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Rio Grande do Sul: emergência climática ou evento recorrente?

Na economia da atenção, todo assunto importante precisa ser reduzido a um simplismo binário. Tem sido assim com a causa da tragédia no Rio Grande do Sul.

Não há tempo para ouvir, para compreender explicações complexas. É preciso falar, defender um lado, expor o outro que está mentindo. Há quem defenda que sempre houve enchentes no Rio Grande do Sul, portanto não é uma emergência climática. E há quem coloque a culpa de tudo no desmatamento e no negacionismo do Bolsonaro.

O geofísico e youtubber Sergio Sacani falou do tema dia desses no podcast Inteligência Ltda. Disse que há exagero e alarmismo sim na militância catastrofista. E que também há exagero e ignorância em quem nega o fenômeno do aquecimento global, que é documentado e tem consequências.

No caso específico do Rio Grande do Sul, sempre houve enchentes. A história da cidade é marcada pelas “enchentes de São Miguel”, em setembro. Coisa antiga, da época da ocupação espanhola, explicada por uma quizila de santos. Da intriga com São Pedro viram as enchentes.

Tudo é cíclico no mundo, argumentam os que negam emergências climáticas ou o aquecimento global. Os cientistas sabem disso. Eles descontam o padrão cíclico dos cálculos e medem se há ou não mudanças. E elas existem para além do normal dos ciclos, inclusive no Rio Grande do Sul.

Seria possível que as leis pró-natureza e medidas de prevenção de enchentes evitassem uma tragédia das proporções que vemos agora? Não sabemos. Mas muitos tratam como se fossem favas contadas. Investiu aqui, evitou o desastre climático ali. Não é tão simples.

Entender a natureza sempre foi primordial para o avanço da humanidade. O ser humano não domina a natureza, é parte dela. Por isso nossas sociedades sempre fizeram o máximo para entender os fenômenos naturais, aprender a lidar com eles e usar isso para melhorar as condições humanas.

O que vai acontecer com uma sociedade que se recusa a entender a natureza? Passou a ser mais importante defender posições imutáveis. Não importam os fatos, ou se é do time emergência climática ou do time evento recorrente. Ambos os times são cheios de certezas, hiperbólicos, implacáveis com quem os questiona e seguros de quem são os culpados por tudo.

Nesse contexto, cabe perguntar que tipo de futuro deixaremos para as próximas gerações. E aqui não falo daquele clichê manjado do catastrofismo à la Greta a destruição do mundo amanhã. O tema é outro, a ideia de futuro que desenhamos para os nossos filhos e netos.

Eu cresci com a ideia de um futuro melhor, um futuro glorioso. Meus avós e bisavós, que cruzaram um oceano fugindo de guerras sangrentas, lançaram-se ao nada acreditando que amanhã seria melhor. Minha geração pensava no futuro e imaginava os Jetsons, os carros voando, robôs inteligentes. Pensávamos na cura do câncer, na juventude eterna. O futuro era bom, valia a pena lutar por ele.

Os jovens de agora são apresentados a um futuro pelo qual nem vale a pena lutar. Está condenado. A catástrofe iminente e a impotência do indivíduo diante do mundo são combustíveis do binarismo que domina a economia da atenção.

Há o grupo que alardeia o apocalipse. Não haverá futuro para os nossos filhos. Tem gente até deixando de ter filhos porque não há futuro. O capitalismo torna inviável a natureza. A ganância sempre vence. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Também há o outro grupo, advogando que nada de diferente acontece. Só que as coisas estão diferentes. Então a desculpa é que não podemos acreditar em nada nem em ninguém. Tudo é uma grande conspiração. A Nova Ordem Mundial quer te transformar em um zumbi. Eles são invencíveis. Para quê o jovem vai brigar por um futuro desses?

Conhecer a natureza e seus ciclos é o que nos trouxe até aqui. Isso precisa incluir também conhecer a natureza humana. Não vamos a lugar nenhum nesse frenesi binário de redes sociais, mas a dopamina e a serotonina são tentadoras.

Ambiente Estratégico

O governo brasileiro partiu para mais uma participação em um fórum internacional, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), a COP28. A participação do Brasil é importante neste tema, uma vez que pode usar a diplomacia ambiental como cartão de visitas do país na atração de investimentos, além de se preparar para sediar a COP30 em Belém em 2025.

Nosso país vai apresentar sua versão dos fatos, ou destacar aquilo que interessa, a começar pela apresentação dos resultados positivos na redução do desmatamento na Amazônia, que caiu 49,5% nos dez meses de 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior. Porém, nosso país pode ter dificuldade em explicar seu projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas ao mesmo tempo que o mundo busca abandonar os combustíveis fósseis. Algo que pode interferir na estratégia do Brasil como nação disposta a liderar pelo exemplo.

Apesar de manter-se na vanguarda dos discursos ambientalmente responsáveis, o país vem perdendo oportunidades sucessivas de apresentar resultados palpáveis de suas ações, algo que desloca o Brasil da posição natural de liderança ambiental. A diplomacia ambiental deveria ser o cartão de visitas de nossa política externa, porém o assunto tem sido sucessivamente rejeitado como estratégico pelos governos recentes.

Esta poderia inclusive ser a frente mais importante durante o período que nosso país passará pela presidência do G20, em 2024. O Brasil coloca o tema como uma das três prioridades de discussão, ao lado do combate à fome e a reforma do sistema global de governança, porém, ao selecionar três prioridades, pode sair do processo sem uma resposta real para qualquer uma destas questões.

Fato é que a COP30 e a Presidência do Brasil no G20 precisam ser usadas de maneira inteligente, como forma de reposicionar o país como player central na frente ambiental. Esta posição estratégica nos colocaria como uma nação relevante, ouvida também em outros fóruns, podendo estabelecer prioridades e orientar agendas. Tratar este assunto como acessório é desprezar nossa vantagem competitiva natural. Já passou da hora de destravarmos este potencial.

Este é o principal atalho para o Brasil se tornar uma potência global, atrair investimentos modernos, relevantes, mirando no desenho de uma nova economia que será realidade em pouco tempo. Ao rejeitar este caminho, seremos dependentes de uma economia velha e ultrapassada, dependente de matrizes vencidas e sem conexão com as novas economias. Nosso país não pode perder mais esta oportunidade.

O Brasil leva uma comitiva de 12 ministros para COP28, sendo que dos 2,4 mil brasileiros que se inscreveram para participar da cúpula em Dubai, 400 são do governo. A comitiva brasileira será formada ainda por empresários, cientistas, ativistas e políticos. Nosso país merece retorno deste investimento para além da preparação para a COP30. Será mais uma oportunidade que se apresenta para traçarmos um caminho estratégico na busca por um país capaz de conjugar a agenda ambiental com uma nova economia. Uma perspectiva que pode desenhar um futuro próspero para as novas gerações, longe dos discursos e perto das ações reais.