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Ataque iraniano contra Israel escancara conflito de décadas

O ataque com drones feito pelo Irã contra Israel apenas dá um contorno mais evidente a um conflito que se estende através das décadas. Ele apenas vem sendo travado de forma terceirizada por uma das partes. É de conhecimento notório o financiamento prestado pelo regime dos Aiatolás aos grupos terroristas que tem como objetivo varrer o Estado Judeu do mapa. A ação do Hamas ocorrida em outubro de 2023 ao sul de Israel foi arquitetada com apoio financeiro e logístico de Teerã, que lhe fornece recursos e armamentos.

Um relatório feito pelo site Homeland Security Today, especializado em segurança, aponta o nível de comprometimento do Irã com as atividades do Hamas e de outras organizações sediadas em países como Síria, Líbano e Iraque. Por meio dessa rede, criou-se um verdadeiro cerco a Israel. Segundo a Foundation for Defense of Democracies, o Irã gasta mais de 16 bilhões de dólares anualmente apoiando grupos terroristas e regimes ditatoriais extremistas em outros países. Desse total, cerca de 800 milhões são para o Hezbollah e outros 100 milhões se dividem entre o Hamas e a Jihad Islâmica palestina.

A aproximação de Israel com a Arábia Saudita e outras nações Árabes certamente causou apreensão entre o líderes iranianos, que, temendo o isolamento na região, agiram para tentar impedir a viabilidade dos acordos que estavam sendo desenhados. E nesse particular foram efetivos. A escalada de violência obedece essa lógica, incluindo o ataque do Hamas e agora o envio dos drones. A instabilidade impede o diálogo e obriga Israel a tomar providências que lhe afastam de uma aproximação com países islâmicos.

O Irã justificou seu ataque como uma resposta ao bombardeio israelense ao que seria o consulado do país em Damasco. Na operação militar, ocorrida no início de Abril, as Forças de Defesa de Israel mataram vários membros do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, incluindo Mohammed Reza Zahedi, personagem central na articulação do Irã com a rede de organizações terroristas. As potenciais ocidentais já sabiam que haveria reação, inclusive porque isso fora antecipado pelo próprio Ali Khamenei, líder supremo do Irã. O que talvez não se imaginava era o quão audaciosa ela seria.

As imagens de drones e mísseis sendo interceptados nos céus de Jerusalém é assustadora, ao mesmo tempo que inédita. A cidade que deu origem para três das maiores religiões do mundo sempre foi preservada nos conflitos frequentes que assolama região. Não mais. Se o sistema de defesa de Israel não fosse suficientemente eficiente, o fogo e a destruição se espalhariam no local sagrado, e talvez corpos se avolumassem até mesmo diante do Muro das Lamentações. E isso apenas denota a deterioração das relações geopolíticas no Oriente Médio, que parece caminhar para um conflito muito mais amplo do que apenas na Faixa de Gaza.

Rotas do petróleo e o conflito Israel-Hamas

As grandes potências e as potências regionais estão tendo um comportamento comedido em relação ao conflito entre Israel e o Hamas, com exceção dos Estados Unidos e do Reino Unido, que enviaram forças tarefas navais para a região.

A Rússia, que está preocupada com a guerra contra a Ucrânia e vem lutando para superar os problemas causados pelas sanções, procura não se envolver no atual conflito no Oriente Médio. A Rússia tem presença forte na Síria e apoia militarmente o regime sírio, ameaçado desde 2011, no contexto da Primavera Árabe. Aumentando a complexidade do problema do Oriente Médio, Israel revidou ataques de milicianos iranianos em território sírio, e os EUA, que têm três mil soldados na Síria, também reagiram a ataques a seu pessoal militar no país.

Os americanos e os britânicos, por sua vez, embora manifestem sua lealdade a Israel e contribuam com o fornecimento de equipamentos bélicos e informações, não pretendem se engajar em operações de combate. Ademais, têm procurado exercer uma função moderadora em relação à intensidade dos ataques de retaliação de Israel em Gaza, pois as perdas de civis têm sido elevadas e têm causado uma onda de mal estar e protestos contra os israelenses na comunidade internacional.

Apesar da rivalidade com Israel, a liderança do Hezbollah, organização política e militar sediada no Líbano, tem se contido e evitado declarar guerra aberta contra os judeus.

Um fator que pode levar a uma maior intensidade da crise diz respeito aos ataques dos rebeldes Hutis do Iêmen contra navios de várias bandeiras, incluindo porta containers, cargueiros, e principalmente petroleiros que trafegam pela costa iemenita. Os Hutis são financiados pelo Irã xiita, ao passo que o Governo iemenita é apoiado pela sunita Arabia Saudita.

Os ataques hutis têm feito que as embarcações dos principais armadores do mundo deixem de utilizar a rota que passa pelo canal de Suez e passem a utilizar a rota via que circunavega o continente africano pela Cidade do Cabo na África do Sul, caminho mais longo e com maiores custos operacionais. A empresa petrolífera britânica BP e a transportadora dinamarquesa Maersk, uma das maiores operadoras de contêineres do mundo, já utilizam a via do Cabo, com significativo aumento de despesas, o que se reflete na elevação do preço dos fretes.

Embora o aumento de custos se reflita nos preços do petróleo e do transporte de outras mercadorias, não se verificou, pelo menos por enquanto, um pânico no mercado do petróleo e do gás, tal como ocorreu na crise do petróleo de 1973, na esteira da Guerra do Yom Kippur, que afetou a economia mundial e atingiu fortemente o Brasil. Na ocasião, o governo brasileiro reagiu prontamente e foi pioneiro na busca de combustível alternativo, instituindo o Proálcool; atualmente, o etanol é fabricado em larga escala no país. Apesar de a nossa dependência energética do exterior ter diminuído consideravelmente, e a produção nacional de petróleo ter aumentado muito, ainda importamos petróleo devido à deficiência de refino. Ademais, nossa economia é fortemente dependente do transporte rodoviário.

As ameaças às rotas marítimas no Oriente Médio causam distúrbio em vários fluxos de comércio, prejudicando as chamadas cadeias globais de produção e distribuição, o que pode prejudicar o Brasil. Com uma economia que se apoia principalmente nas exportações de commodities (sobretudo produtos agrícolas e minerais), o Brasil é dependente de importação de fertilizantes e, para tanto, carece de vias marítimas seguras. No setor industrial, temos a importação de componentes eletrônicos de alta tecnologia, que também podem sofrer com perturbações nas rotas oceânicas, a depender da evolução da situação no Oriente Médio.

Embora atualmente a preocupação imediata seja o suprimento de petróleo, potencialmente o conflito Israel-Hamas pode vir a nos prejudicar em várias áreas da economia. Neste momento, cabe à diplomacia brasileira obter e processar informações sobre os vários cenários possíveis no desenvolvimento da crise, e o governo deve preparar planos de contingência para enfrentar os perigos que podem advir nesses cenários.