seu objetivo último é exterminar as democracias liberais, o que começa por cindir as sociedades democráticas. Mesmo assim, em algumas circunstâncias, as forças de extrema-direita (nacional-populistas ou populistas-autoritárias) impedem (ou dificultam) que as forças populistas de esquerda empalmem o poder alterando por dentro o “DNA” da democracia.

Isso não quer dizer que as forças populistas de extrema-direita sejam democráticas. Pelo contrário, elas são autocráticas. Mas, repetindo, quer dizer que, em certas circunstâncias, elas impedem que forças populistas de esquerda, que também não são democráticas, conquistem hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado por elas aparelhado, delongando-se no governo por tempo suficiente para alterar, por dentro, a natureza do regime democrático. Ainda que a polarização e a divisão das sociedades, introduzidas pelo choque entre dois populismos, impeçam que os regimes parasitados ascendam à condição de democracia liberal ou plena. Ou seja, impeçam (ou dificultem) a emergência de uma força política democrática-liberal capaz de fazer isso, quer dizer, de operar a transição de um regime eleitoral (uma democracia defeituosa ou apenas eleitoral) para uma democracia liberal.

Para entender essa complicada configuração é preciso perceber que as forças políticas de extrema-direita não são propriamente uma alternativa estratégica (positiva). A rigor elas não têm estratégia a não ser destruir o sistema tal como está configurado e funciona. Sua ascensão corresponde a uma revolução (conquanto reacionária) e só é possível porque a democracia representativa entrou em crise. E porque, como causa e ao mesmo tempo em consequência desse declínio democrático, o número de agentes democráticos decaiu para níveis subótimos, insuficientes para fermentar a formação de uma opinião pública democrática.

Mas não fosse o choque que elas provocam nas democracias em crise, o sistema tenderia a se reciclar, passando a se estruturar e a funcionar em estado larvar, mais imune às mudanças exigidas pela continuidade do processo de democratização. Sem um choque desse tipo as democracias que não sucumbissem à autocratização, poderiam paralisar seus processos de democratização.

O establishment democrático “tradicional” (se se puder falar assim) não está preparado para, por si só, sair da crise da democracia ou superá-la mantendo-se como está (na base do “conservadorismo democrático”: da defesa das velhas instituições, da preservação dos atuais mecanismos de freios e contrapesos, da vigência de direitos políticos e liberdades civis como até então foram concebidos e praticados). Em poucas palavras: a democracia que temos não está mais conseguindo configurar ambientes favoráveis à emergência das democracias que queremos.

Essa é a crise. O establishment democrático tradicional, deixado a si mesmo, tende a se manter conservadoramente. Em certo sentido, a democracia não está dando conta de defender a democracia. Porque defender a democracia não é apenas mantê-la e sim seguir adiante, o que nos remete à metáfora da bicicleta (parou de pedalar cai) – o que já é assunto para outro artigo.

Reconhecer que a ascensão da extrema-direita é uma revoluçãonão tem a ver com aprovar esse movimento avesso à democracia liberal e contrário aos direitos (e valores) humanos (ou humanizantes). Reconhecer que as forças populistas de esquerda que se opõem à extrema-direita não são democráticas por causa disso – nem menos perigosas para as democracias liberais – é fundamental para defender a democracia, sobretudo se essas forças se alinham ao eixo autocrático.

E, mesmo sabendo disso, algumas vezes os democratas têm que apoiar um candidato de uma força populista (contra-liberal) de esquerda para evitar a chegada ao governo ou a permanência nele de um candidato de uma força populista (iliberal) de extrema-direita. Foi o que aconteceu no Brasil em 2022, na opção por Lula para impedir a reeleição de Bolsonaro. Não que Lula (hegemonista), no médio ou longo prazos, fosse menos perigoso para a democracia liberal do que Bolsonaro (golpista). Mas a conquista de hegemonia é um processo longo, que dá mais tempo para as forças democráticas-liberais se organizarem do que um golpe de Estado, fulminante no curto prazo (se tivesse sido bem-sucedido – o que, no caso da tentativa bolsonarista ter se concretizado, é para lá de duvidoso).

