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País dos Privilégios

Frédéric Bastiat foi categórico ao descrever a expoliação legal: o uso da lei para pilhar o contribuinte. No Brasil, essa pilhagem atingiu níveis de obscenidade fiscal. A máquina pública, que deveria ser servidora da nação, transformou-se em oligarquia financiada compulsoriamente pelo setor produtivo. A inação diante da urgência de reforma não é um erro gerencial, mas uma escolha deliberada de manutenção de poder e privilégio.

Os números não admitem eufemismos. Levantamento do  Movimento Pessoas à Frente e República.org revelou que 53 mil servidores públicos recebem acima do teto constitucional. O custo anual dessa farra é de R$ 20 bilhões. Este montante não representa apenas um rombo, mas transferência regressiva de renda onde trabalhador e empresário, que geram a riqueza, são espoliados para financiar o luxo governamental.

A disparidade salarial é o indicador mais contundente da falência do modelo. Enquanto a maioria dos brasileiros luta contra a estagnação econômica, estudos do Banco Mundial indicam que o salarial do servidor federal atinge uma média 96% maior em comparação com pares do setor privado. Uma distorção que desincentiva os mais capazes talentos de gerar riqueza no setor privado para se acomodar no setor público, refugiados na estabilidade de seus vultosos proventos. 

O Judiciário, em particular, lidera esse festim fiscal. O custo do sistema de justiça brasileiro atinge alarmantes 1,6% do Produto Interno Bruto, um patamar que é quatro vezes maior do que a média dos países da OCDE. Pagamos um dos Judiciários mais caros do planeta para, ironicamente, termos um dos processos mais lentos e uma segurança jurídica questionável, com seus mais altos membros viajando de carona em jatinhos de investigados, ao mesmo tempo que enterram as mais importantes operação que miram combater a corrupção. Um escárnio.

O aspecto mais nefasto dessa crise é a covardia política que a sustenta. O governo Lula e sua base aliada demonstram uma inércia estratégica. A ausência de movimento pela Reforma Administrativa não se deve à complexidade técnica, mas à captura corporativista. Enfrentar os supersalários e a estabilidade desmedida significa confrontar sindicatos e corporações estatais que são bases de sustentação do governo. A prioridade é clara: aumentar a receita via impostos para acomodar a despesa para colher votos, em vez de racionalizar o gasto e confrontar os privilégios.

Vale lembrar que a manutenção de uma máquina pública extrativista e ineficiente não é apenas uma questão de números fiscais, é um atentado à equidade social. Os bilhões que irrigam os supersalários são subtraídos do investimento em saúde básica, educação de qualidade e infraestrutura. Urge, portanto, reposicionar o debate. A reforma administrativa não deve ser encarada meramente como um corte de gastos, mas como um imperativo moral e econômico para desarmar as armadilhas que fazem do Brasil um país subdesenvolvido. Enquanto bilhões forem drenados anualmente para sustentar excessos de uma elite burocrática, o país continuará a operar muito aquém de seu potencial, preso a um modelo onde alguns privilegiados servem-se do trabalho duro de uma legião de brasileiros que carregam a nação nas costas.

Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

O governo Lula encontra-se em uma encruzilhada perigosa: a promessa de cortar gastos paira no ar como um mantra político, mas a ação parece eternamente adiada. A popularidade do presidente está em queda, conforme indicam as pesquisas, e o prazo para lidar com a crise econômica está se esgotando. Com um governo fragilizado, sem poder de barganha e refém de um Congresso pouco cooperativo, a pergunta central é clara: como será feito esse corte?

Os desafios são imensos. De um lado, há um funcionalismo público abarrotado de privilégios e salários desproporcionais, ironicamente defendidos por um Judiciário que consome uma fatia considerável do orçamento e exige ainda mais aumentos. Do outro, uma economia debilitada, onde as famílias brasileiras estão atoladas em dívidas enquanto o governo parece mais preocupado em ampliar benefícios para quem já tem demais.

Enquanto isso, a única ação concreta do governo foi escancarar a lista de empresas e influenciadores que usufruem de incentivos fiscais questionáveis. Nomes como Felipe Neto, Virgínia e gigantes empresariais figuram nessa lista, expondo isenções que somam centenas de milhões de reais. Esses privilégios fiscais, justificados originalmente pela pandemia, seguem sendo renovados como se fossem indispensáveis. É um deboche com o cidadão comum, que luta para comprar itens básicos enquanto assiste ao governo patrocinar luxos desnecessários.

A questão mais amarga é que, mesmo diante dessa pressão, o governo parece incapaz de enfrentar os problemas estruturais do país. Prometer reforma administrativa é quase um esporte olímpico entre os políticos brasileiros, mas tirá-la do papel significa mexer com interesses instalados em todas as esferas do poder. Quem está “mamando” nas benesses do Estado dificilmente abrirá mão de seus privilégios. Assim, a reforma administrativa segue sendo uma ideia platônica: admirada, mas jamais realizada.

O problema vai além da inação. Existe uma narrativa conveniente de que cortar gastos equivale, automaticamente, a retirar recursos dos mais pobres. Esse discurso, embora popular, é utilizado para mascarar a incapacidade de mexer nas estruturas que realmente consomem o orçamento público. Não é uma questão de prejudicar programas sociais, mas de enfrentar privilégios profundamente enraizados. No entanto, essa tarefa hercúlea parece estar fora da agenda do governo Lula.

Enquanto isso, a economia cobra seu preço. A avaliação de um presidente é inevitavelmente atrelada ao bolso do povo. Quando os brasileiros estão viajando, comprando eletrodomésticos ou fazendo churrasco, o governante é visto como um sucesso, mesmo que ele tenha pouco a ver com essa prosperidade. Mas quando os preços disparam e até o iogurte vira item de luxo no carrinho de compras, o cenário muda rapidamente. O atual governo está sentindo esse impacto: a promessa de picanha e cerveja na mesa se transformou em um símbolo de decepção.

A grande ironia é que o governo Lula conta com um escudo poderoso: o silêncio de boa parte da imprensa. Se fosse Bolsonaro, certamente haveria um massacre midiático diário. Dois anos prometendo cortes que não chegam seriam motivo de editoriais inflamados e críticas incessantes. Para Lula, entretanto, a paciência parece infinita. Essa blindagem, no entanto, não engana o povo, que sente na pele os efeitos da falta de ação.

Resta saber se o corte de gastos sairá do campo das promessas antes que a conta chegue. E ela sempre chega. Caso contrário, não será apenas a popularidade de Lula a desabar. Será o brasileiro comum que pagará, mais uma vez, pelos erros de um governo que insiste em adiar o inevitável.