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Marionete de Caracas

Enganam-se aqueles que acreditam estarmos diante de um governo ditatorial clássico liderado por Maduro na Venezuela. Geralmente ditadores são dotados de poderes despóticos e irrestritos, assim como ocorre na Rússia de Putin, na Cuba de Miguel Díaz-Canel ou na China de Xi Jinping e na Coréia de Norte de Kim Jong-un. Na Venezuela tudo é um pouco diferente. Maduro é o Presidente de um país autoritário, porém não reside nele a concentração total de poder que se imagina de um ditador.

O modelo bolivariano implantado pelo antecessor Hugo Chávez está calcado em uma grande casta que sustenta o regime, basicamente formada por militares que controlam todos os setores importantes ou estratégicos do país. Maduro é seu fantoche e uma espécie de para-raios de um regime militar que usa sua imagem como líder nacional. Maduro não é elemento essencial para continuidade do chavismo, porém se tornou uma peça importante ao aceitar o papel de preposto do sistema executando de maneira fiel a cartilha bolivariana.

Isto significa que o país na verdade é governado por uma casta militar com um rosto civil, onde se destacam nomes como os Generais Padrino López, Néstor Reverol, Efraín Velasco e Diosdado Cabello, entre outros, todos servis e leais ao chavismo que os enriqueceu ao longo de décadas no poder. Chávez entendeu que para sobreviver, especialmente depois da tentativa de deposição sofrida em 2002, teria de incorporar os militares em funções políticas e sociais rentáveis. Assim, as principais estatais foram para as mãos dos militares, como, por exemplo, a PDVSA e a linha que separava militares e políticos foi cortada com autorização para que fardados assumissem cargos eletivos. Formas de cooptação que sedimentaram o apoio da caserna.

Ao mesmo tempo, o sistema de promoções na esfera militar cresceu na medida que a parceria com Cuba se intensificou. Hoje a Venezuela conta com 2,5 mil generais, dentro de um contingente entre 95 mil a 150 mil oficiais. Os cubanos se infiltraram e montaram um serviço robusto de vigilância dentro dos quartéis que sustenta a lealdade dos militares. Hugo Chávez e Fidel Castro fizeram um acordo para monitorar chavistas e não chavistas e detectar possíveis pontos de dissidência. Em troca, o petróleo que jorra dos poços venezuelanos alimentaria o regime cubano.

Ao mesmo tempo, o governo chavista fez alianças militares com Moscou e econômicas com Pequim. Com a Rússia existe uma aliança sedimentada, que tornou a Venezuela a principal porta de entrada para seu armamento na América Latina, aproveitando o país também para fazer girar a máquina de desinformação russa no continente. Com a China, Caracas optou pela dependência tradicional e os chineses compraram grande parte da dívida do país, que reside hoje nas mãos de Xi Jinping.

Isto significa que uma mudança de regime na Venezuela é um movimento bastante difícil, beirando o improvável. Estamos falando de um regime respaldado por ditaduras e assentado em uma estável casta militar corrupta que detém o controle da força e monitorada de forma sistemática pelo modelo de inteligência cubano. Tudo isso, financiado pelo petróleo. Entretanto, se a pressão internacional se tornar insuperável, nada impede que o regime rife a figura de Maduro, substituindo-o por outra marionete, mediante uma operação de maquiagem política com vistas a sobrevivência do sistema. Como vemos, as raízes do problema são muito mais profundas do que imaginamos.

A Venezuela continuará a viver dias difíceis enquanto esta intrincada teia não se desfizer.

Petróleo, Guiana e Maduro

O mais novo capítulo do avanço das autocracias sobre as democracias começou a ser desenhado nas fronteiras brasileiras. Maduro, ditador da Venezuela, ameaça avançar sobre o território do país vizinho, a Guiana, uma nação autônoma, independente e com suas fronteiras reconhecidas internacionalmente. O foco de sua cobiça está além das terras vizinhas, ou melhor, naquilo que se esconde em seu subsolo: minérios e petróleo.

Hoje, a Guiana extrai cerca de 400 mil barris por dia. Se suas fronteiras continuarem como estão hoje, esse número pode superar 1 milhão em 2027. Segundo a Exxon, a sua reserva abriga 11 bilhões de barris de petróleo — o que posicionaria o país entre os 20 maiores do mundo. Como comparação, o Brasil tem 14,8 bilhões de barris em reservas comprovadas.

A economia da Guiana baseia-se no setor primário e os principais produtos agrícolas são cana-de-açúcar, mandioca, frutas e arroz. Porém tudo mudou com a descoberta de petróleo na região. Depois de iniciada a exploração o PIB per capita da Guiana triplicou. É o país que mais cresce no mundo. Em 2022, o PIB alcançou 14,52 bilhões de dólares. O FMI estima um crescimento de 38% para 2023.

Os números falam por si e explicam a cobiça da Venezuela sobre as riquezas do vizinho. A Venezuela, entretanto, é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo. Porém, desde a tomada do poder pelo chavismo, a produção despencou com falta de investimentos, qualificação e êxodo da população para o exterior, o que levou a deterioração da infraestrutura e politização da indústria. A produção atual é de cerca de 750.000 a 800.000 barris por dia, ainda muito distante dos 3 milhões de barris por dia que faziam do país uma força global no mercado na década de 90.

A corrida pela exploração do petróleo começou em diversas partes do mundo como forma de aproveitar ainda a demanda em alta, uma vez que a transição energética deve atingir em cheio os preços em alguns anos. A Agência Internacional de Energia estima que o uso global do insumo deve ter crescimento mais lento nos próximos anos e atingir seu ápice até o final da década. Depois, deve vir uma queda, especialmente no uso como combustível, já que a adoção de carros elétricos avança em várias partes do mundo.

Ciente disso, Nicolás Maduro busca ampliar a exploração em seu país, autorizando inclusive empresas americanas a explorar o setor como aconteceu recentemente com a Chevron. Porém, 65% do petróleo venezuelano têm como destino a China, outro player interessado nos movimentos políticos de Caracas. Isto significa que a Venezuela jamais daria um passo ousado contra um país vizinho sem possuir respaldo de Pequim.

O argumento de Maduro para avançar sobre Essequibo, se baseia no argumento que o território lhe foi tirado em 1899 por uma sentença arbitral em Paris. Venezuela e Reino Unido (antigo detentor do território da Guiana) concordaram em respeitar o resultado, mediado à época pelos Estados Unidos. Hoje, depois da descoberta de petróleo, ouro, diamante e bauxita, o velho assunto volta à baila. Nada mais conveniente para Maduro, que assim busca unir o país diante de um pseudo-inimigo comum, fortalecer sua imagem e ainda pode ganhar mais uma reserva de petróleo em seu portfolio. Conveniente, porém ilegítimo, irresponsável e inconsequente.