Eis a complexidade da política. Os democratas não podem operar apenas com as forças boas. É impossível fazer política sem os adversários ou, no caso da política degenerada como guerra, sem os inimigos. Pessoas que têm uma apreensão religiosa da política (mesmo que seja a de uma religião laica como o marxismo) e pessoas que querem tomar a política seguindo imperativos morais, na partida e na chegada, tentando conformá-la à ética, dificilmente entenderão isso.

Quantas ditaduras no mundo de hoje são de extrema-direita?

Eis um levantamento de pouco mais de quarenta principais (incluindo todas as mais crueis) ditaduras atuais do mundo para verificar quantas podem ser consideradas de extrema-direita. É uma refutação da falsa alegação de que a extrema-direita é a única (ou a maior) ameaça atual à democracia no mundo.  O assunto já foi tratado em outro artigo desta revista, intitulado A extrema-direita como único inimigo da democracia.

Por certo os populistas-autoritários ou nacional-populistas iliberais (como Orbán, Erdogan, Trump, Vance e Bannon, Salvini e Meloni, Le Pen, Wilders, Farage e os ex-militantes do Brexit, Chrupalla, Weidel e Gauland, Riikka Purra, Abascal, Ventura, Bukele, Bolsonaro etc.) – a maioria dos quais dita de extrema-direita – são, sim, uma ameaça à democracia, mas não a única (nem a principal). Ademais, só três deles (Bukele, Erdogan e Orbán) governam países que têm regimes que podem ser considerados autoritários. Não tem nem comparação com o número de governantes de ditaduras que se declaram de esquerda ou estão na órbita de influência de regimes que se declaram de esquerda.

Trump, Vance e Bannon são nacional-populistas (de extrema-direita) mas ainda não estão no governo dos EUA, que seguem sendo uma democracia. Se Trump vencer as eleições de 2024 haverá uma significativa mudança na correlação de forças no âmbito mundial, mas os EUA continuarão sendo – nos curto e médio prazos – uma democracia.

Le Pen é nacional-populista, mas não governa a democracia liberal francesa. Wilders, idem, mas não governa a democracia liberal holandesa.

Farage e os ex-militantes do Brexit aumentaram sua representação política nas ultimas eleições, mas estão longe do governo no Reino Unido, uma democracia liberal.

Chrupalla, Weidel e Gauland, da Alternativa para a Alemanha, não estão no governo da Alemanha, uma democracia liberal.

Rikka Purra, do Partido dos Finlandeses, que pode ser considerado de extrema-direita, não governa a Finlândia, uma democracia liberal.

Abascal e Ventura não governam as democracias espanhola e portuguesa.

Por fim, Bolsonaro já saiu do governo do Brasil e está inelegível até 2030.

Além de Bukele, Erdogan e Orbán sobrou apenas Meloni, que poderia ser considerada nacional-populista e governa de fato a Itália, cujo regime, entretanto, continua sendo democrático liberal.

A seguir vamos mostrar que as ameaças concretas à democracia partem muito mais das ditaduras do que de forças políticas nacional-populistas de oposição que parasitam democracias liberais. Isso é tão óbvio que nem seria necessário argumentar. Ditaduras (autocracias fechadas ou eleitorais, regimes autoritários ou não-livres) são o oposto de democracias.

Partimos da classificação do V-Dem (Universidade de Gotemburgo) de todas as autocracias fechadas (incluindo algumas autocracias eleitorais) que é, em grande parte, coincidente com os países não-livres da Freedom House e com os regimes autoritários da The Economist Intelligence Unit. Esses são os três mais reconhecidos centros de pesquisa que monitoram os regimes políticos no mundo.

Abaixo vai a lista de ditaduras (em ordem alfabética), seus governantes atuais, os partidos a que pertencem e suas percebidas orientações políticas:

Afeganistão | Hibatullah Azhundzada e seu partido fundamentalista Talibã não podem ser considerados de extrema-direita. O jihadismo ofensivo islâmico não pode, a rigor, ser considerado de direita ou esquerda – ainda que seja um adversário das democracias liberais.

