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A China vai a Wall Street e ameaça a segurança dos Estados Unidos

Recentemente, a Shein, gigante chinesa do e-commerce de roupas, anunciou a sua primeira IPO (oferta pública de ações) na NYSE, bolsa de valores de Nova York, tendo como principais subscritores colossos financeiros como o J. P. Morgan/Chase, a Goldman Sachs e o Morgan Stanley. Várias agências governamentais dos Estados Unidos documentam numerosos casos envolvendo a Shein em casos que vão da violação de direitos de propriedade intelectual e práticas trabalhistas ‘tóxicas’ até sonegação fiscal e sistemáticas operacionais danosas ao meio ambiente. O episódio transborda das páginas do noticiário econômico para sinalizar mais um conflito entre os interesses da alta finança e a segurança nacional da América.

A preocupação com a ofensiva do Partido Comunista da China contra a ordem internacional liberal (livre-comércio, liberdade de navegação, direitos civis e liberdades democráticas etc) garantida pelo poderio norte-americano desde o fim da Segunda Guerra pode ser considerada o derradeiro e único bastião do consenso bipartidário sobre política externa em Washington, D. C.

Durante a administração Republicana de Donald Trump, a Casa Branca publicou um documento de Estratégia de Defesa Nacional (2018) rotulando a China como principal rival da América entre as grandes potências mundiais. Dois anos depois, ainda naquele governo, uma “ordem executiva” (decreto presidencial) proibiu investimentos de companhias dos Estados Unidos em empresas ligadas ao complexo industrial-militar chinês.

Mais recentemente (agosto do corrente ano), a administração Democrata de Joe Biden baixou outro decreto com maiores restrições a esses investimentos,  na China e em outros países adversários (countries of concern).

Na contramão dessas regras, conforme observam os pesquisadores da Foundation for the Defense of Democracies Emily de LaBruyère e Nathan Picarsic em artigo de opinião para o prestigioso portal político The Hill (9 de dezembro último), outras grandes empresas, como o conglomerado Hesai Group, fabricante de sensores – laser de uso dual (militar e civil), acaba de protagonizar o maior lançamento de ações de uma firma chinesa NYSE desde 2021.

Depois de um breve período de incertezas ante as manobras do PC e do governo da República Popular da China destinadas a restringir a influência política dos seus ‘campeões nacionais’, sua presença em bolsa agora cresce como nunca. Em junho deste ano, 65 companhias chinesas aguardavam na fila para ser listadas na NYSE, número que pulou para 116 em outubro.

Por lei, as empresas da China são obrigadas, sempre que requisitadas pelo Estado-partido único, a submeter quaisquer dados e informações relativos aos seus clientes, parceiros e investidores estrangeiros. A holding Lidar, que controla o já referido grupo Hesai, desenvolve e produz tanques, drones e toda uma ampla variedade de sistemas de armamentos. Outras firmas, como a própria Shein, há muito tempo são denunciadas por explorar a mão de obra de prisioneiros da etnia islâmica uigur em Xinjiang, violando compromissos internacionalmente assumidos pelos Estados Unidos em prol dos diretos humanos e práticas trabalhistas justas.

Ora, não é preciso ser um grande historiador ou exímio analista político para saber que os ditadores comunistas, na China e alhures — ontem, hoje e sempre —, não permitem jamais que a iniciativa privada possa ameaçar o monopólio de poder político do partido único. Essa interferência desabrida perturba o funcionamento dos mercados e acarreta  prejuízos às vezes bilionários aos investidores. Foi esse o caso do Didi (concorrente chinês do Uber e outros aplicativos de transporte individual), quando, em meados do ano passado, foi obrigado pelo governo de Pequim  a cancelar seu registro na NYSE e transferir suas ações para a bolsa de Hong Kong. O que estava em jogo era a ampliação do controle estatal sobre os dados pessoais dos passageiros….

LaBruyère e Picarsic concluem  seu artigo frisando  o aquilo que não é segredo para ninguém: as medidas de segurança do governo dos Estados Unidos  em relação ao rival chinês simplesmente não vão funcionar — e este continuará financiando a modernização dos seus arsenais com os dólares dos investidores americanos — enquanto os interesses de Wall Street (habituais e generosos financiadores de campanhas eleitorais dos dois partidos) falarem mais alto que o imperativo da defesa….

Agora imaginem o prezado leitor e a estimada leitora quão mais perigosa é a situação de países como o Brasil e os nossos vizinhos latino-americanos, com suas óbvias fragilidades institucionais e deficiente formação de capital ante a crescente investida econômica e política da China neste continente!