A defesa de Israel ao ataque terrorista do Hamas – atuando como ponta de lança do eixo autocrático (Rússia, Irã, Síria e outras tiranias do Oriente Médio, com o apoio da China e de governos populistas da Europa, América Latina e África, reunidos no BRICS e no Sul Global) em guerra (a segunda grande guerra fria) contra as democracias liberais – é legítima, independentemente de seu governo atual ser ou não ser democrático. Qualquer governo de Israel – autocrático ou democrático – teria de reagir, contra-atacando o Hamas, sob pena de deixar a sociedade israelense vulnerável a novos ataques terroristas. Todo problema aqui é como reagir.
O governo Netanyahu não é democrático. É populista-autoritário, abrigando muitos tarados supremacistas. Entretanto, o regime político de Israel é uma democracia liberal segundo todos os institutos que monitoram a democracia no mundo (V-Dem, Freedom House, The Economist Intelligence Unit etc.).
Ao reagir declarando imediatamente guerra total ao Hamas, bombardeando e invadindo militarmente o território de Gaza com efeitos colaterais inevitáveis, como a morte de civis não-combatentes, passíveis de serem explorados cinematograficamente, o governo Netanyahu caiu numa armadilha, talvez uma armadilha na qual não poderia não cair – mas caiu. De sorte que Israel perdeu a guerra de propaganda – uma guerra suja, com a divulgação diária, feita exclusivamente pelo Hamas, de proporções falsificadas de mulheres e crianças mortas em relação ao número total de mortos de palestinos em Gaza. Além disso, ficou vulnerável a acusações infundadas de terrorismo e genocídio.
Perdida a guerra da propaganda, o problema é o que fazer daqui para frente. A guerra quente, na sua forma atual, não pode ser eterna. Em algum momento deverá haver cessação das hostilidades generalizadas. Mas o governo Netanyahu dificulta – e no limite inviabiliza – qualquer negociação de paz. Por isso precisa ser derrubado pelos próprios democratas israelenses, por meio dos mecanismos legais disponíveis em seu regime democrático. De preferência, isso não deve ser feito só depois da fase atual da guerra (quente) e sim o quanto antes. Após a queda do governo Bibi, uma nova coalizão democrática no governo de Israel deve buscar ativamente a paz, entrando em negociação com as potências democráticas e com os países da região que não apoiam o Hamas. Fará parte necessariamente dessa negociação parar e começar a remover os assentamentos judaicos na Cisjordânia (ou negociar áreas ocupadas por troca de terras em outros lugares – quando isso for possível) e suspender a presença ostensiva de forças militares e policiais naquele território.
O Hamas, a Jihad Islâmica, a Frente de Libertação da Palestina, o Hezbollah e as milícias xiitas que atuam na Síria, no Iraque e no Iêmem sob o comando do Irã, não são players válidos nas relações internacionais porque são organizações terroristas. Com eles não se pode contar para a ereção de um Estado palestino que, ao lado do Estado de Israel, possa estabelecer a paz na região. Um Estado comandado por terroristas será um Estado fora da lei, um Estado de bandidos que viverá fustigando Israel, e não um Estado de direito – nem mesmo será um Estado autocrático que, por razões de realpolitik, não queira atacar Israel.
Gaza (visível) não é o Hamas, mas o Hamas é Gaza (invisível) porque está profundamente enraizado na sociedade palestina que ali vive a ponto de ter conseguido transformar o território da Faixa em um laboratório de experimentos exterministas e em uma fábrica de terroristas que visam a aniquilar Israel. O terrorismo em Gaza já se reproduz intergeracionalmente por meio das famílias, das escolas, das mesquitas e de entidades civis com a ajuda de militantes autocráticos homiziados em agências da ONU e em organizações humanitárias internacionais, com financiamento e apoio do Irã, da Turquia, sobretudo do Catar, e de outras autocracias da região.
A estratégia de matar os milhares de militantes do Hamas um-a-um é inócua no curto prazo. Cada líder morto será imediatamente substituído por outro líder. Até agora, pelos números fornecidos pelas próprias Forças de Defesa de Israel, só foram mortos 25% do presumível total de combatentes do Hamas. O Hamas é uma rede extensa e profunda. Israel não dispõe do tempo político necessário para consumar a operação de eliminar todos os nodos da rede (que perfazem cerca de 2% da população de Gaza) um-a-um, o que exigiria – numa avaliação otimista – oito meses de guerra na sua forma atual. Mas o Hamas ainda pode ser muito mais numeroso do que se estima (se considerarmos jovens menores de idade e simpatizantes que estão entrando continuamente no combate).
Por outro lado, matar no atacado os militantes e simpatizantes do Hamas para extinguí-lo completamente, exigiria arrasar a terra de Gaza eliminando boa parte da população palestina. Isso não foi feito até agora por Israel porque seria inaceitável. Pelos números (sempre falsificados) de mortos divulgados pelo próprio Hamas, morreram cerca de 1% de civis palestinos (incluindo combatentes do Hamas – que são considerados civis).
A rede de túneis que abriga a infra-estrutura bélica do Hamas pode ser destruida, mas a rede de túneis não é nada diante da rede de pessoas. Uma rede não é a coleção de seu nodos. Para eliminar o Hamas seria necessário quebrar as conexões entre os nodos dessa rede e cortar os atalhos entre os seus clusters (dentro e fora do território de Gaza). Isso não pode ser feito no curto prazo.
A única saída (provisória) é uma negociação bancada pelas potências democráticas em aliança realista com autocracias do Oriente Médio que não visam a destruição de Israel para impor um novo governo em Gaza e na Cisjordânia sem a participação de organizações terroristas – o embrião de um Estado palestino – que mantenha uma coexistência não-beligerante vigiada com o Estado de Israel.
Nos curto e médio prazos é altamente improvável que esse novo Estado palestino seja um Estado democrático de direito. Será mais uma ditadura, entre as quatorze que já existem no Oriente Médio (a única democracia da região seguirá sendo Israel por muito tempo). Uma saída mais definitiva talvez possa ser alcançada no tempo de uma geração, se as crianças palestinas que ainda vão nascer e as de hoje (menores de 12 anos) deixarem de ser doutrinadas por organizações do jihadismo ofensivo islâmico e por organismos internacionais disfarçados de humanitários.