Arábia Saudita | Mohammad bin Salman é o chefe da corte real da Casa de Saud. Não há partidos políticos no país. O staff do Estado é fundamentalista islâmico, influenciado pela seita dos wahhabbis, uma corrente sunita geralmente conhecida pelo nome salafista. Não tem sentido classificar tal regime como de direita ou de esquerda, embora o fundamentalismo islâmico seja contrário às democracias liberais. A Arábia Saudita também está no BRICS, uma articulação política de autocratas e populistas de esquerda disfarçada de bloco econômico.

Azerbaijão | Ilham Aliev e seu Partido Novo Azerbaijão orbitam na esfera de influência da ditadura russa. Mas não podem ser classificados como extrema-direita.

Barein| Salman bin Hamad bin Isa Al Khalifa é o primeiro-ministro do Barein, uma monarquia islâmica sem partidos. O regime não pode ser classificado como de esquerda ou de direita.

Bielorrússia | Aleksandr Lukashenko e seu Partido Independente da Bielorússia não são de extrema-direita. O regime da Bielorrússia  faz parte do eixo autocrático (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã etc.) articulado contra as democracias liberais.

Burkina Faso | Ibrahim Traoré e seu Movimento Patriótico para a Salvaguarda e Restauração (a junta militar que governa o país depois de um golpe de Estado de 2022) não podem ser classificados como direita ou esquerda.

Camboja | Hun Sen – um ex-comandante do Khmer Vermelho que mudou de lado – que governa o Camboja há quatro décadas, e o seu Partido Popular do Camboja, alinharam a sua ditadura à ditadura chinesa. Obviamente, não são de extrema-direita.

Catar | Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani é uma monarquia absolutista islâmica. Não tem partidos. A família Al Thani governa o país com mão de ferro desde 1825. Não tem o menor sentido classificar esse regime como extrema-direita. Aliás, o Catar dá abrigo à direção atual do Hamas e financia esse grupo terrorista.

Chade | Mahamat Déby é o chefe da junta militar que governa o Chade. Ele e seu Movimento de Salvação Patriótica estão sendo capturados pela ditadura russa de Vladimir Putin. Tal como no caso da Rússia, não faz sentido classificá-los como direita ou esquerda.

China | Xi Jinping e seu Partido Comunista da China não são de extrema-direita. Eles se declaram de esquerda. E o nome e a história do partido estão dizendo por quê. A China também está no BRICS, uma articulação política de autocratas e populistas de esquerda disfarçada de bloco econômico.

Coreia do Norte | Kim Jong-un e seu Partido dos Trabalhadores da Coreia não são de extrema-direita.Eles se declaram de esquerda. E o nome e a história do partido estão dizendo por quê.

Cuba | Díaz-Canel e seu Partido Comunista de Cuba não são de extrema-direita. Eles se declaram de esquerda. E o nome e a história do partido estão dizendo por quê.

El Salvador | Nayib Bukele e seu partido Nuevas Ideas são nacional-populistas ou populistas-autoritários que podem, sim, ser classificados como de extrema-direita. Antes Bukele integrou a FMLN, Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, de extrema-esquerda.

Emirados Árabes Unidos | Xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum é um monarca absolutista de uma ditadura islâmica (sunita). Como em outros casos de regimes autoritários islâmicos não faz muito sentido classificá-lo como de direita ou de esquerda. Mas os EAU estão no BRICS, uma articulação política de autocratas e populistas de esquerda disfarçada de bloco econômico.

Eritreia | Isaias Afewerki governa um Estado de partido único na Eritréia. Ainda que não faça muito sentido classificar seu regime totalitário como sendo de direita ou de esquerda, o ditador está na esfera de influência de autocracias (como a Turquia e a Venezuela) e de regimes eleitorais parasitados por governos populistas (como o Brasil).

Essuatini | Mswati II (o rei), Ntfombi (a rainha-mãe) e Russell Diamini (o primeiro-ministro) governam essa ditadura africana. Os partidos políticos são proibidos no reino de Essuatini (antiga Suazilândia). Não há política propriamente dita no país. Não faz sentido classificar o regime como de direita ou de esquerda.

