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Perigoso Dragão Vermelho

A grande expansão chinesa pelo mundo possui rumo nítido e objetivos que estão muito além da economia, com claros desdobramentos políticos por onde passa. Esta iniciativa tomou forma muito bem definida pela estratégia da “Nova Rota da Seda” implementada pelo governo de Xi Jinping. O investimento chinês que roda o mundo, entretanto, vem se adequando aos objetivos políticos de Pequim e estes desdobramentos chegaram até a América Latina.

Fato é que o líder chinês possui um tipo de liderança e visão da China diferente de seus antecessores, Hu Jintao e Jiang Zemin, mais cautelosos e menos audazes que Xi Jinping. Em seu governo, o país vem exercendo um imperialismo ativo e contundente, usando a economia como arma de dependência e pressão política no médio e longo prazo. Os países que fizeram a opção pela aliança com Pequim têm agora uma fatura a pagar.

Este movimento está muito claro quando olhamos para a América Latina, que assiste o redirecionamento dos interesses chineses na região. A perda de relevância dos projetos de infraestrutura ocorreu à medida que o foco se modificou para aquilo que é chamada de “nova infraestrutura”, resultando na diminuição dos aportes. Estamos falando de uma mudança profunda de foco e valor no investimento direto estrangeiro chinês.

Esta nova frente, que necessita de menor investimento, engloba setores como fintechs, telecomunicações e transição energética. Se o investimento anterior supria os gargalos da demanda de commodities para oriente, agora o objetivo é contribuir em canais críticos para a estratégia de crescimento econômico da China. Uma reprodução pura e simples de um pacto colonial com vistas a fortalecer as musculaturas da metrópole.

Os números deixam isso muito claro. Depois de um financiamento inicial e a criação de uma lógica de dependência política e econômica, o aporte entra em declínio. O investimento direto estrangeiro (IDE) da China na América Latina saiu de US$ 14,2 bilhões por ano entre 2010 e 2019, caiu para uma média de US$ 7,7 bilhões de 2020 a 2021 e depois para US$ 6,4 bilhões em 2022.

A China possui método e vem moldando as economias por onde passa seu investimento com o objetivo de atender suas demandas. Os próximos passos para a América Latina passam pelos investimentos da BYD e GWM focadas na eletrificação da frota brasileira, compra de linhas de transmissão de energia (já vencida pela chinesa State Grid), aquisição de ativos de lítio pela Tianqi Lithium no Chile e expansão da Huawei e outras empresas chinesas na região em data centers, computação em nuvem e tecnologia 5G. Enquanto isso, o México, tornou-se base doméstica de empresas chinesas com objetivo de obter acesso privilegiado ao mercado norte-americano.

O grande dragão vermelho mostrou suas garras e a ressaca econômica proporcionada pela festa de seus investimentos tem sido duríssima para muitas nações. Altas taxas de dívida, vulnerabilidade e dependência. Um sino-fenômeno que ocorreu da Grécia ao Paquistão, passando por Malásia e Gana, chegando até a América Latina. Uma reedição de um perigoso sistema colonial que visa tão somente atender a estratégia de desenvolvimento da China e a visão de mundo autocrática desenhada por Xi Jinping.

Perigosa Rota da Seda

A empresa chinesa State Grid arrematou o principal lote no maior leilão de energia da história do Brasil. Os chineses levaram o lote de maior investimentos e complexidade, especialmente os empreendimentos que servem para transportar energia por longas distâncias e em alta tensão. O deságio da operação ainda foi de 40%. Os chineses irão construir linhas de transmissão nos estados do Maranhão, Tocantins e Goiás.

A notícia em um primeiro momento parece ser boa, uma vez que somos um país com enorme déficit de poupança interna e precisamos de capital externo para realização de investimentos. Entretanto, se torna intrigante observar o foco dos chineses pela área de energia no Brasil. O setor foi aquele que mais recebeu recursos de Pequim.

O mesmo ocorreu em outras áreas do mundo. No Paquistão um novo corredor está sendo construído com foco na interligação da economia do país com a China. Kashgar agora está ligada diretamente ao porto de Gwadar, cedido aos chineses e sob o seu controle direto pelos próximos 40 anos. A posição estratégica do porto funciona como escoamento dos produtos chineses passando pelo Paquistão.

Em troca de investimentos, a Grécia vendeu 67% do seu maior e mais estratégico porto para os chineses, que agora controlam um dos mais importantes hubs do comércio marítimo europeu. O país asiático implementou o mesmo modelo comprando dezenas de portos no mundo, sendo a proprietária de mais de uma centena deles em cerca de 67 país. Hoje, sete dos dez maiores portos do mundo estão nas mãos dos chineses.

Estas ações fazem parte da famosa e controversa estratégia chamada de “Nova Rota da Seda” que aos poucos desembarca no Brasil. Porém, nem tudo são flores na rota desenhada por Pequim. A estratégia tem sido a mesma, ou seja, oferecer investimentos e tornar os países endividados, usando este laço de “dependência” criado entre as duas nações e a dívida com Pequim como moeda de troca política no xadrez internacional.  

Os exemplos estão espalhados pelo mundo. Em Gana, a população pediu na justiça o fim da exploração da bauxita pelos chineses. O Quênia já acumula mais de 2 bilhões de dólares de dívida com Pequim. Na Malásia, o ex-premiê desviou mais de 800 milhões, deixado uma dívida de 4,5 bilhões de dólares do seu país com a China. A Argentina cedeu parte de seu território na Patagônia para a instalação de uma estação militar chinesa.

Foram estes fatos que levaram muitos países a evitar uma excessiva dependência do capital chinês, por mais atraente que possa parecer. Na verdade, o custo do negócio embutido nos acordos pode custar muito caro para a soberania das nações, tornando-as frágeis quando pressionadas pelo governo de Pequim. Além disso, o tamanho das dívidas assumidas e o tamanho da infraestrutura estratégica concentrada em empresas chinesas tornam os países vulneráveis ao interesse estrangeiro de um único país.

Apesar de já ter se tornado um país sinodependente em alguns aspectos, ainda existe tempo hábil para o Brasil reverter a dependência em setores estratégicos como tecnologia, infraestrutura e logística. É preciso aprender com os erros de outras nações e evitar dissabores que podem custar muito caro para nossa população, soberania e economia.