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Desafio de Kamala

Os últimos dias em Washington estão sendo de intensa movimentação, algo atípico para esta época do ano, tanto pelo calor que invade a capital, como pelas férias de verão que esvaziam a cidade nestes meses. Porém, tudo muda diante de um ano eleitoral como este que estamos presenciando. Nestas semanas estou imerso presencialmente na política americana discutindo cenários e colhendo informações sobre as campanhas.

Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa. Nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral. Os republicanos, ou melhor dizendo, o partido de Trump, que tomou o controle da estrutura partidária republicana, fizeram uma convenção na esteira do atentando contra seu candidato, que decidiu partir para o confronto e deixar de lado o discurso de união que poderia emergir depois dos tiros na Pensilvânia.

Trump escolheu como vice JD Vance, um jovem senador por Ohio, indicado por seus filhos, em especial Donald Jr, que enxergou em Vance um nome que pode entregar um estado essencial na disputa contra os democratas. Nenhum presidente até hoje venceu sem Ohio e ao assegurar um nome com enorme penetração política local, praticamente selou o apoio do estado na disputa eleitoral.

A mudança na chapa dos democratas diante da desistência de Biden em buscar a reeleição trouxe um elemento novo para o tabuleiro. Sua decisão já estava tomada e a comunicação foi realizada somente depois do partido costurar o apoio em torno de sua vice, algo que sugere a continuidade da sua presidência e sua chapa para reeleição. Em pouco tempo, todos os diretórios estaduais democratas selaram o apoio a Harris, assim como os principais cardeais do partido. A convenção em Chicago servirá apenas para sua consagração e formalização eleitoral.

A eleição americana será decidida mais uma vez em um pequeno punhado de estados que, ao votar com republicanos e democratas de forma pendular em cada eleição, podem fazer com que o resultado sofra variações, os chamados swing states. Flórida, Ohio, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Destes, Flórida e Ohio são considerados republicanos nesta eleição, especialmente por termos Trump e JD Vance na disputa. Kamala mira em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Sem eles, não há chance de vitória.

Isso explica porque a nova pré-candidata presidencial começou sua caminhada justo por Wisconsin, que sediou a convenção republicana. Nos outros dois estados, possui aliados de peso: no Michigan, a governadora Gretchen Whitmer e na Pensilvânia, o governador Josh Shapiro, ambos nomes com ambições presidenciais. Um deles certamente deve ser o companheiro(a) de chapa de Kamala Harris e a tendência, diante da busca de equilíbrio, é o governador Shapiro, um homem branco e centrista, que pode tirar votos de Trump, além de ser popular em um dos estados mais importantes desta eleição.

O desafio de Kamala está lançado. Sua candidatura foi bem articulada até aqui nos bastidores do partido. Biden e os cardeais democratas fecharam apoio irrestrito do partido em torno dela. A chance de vitória existe, porém, se acontecer será por uma margem muito estreita. O favoritismo ainda reside nos ombros de Trump e seu grupo político, porém, se Kamala Harris souber se movimentar há um pequeno espaço para virar o jogo. Washington segue fervendo nestas férias de verão.

Drama Democrata

Desembarquei em Washington no dia seguinte ao atentado contra Donald Trump e a sensação entre os políticos com quem conversei era a mesma. A eleição está decidida e o republicano pode preparar o terno para a posse. Se a convenção que ocorreria em Milwaukee era apenas uma formalidade, tudo indica que a eleição que teremos pela frente pode seguir enredo similar.

Se a dificuldade dos democratas era apenas a desconfiança sobre a saúde e o vigor de Biden, a realidade se tornou ainda mais sombria. O Presidente não fornece sinais de que possa desistir, ao mesmo tempo que a eleição de seu adversário se torna algo que beira o inevitável e pode jogar o partido que atualmente está no poder em uma crise sem precedentes.

Além da Casa Branca estarão em disputa diversos cargos, como governos estaduais, a totalidade da Câmara de Representantes e 1/3 do Senado. Isto representa poder político. Sem um candidato a Presidente que impulsione estas candidaturas, as chances de os democratas perderem governos, enxergarem os republicanos dominar o Senado com folga e sofrerem uma surra de proporções épicas na Câmara é uma realidade.

A Casa Branca já é considerada uma causa perdida e o congelamento das doações para a campanha de Biden evidencia o tamanho do drama eleitoral. Resta aos democratas evitar o pior e brigar para manter sua dignidade, lutando de forma viável pelas vagas no Congresso e pelo controle de governos estaduais. Neste sentido, lideranças partidárias ainda tentam convencer Biden a desistir, abrindo caminho para Kamala Harris, que seria derrotada por Trump, porém, seria capaz de levar algum vigor para as campanhas e ajudar o partido a evitar o pior.

Neste sentido, os democratas trabalham com o calendário curto e fixaram agosto como o limite para uma decisão, quando ocorre sua convenção em Chicago. Se Biden surgir mais uma vez perdido ou cometer erros graves, o partido está disposto a se movimentar visando sua própria sobrevivência na arena política. Circula em Washington que já havia uma carta pronta dos líderes pedindo a troca do candidato democrata e que foi colocada de lado diante do atentado contra Donald Trump.

O drama dos democratas também passa por três estados voláteis eleitoralmente e por isso considerados seminais na eleição americana: Wisconsin, Ohio e Pennsylvania. Os republicanos escolheram o primeiro para sediar sua convenção. O segundo é a base eleitoral do vice de Trump, o senador J.D. Vance. O terceiro é o local onde ocorreu o atentado. Se os republicanos vencerem nestes locais, seus adversários não terão a menor chance e tudo indica que o quadro vai se desenhando desta forma.

Se os democratas não agirem de forma de firme e objetiva, Trump iniciará seu segundo mandato com a maioria dos governadores, vantagem plena na Câmara e confortável superioridade no Senado. Com uma Suprema Corte de maioria conservadora, que deve ser ampliada nos próximos anos, o trumpismo se consolidará de forma esmagadora na política norte-americana, um fenômeno que se apropriou do Partido Republicano e passará em pouco tempo a se confundir com a realidade política do país.