Gaza | Ismail Haniya e Yahya Sinwar e seu partido, o Hamas, embora de orientação sunita, estão a serviço do regime teocrático xiita iraniano na sua ofensiva contra as democracias liberais (em especial as de Israel e dos EUA). São hoje teleguiados pelo eixo autocrático para fazer o serviço sujo de inflamar as populações contra a democracia. Não podem ser classificados como de extrema-direita, pelo contrário: são apoiados pela esquerda (populista, classista e identitarista) em todo o mundo.

Guiné Equatorial | O ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo e seu Partido Democrático da Guiné Equatorial estão sendo caputurados pela ditadura chinesa. Obviamente não pode ser classificado como de extrema-direita.

Haiti | É uma autocracia mergulhada no caos político e social. Não se sabe exatamente quem governa o país.

Hungria | Viktor Orbán e seu partido Fidesz governam a autocracia eleitoral húngara, chamada de “democracia iliberal”. Aliadas de Vladimir Putin, as forças políticas dominante na Hungria são, claramente, populistas-autoritárias ou nacional-populistas de extrema-direita.

Iémen | O Iémen é um país em guerra civil onde se configura dualidade de poder. Os terroristas Houthis, financiados pelo Irã, controlam parte significativa do país. Mohammed Ali al-Houthi, chefe do comitê revolucionário supremo, é um vassalo do eixo autocrático na sua investida contra as democracias liberais.

Irã | Ali Khamenei e seu partido Associação dos Clérigos Combatentes não podem ser considerados de extrema-direita. O Irã faz parte do eixo autocrático (juntamente com Rússia, China, Coreia do Norte – todos autodeclarados de esquerda), articulado contra as democracias liberais. O Irã também está no BRICS, uma articulação política de autocratas e populistas de esquerda disfarçada de bloco econômico.

Jordânia | O rei Abdullah II bin Al Hussein controla a monarquia jordaniana de devoção islâmica sunita. Não faz sentido classificar o regime como de extrema-direita.

Kuwait | Mishal Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah é o atual Emir do Kuwait, uma ditadura islâmica. Não faz sentido classificar o regime monárquico como extrema-direita.

Laos | Sonexay Siphandone e seu Partido Popular Revolucionário do Laos (PPRL) que governam essa república socialista de partido único estão bem longe de ser de extrema-direita. Pelo contrário, historicamente são de esquerda.

Líbia | Mohamed al-Menfi e Abdul Hamid Mohammed al-Dabaib com seu movimento Libya al-Mustakbal tentam controlar o país. É uma ditadura islâmica (sunita). Vários grupos jihadistas e tribais controlam partes do país. Não cabe classificar o regime como extrema-direita.

Mali | Choguel Kokalla Maïga e seu Movimento Patriótico pela Renovação governam o país. O Mali está sendo capturado pela ditadura russa (o que também está ocorrendo com Mauritânia e Niger).

Marrocos | O rei Maomé VI e o primeiro-ministro Aziz Akhannouch e seu Partido Nacional dos Independentes controlam essa monarquia islâmica.

Myanmar | Min Aung Hlaing e seu Partido de Solidariedade e Desenvolvimento da União (USDP), ligado aos militares que desfecharam um golpe de Estado, controlam essa ditadura asiática.

Nicarágua | Daniel Ortega e seu partido, a Frente Sandinista de Libertação Nacional, não são de extrema-direita. Eles se declaram de esquerda. E o nome e a história do partido estão dizendo por quê.

Omã | Haitham bin Tariq Al Said é o sultão da monarquia absolutista islâmica que governa Omã.

Rússia | Vladimir Putin e seu partido Rússia Unida são nacional-populistas, mas não podem ser considerados de extrema-direita. Pela simples razão de que apoiam todas as ditaduras que se declaram de esquerda. A Rússia também está no BRICS, uma articulação política de autocratas e populistas de esquerda disfarçada de bloco econômico.

Síria | Bashar al-Assad e seu Partido Socialista Árabe Baath não podem ser considerados de extrema-direita. O regime ditatorial sírio é apoiado ostensivamente pela Rússia e faz parte do eixo autocrático articulado contra as democracias liberais.

Somália | Hassan Sheikh Mohamud e seu Partido da União para Paz e Desenvolvimento, anterior Partido Paz e Desenvolvimento (ligado à Irmandade Muçulmana), são operadores de um regime islâmico.

