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Renascimento Nuclear na Era da Inteligência Artificial

A energia nuclear está ressurgindo como uma das mais promissoras respostas às demandas energéticas trazidas pelo advento da inteligência artificial. Data centers, redes neurais avançadas e a crescente infraestrutura digital consomem quantidades colossais de eletricidade, pressionando sistemas energéticos já fragilizados. Nesse contexto, o nuclear reaparece não apenas como tecnologia, mas como símbolo de um futuro possível: limpo, estável e capaz de sustentar a era da informação.

O que surpreende, porém, é que quem encabeça esse movimento não é uma autoridade política ou um magnata da energia, mas sim uma ativista e criadora de conteúdo: Isabelle Boemeke, conhecida mundialmente como Isodope. Em agosto de 2025, ela foi tema de reportagens internacionais após o lançamento de seu livro Rad Future: The Untold Story of Nuclear Electricity and How It Will Save the World. O título já revela a ambição da obra: recontar a história de uma tecnologia marcada pelo medo e transformá-la em promessa de futuro.

Do espectro da destruição à promessa de esperança

Por décadas, a energia nuclear esteve associada ao espectro da destruição. Hiroshima e Chernobyl cristalizaram a imagem de um poder humano desmedido, capaz de criar e ao mesmo tempo aniquilar. Essa herança moldou não apenas políticas públicas e movimentos sociais, mas também o silêncio coletivo sobre seus possíveis benefícios.

É justamente esse legado que Isabelle confronta. Rad Future parte do paradoxo nuclear — destruição e criação, risco e promessa, ameaça e esperança — para propor uma nova narrativa. Seu gesto é ousado: unir ciência, ativismo e arte para mostrar que o nuclear não é apenas tecnologia, mas também imaginário social. Ao transformar essa história em estética e linguagem acessíveis, Isabelle abre o debate a jovens, artistas e ativistas climáticos, rompendo com décadas de tecnocracia e burocracia.

Cultura e política: uma convergência histórica

O impacto cultural de Rad Future não acontece no vácuo. Em agosto de 2025, quase simultaneamente ao lançamento do livro, a Federal Energy Regulatory Commission (FERC) autorizou a retomada da usina nuclear Duane Arnold, em Iowa (EUA). A decisão foi considerada histórica: após anos de desativação, uma planta nuclear voltou à rede elétrica para atender à crescente demanda por energia limpa e confiável (Howland, 2025).

Esse episódio sinaliza algo maior. Cultura e política, que tantas vezes caminharam em direções opostas no tema nuclear, começam a se alinhar. O nuclear deixa de ser apenas uma questão técnica e passa a ser também uma questão social e cultural, legitimada por símbolos, narrativas e vozes capazes de mobilizar a imaginação coletiva.

O Brasil diante do paradoxo

Há, nesse movimento, uma ironia poderosa. A principal voz cultural do nuclear no mundo é brasileira. Nascida em Passo Fundo (RS), Isabelle Boemeke tornou-se referência internacional ao redesenhar a imagem da energia nuclear, mas continua pouco reconhecida em seu país de origem.

O Brasil possui Angra 1 e 2, a promessa inconclusa de Angra 3, algumas das maiores reservas de urânio do planeta e um programa nuclear naval sofisticado, conduzido pela Marinha. Apesar desse potencial, o debate público segue paralisado, preso a estigmas e à memória de catástrofes passadas. O país hesita, enquanto sua voz mais criativa e ousada ecoa no exterior.

A energia do futuro é também narrativa

O mérito maior de Rad Future não está apenas em reabilitar a energia nuclear diante de argumentos técnicos, mas em revelar que o futuro energético será decidido também no campo da cultura. Energia, afinal, não é apenas um conjunto de reatores, turbinas ou painéis: é também símbolo, estética, imaginação coletiva.

Isabelle Boemeke compreendeu esse aspecto com clareza. Ao trazer moda, arte e comunicação digital para o debate nuclear, ela inaugura uma nova fase em que a energia deixa de ser monopólio dos engenheiros e se torna parte da cultura jovem global.

O desafio, portanto, não é apenas técnico: é simbólico. Rad Future nos lembra que escolher a energia do futuro é também escolher a narrativa que desejamos contar sobre nós mesmos. E talvez seja justamente aí que a inteligência artificial e o nuclear se encontrem: como expressões da ambivalência humana, capazes de ampliar tanto nossa capacidade de criar quanto nosso poder de destruir.

Referências

  • Boemeke, I. (2025). Rad Future: The Untold Story of Nuclear Electricity and How It Will Save the World. [Amazon Publishing].
  • Howland, E. (2025, August 26). FERC approves NextEra waiver needed for Duane Arnold nuclear plant restart. Utility Dive.
  • International Energy Agency. (2023). Electricity 2023: Analysis and forecast to 2025. Paris: IEA.
  • World Nuclear Association. (2024). World Nuclear Performance Report 2024. Londres: WNA

Consciência e IA: Desafio Contemporâneo para os direitos humanos

A dignidade da pessoa humana constitui o fundamento ético e jurídico de todo edifício dos direitos humanos. Contudo, frequentemente se interpreta essa noção em termos predominantemente objetivos, como a proteção da vida, da integridade física ou da proteção material. Embora tais dimensões sejam indispensáveis, elas não esgotam a densidade normativa do conceito. É preciso reconhecer que a dignidade repousa, em seu núcleo mais íntimo, na experiência subjetiva que é em última análise o que nos caracteriza como seres humanos.

Vemos a centralidade da subjetividade se manifestar de forma clara na prática dos direitos humanos. A proibição absoluta da tortura, por exemplo, não se explica apenas como defesa da integridade física do corpo, mas como proteção contra o ataque intolerável à consciência vivida da dor, o ataque intencional a integridade física e moral é uma experiência considerada degradante para a condição humana. A violação aqui não é apenas corporal, mas fenomenológica: representa destruição da interioridade subjetiva que fundamenta a humanidade do indivíduo.

Do mesmo modo, a proteção da liberdade de expressão ou de religião não pode ser reduzida a meras prerrogativas externas de manifestação. Esses direitos têm como finalidade resguardar a expressão da autenticidade da experiência interior.Seja ela de pensamento, crença ou convicção, assegurando que cada pessoa possa viver de acordo com sua própria consciência. O valor protegido é, portanto, a subjetividade representada pelo termo consciência e que dá consistência à liberdade.

Essa leitura se torna ainda mais urgente no cenário contemporâneo, marcado pela inteligência artificial, pela governança algorítmica e pelo avanço das neurotecnologias. Os debates recentes sobre neurodireitos já reconhecem que, na era digital, não basta proteger corpos ou dados. O que está em risco é a própria autonomia cognitiva, isto é, a experiência subjetiva que sustenta a possibilidade de escolhas livres e conscientes. Algoritmos que manipulam preferências ou falseiam percepções atuam diretamente sobre a autenticidade da experiência humana, comprometendo inclusive o núcleo do livre-arbítrio jurídico.

Nesse contexto, quando se afirma que a dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos humanos, deve-se reconhecer que esse fundamento repousa na experiência vivida. Sem a preservação do livre experienciar interior que se entrelaça na consciência humana — seja diante da violência física, da manipulação informacional ou da opacidade algorítmica — a própria noção de dignidade corre o risco de esvaziar-se. O desafio contemporâneo dos direitos humanos, portanto, é expandir seu alcance protetivo para além da integridade corporal e patrimonial, abarcando de forma explícita a de proteção da consciência humana como condição indispensável à liberdade e da humanidade.