Sudão | O general Abdel Fattah al-Burhan e seu partido Independente são islâmicos militarizados.

Sudão do Sul | Salva Kiir Mayardit e seu partido Movimento Popular de Libertação do Sudão são aliados da ditadura de Angola, que se declara de esquerda (do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola). Não podem ser considerados de extrema-direita.

Tajiquistão | Emomali Rahmon, Kokhir Rasulzoda e seu Partido Democrático Popular do Tajiquistão são nacionalistas, estatistas e autoritários. Orbitam na área de influência da ditadura russa e se alinham ao Partido Comunista Chinês. Nada, portanto, de extrema-direita.

Turquemenistão | Serdar Berdimuhamedow e seu Partido Democrático do Turquemenistão – no poder  há mais de trinta anos – têm profundas raízes comunistas. O partido foi liderado pelo ex-líder do Partido Comunista, Saparmyrat Nyýazow, desde a dissolução da União Soviética. São populistas que orbitam na área de influência da ditadura russa. Nada de direita.

Turquia | Recep Tayyip Erdoğan e seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) poderiam, com algum esforço, ser considerados de extrema-direita (ou seja, nacional-populistas ou populistas-autoritários). O AKP é defensor do neo-otomanismo e do nacionalismo econômico. Politicamente, se alinha ao eixo autocrático contra as democracias liberais.

Uzbequistão | Shavkat Mirziyayev e seu Partido Liberal Democrático do Uzbequistão são nacionalistas que orbitam na área de influência da ditadura russa. Têm uma ideologia que se poderia considerar de direita na medida em que esposa o liberalismo-econômico, mas não o liberalismo político, quer dizer, a democracia. Esse partido surgiu de um movimento de empreendores e empresários para dar a aparência de multipartidarismo, mas na verdade é controlado pelo Partido Democrático Popular.

Venezuela | Nicolás Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela não são de extrema-direita. Eles se declaram de esquerda. E o nome e a história do partido estão dizendo por quê.

Vietnam | Pham Minh Chính é o chefe do Partido Comunista do Vietnam. Não é necessário dizer que não têm nada de direita. O Vietnam é uma ditadura socialista unitária unipartidária.

Um esboço de classificação

1 – De extrema-direita mesmo (entendendo-se por isso os populistas-autoritários ou nacional-populistas iliberais) temos três governantes de regimes autocráticos

Nayib Bukele (de El Salvador), Viktor Orbán (da Hungria) e Recep Erdoğan (da Turquia).

2 – De esquerda ou extrema-esquerda temos (historicamente ou de forma declarada) sete governantes de regimes autocráticos

Xi Jinping (da China), Kim Jong-un (da Coreia do Norte), Díaz-Canel (de Cuba), Sonexay Siphandone (do Laos), Daniel Ortega (da Nicarágua), Nicolás Maduro (da Venezuela), Pham Minh Chính (do Vietnam).

3 – Os ditadores na esfera de influência das ditaduras russa e chinesa (ou do eixo autocrático – incluindo o Irã) governam cerca de vinte regimes autocráticos

Além de todas as sete ditaduras declaradamente de esquerda, temos Ilham Aliev (do Azerbaijão), Aleksandr Lukashenko (da Bielorrússia), Hun Sen (do Camboja), Mahamat Déby (do Chade), Ismail Haniya e Yahya Sinwar (de Gaza), Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (da Guiné Equatorial), Choguel Kokalla Maïga (do Mali), Vladimir Putin (da Rússia), Bashar al-Assad (da Síria), Salva Kiir Mayardit (do Sudão do Sul), Emomali Rahmon e Kokhir Rasulzoda (do Tajiquistão), Serdar Berdimuhamedow (do Turquemenistão), Shavkat Mirziyayev (do Uzbequistão).

4 – Os ditadores islâmicos governam cerca de quatorze regimes autocráticos

Hibatullah Azhundzada (do Afeganistão), Mohammad bin Salman (da Arábia Saudita), Salman bin Hamad bin Isa Al Khalifa (do Barein), Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani (do Catar), Xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum (dos Emirados Árabes Unidos), Mohammed Ali al-Houthi (do Iémen), Ali Khamenei (do Irã), Abdullah II bin Al Hussein (da Jordânia), Mishal Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah (do Kuwait), Mohamed al-Menfi e Abdul Hamid Mohammed al-Dabaib (da Líbia), Maomé VI e Aziz Akhannouch (do Marrocos), Haitham bin Tariq Al Said (de Omã), Hassan Sheikh Mohamud (da Somália), Abdel Fattah al-Burhan (do Sudão).

Note-se que muitos ditadores islâmicos estão na esfera de influência do eixo autocrático e, portanto, são adversários ostensivos das democracias liberais.

5 – Ditaduras não-classificadas

Burkina Faso, Eritréia, Essuatini, Haiti, Myanmar.

Um esboço de conclusão

O eixo autocrático é tendencialmente de esquerda ou extrema-esquerda e não de extrema-direita, ainda que dele participem regimes ditatoriais dúbios (como o russo) e islâmicos (como a teocracia iraniana, suas ditaduras aliadas, como a Síria e seus braços terroristas no Oriente Médio, na Ásia e na África). Ora, esse eixo, hoje, é a principal ameaça à democracia no mundo e não a chamada “internacional fascista” de extrema-direita (embora essa última também seja uma ameaça, porém menor ou secundária em comparação com a primeira).

8 de janeiro: democracia inabalada?

Democracia é um regime político, originado na Grécia Antiga, baseado nos princípios de isegoria (igualdade do ponto de vista da palavra) e isonomia (igualdade perante a lei), que surge quando o poder decisório, deslocado para o espaço público, passa para o demos (povo) e a autoridade, outrora unificada na figura do tirano, é distribuída para o chefe militar, o chefe religioso e o governante, todos escolhidos pelos cidadãos.

Na modernidade, com a formação dos Estados nacionais e a consolidação do conceito de soberania, os valores de igualdade e liberdade, instituídos na antiga Grécia, retornam na defesa de um Estado liberal contra o Estado absoluto.

Um Estado liberal não é necessariamente democrático nem um governo democrático é necessariamente liberal. Conforme explica Norberto Bobbio no livro Liberalismo e Democracia, trata-se de duas exigências fundamentais que nasceram com o Estado moderno: a exigência de limitar o poder (liberalismo) e de distribuí-lo (democracia).

Quais são, então, as características do Estado democrático? Elenquemos algumas: distinção entre o poder e o governante, garantida pela presença de leis, divisão das esferas de autoridade e existência de eleições; princípio republicano de distinção entre o público e o privado, existência de situação e oposição, maioria e minoria, respeitadas pela lei; legitimidade do dissenso e do contraditório.

Quais são, ainda, os pressupostos do Estado liberal? A doutrina dos direitos do homem elaborada pela tradição do direito natural, que está na base do direito proclamado nas duas principais revoluções liberais, a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

O Estado Democrático de Direito é, pois, aquele em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais e constitucionais). É o governo de leis e não o governo dos homens. É um Estado, em suma, dotado de mecanismos constitucionais que obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder. Esses mecanismos são:

1 – Controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo;

2 –Eventual controle do Legislativo por uma Suprema Corte à qual se pede a averiguação da constitucionalidade das leis;

3 – Magistrado independentedo poder político.

Armados dessa introdução conceitual, passemos a analisar o 8 de janeiro de 2023.

O que houve de fato nessa data? Milhares de bolsonaristas, que estavam há dias acampados em frente a quartéis, invadiram a Praça dos Três Poderes. Alguns quebraram vidros, relógios, picharam estátuas, defecaram no STF, urinaram na tapeçaria, esfaquearam um Portinari e rasgaram a Constituição. 

Esses foram os fatos. Mas, como diria Nietzsche, não existem fatos, só existem interpretações. Então, vamos elas. 

Quem mais se beneficiou da patacoada bolsonarista foi, obviamente, Luiz Inácio Lula da Silva, que posa hoje de herói da democracia e aproveita a oportunidade para estreitar laços com todos os ministros do STF, convidando-os para churrascos e, claro, para a solenidade “Democracia inabalada”, que marcará um ano dos “ataques golpistas às sedes dos três Poderes, em Brasília”, reunindo no Congresso Nacional cerca de 500 convidados, entre autoridades e representantes da sociedade civil.

O ministro Alexandre de Moraes confirmou presença no pomposo evento, durante entrevista para O Globo, na qual declarou que “quem não acredita na democracia, não deve participar da vida política do país.” 

Estranha, porém, essa democracia tornada inabalável através de ações autoritárias que corrompem a democracia em seus princípios. Na democracia em que acredito, o Supremo Tribunal Federal não instaura inquérito de ofício – que dura cinco anos – para investigar Fake News, nem ministro julga processo no qual é também investigador e vítima. Na democracia em que acredito, há garantia de direitos individuais mesmo se o investigado tiver cometido o que seria, na cabeça de alguns, o maior de todos os delitos: ser bolsonarista.

A massa de manobra que invadiu a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro é formada principalmente por pessoas de classe média baixa, doutrinadas durante anos por um discurso raso, reducionista, reacionário e belicoso, difundido por meio de aplicativos de mensagens. 

São pessoas comuns, alguns jovens, mas, principalmente, pessoas de meia idade: pais e mães, avôs e avós de família, que deveriam ser processadas individualmente por dano ao patrimônio público não por cinco crimes, como julgou procedente o autoritário e inclemente Alexandre de Moraes.

Muitos bolsonaristas estão se lixando para a democracia, queriam sim fechar o congresso, o STF e adorariam ver um golpe de Estado. Mas eles não eram capazes de dar esse golpe, portanto não deveriam ser julgados e condenados por isso. 

Como bem escreveu Diogo Mainardi, em seu blog, no site Não é imprensaos bolsonaristas que, ao contrário de Bolsonaro, participaram do quebra-quebra foram iludidos de que aquilo resultaria num golpe, mas o fato é que nunca houve o menor perigo de que isso ocorresse, porque os militares não estavam dispostos a derrubar o regime. O Brasil inventou essa modalidade de golpistas sem golpe, que serviram de pretexto para o grande conluio nacional.” 

O que vai ser celebrado, portanto, na cerimônia “Democracia inabalada” não é a democracia, mas o triunfo desse conluioO STF, odiado por metade do país por ter possibilitado o retorno à vida pública de Lula e por ter revertido as penas da Lava Jato que incidiram sobre os corruptos mais poderosos do país, agora está de mãos dadas com o Poder Executivo. Às favas com o princípio democrático de independência do magistrado em relação ao poder político.

A democracia do supremo-lulismo é formidável. Que um homem chamado Clezão tenha morrido sob custódia do Estado com um parecer favorável de soltura da PGR engavetado é só um detalhe incômodo. Que um jovem de 24 anos tenha sido condenado a 17 anos de prisão pelo terrível crime de ter entrado no Congresso Nacional em 8 de janeiro e divida a cela com condenados por estupro e homicídio que cumprem pena menor que a dele, é outro detalhe de somenos importância.

Essa é a democracia festejada pelos esquerdistas que aclamam o ministro Alexandre de Moraes aos gritos de “Xandão” e “sem anistia”, enquanto babam de satisfação ao ver a vingança sem tréguas contra seus adversários políticos. 

Mas as prisões da fulana cozinheira, do sicrano pedreiro, do beltrano corretor e de tantas outras pessoas simples, sem nenhum antecedente criminal, deveriam pesar também na consciência dos influenciadores de direita que, durante anos, encheram o próprio bolso com o rentável ofício de blogueiros chapa-branca do bolsonarismo, pagos para reproduzir em seus canais o discurso da ordem do dia.

De Miami ou do conforto do seu sofá, incentivaram e insuflaram a invasão do dia 8 de janeiro, seguindo o exemplo do covarde-mor, o próprio Jair. A peãozada foi presa por Moraes. Os influencers estão curtindo uma temporada nos Estados Unidos. 

Trinta senadores da oposição assinaram um manifesto público em resposta ao evento “Democracia inabalada”, promovido pelo governo federal.

No documento, os signatários condenam “vigorosamente os atos de violência e a depredação dos prédios públicos ocorridos no dia 08.01.2023, em Brasília.” Também alertam que “o abuso dos poderes e o uso indevido de interpretações de dispositivos constitucionais pode matar a democracia” e ainda apelam para a “volta da normalidade democrática”.

Tudo isto está bem dito e é correto, mas não tem força pelo simples fato de que a maioria dos que assinam o documento foram incapazes de romper com o bolsonarismo quando isso se fazia claramente necessário. 

Apontar o que há de autoritário e antidemocrático nos nossos adversários políticos é fácil; difícil é apontar isso dentro do próprio espectro político ou do próprio grupo. A democracia brasileira continuará abalada sempre que a sua suposta salvação retroalimentar o populismo.

Por que somos oposição democrática ao governo Lula

(Esboço de uma declaração de democratas não-populistas)

Antes de qualquer coisa, porque não concordamos com os populismos do século 21, seja com o populismo dito de esquerda (o neopopulismo de Chávez-Maduro, de Ortega, de Lourenço, de Evo, de Correa, de Lugo, de Funes, de Kirchner, de Petro, de Obrador e de Lula), seja com o populismo dito de direita ou de extrema-direita (o populismo-autoritário de Bannon, de Trump, de Orbán, de Erdogan, de Wilders, de Le Pen, de Farage, de Gauland, de Salvini, de Abascal, de Modi e de Bolsonaro).

Avaliamos que os populismos, ditos de esquerda ou de direita, são hoje os principais adversários da democracia liberal. A evidência mais flagrante disso é o alinhamento dos governos populistas (ditos de esquerda ou de direita) ao eixo autocrático (Rússia, Irã, Síria e outras ditaduras islâmicas – incluindo Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica e demais organizações terroristas – com o apoio dissimulado da China e, às vezes, da Índia).

Somos oposição democrática ao governo lulopetista porque é um governo neopopulista, não-liberal. Discordamos da oposição bolsonarista porque é uma oposição antidemocrática, iliberal.

Nos opomos ao governo Lula por razões políticas (democráticas), não por motivos extra-políticos que tenham a ver com tradições, costumes e valores ditos conservadores (mas muitas vezes reacionários, no caso dos bolsonaristas).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua posição de se alinhar às maiores autocracias do planeta contra as democracias liberais.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o seu relacionamento preferencial com ditaduras de esquerda (como Cuba, Venezuela, Nicarágua) e de não privilegiar as democracias liberais da América Latina (como Costa Rica, Chile e Uruguai).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o fato dele não apoiar a resistência ucraniana à invasão do ditador Putin.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o fato dele ser um articulador de um bloco composto majoritariamente por ditaduras (o BRICS), onde não figura nem uma democracia liberal.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com a sua visão geopolítica de um Sul Global em guerra fria contra o mundo livre (supostamente composto por países ricos, imperialistas e colonialistas).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com o seu posicionamento objetivamente contrário à auto-defesa de Israel aos ataques da organização terrorista Hamas.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua desvalorização do papel de uma oposição democrática para o bom funcionamento do regime democrático e rejeitamos a prática de seus esbirros de chamar quem não é governista de fascista ou golpista e de fazer acusações sórdidas a quem critica ou não apoia o governo de querer a volta de Bolsonaro.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua prática de tomar a política como uma continuação da guerra por outros meios, dividindo a sociedade com uma única clivagem (povo x elites) e adotando a dinâmica do “nós” (o povo, quer dizer, os que seguem o líder) contra “eles” (as elites, ou seja, os que não aceitam se subordinar à hegemonia petista).

Nos opomos ao governo Lula porque rejeitamos o seu estatismo e defendemos as reformas de modernização do Estado promovidas na última década (incluindo a continuidade das privatizações) e o compromisso com as reformas futuras, com destaque para a administrativa e a política (com o fim da reeleição e a reforma partidária – visando a democratização interna dos partidos e o fim da partidocracia).

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com a sua velha proposta petista de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação, nem com a tentativa de incorporar grandes veículos de imprensa (escrita e televisiva) ao seu sistema de governança, criando um jornalismo chapa-branca, ameaçando e cancelando os profissionais independentes que não se conformam com essa interferência.

Nos opomos ao governo Lula porque não concordamos com sua estratégia de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o objetivo de se delongar do governo (falsificando o critério da rotatividade democrática).