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As eleições para o parlamento europeu e a defesa do mundo livre

As eleições para o parlamento europeu devem ser vistas no contexto da segunda guerra fria, já instalada e movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais. Apurados os resultados, pode-se dizer que venceu o mundo livre.

Não importa se quem defende as democracias liberais é dito de direita (como Ursula von der Leyen) ou de esquerda ou centro-esquerda (como Scholz ou Frederiksen).

E não importa se quem ataca as democracias liberais é dito de direita (Orbán ou Erdogan) ou de esquerda (Xi Jinping ou Kim Jong-un). Ou mesmo Putin, que apoia tanto a extrema-direita como a esquerda populista, desde que militem contra a ordem liberal e o mundo livre.

O eixo autocrático articula as maiores e mais cruéis ditaduras do planeta e os regimes iliberais (autocráticos, ainda que eleitorais): Rússia, China, Coréia do Norte, Irã, Turquia, Hungria, Síria e outras ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, Cuba, Venezuela, Nicarágua.

E o eixo autocrático está investindo para alinhar a si regimes eleitorais (que são chamados de democracias, mas não são democracias liberais) parasitados por populismos, como México, Colômbia, Honduras, Bolívia, Brasil e África do Sul.

O fundamental, então, não é ser ou se dizer de direita ou de esquerda e sim defender a ordem liberal e o mundo livre contra as investidas do eixo autocrático. A Europa tem a maior concentração de democracias liberais do planeta. Segundo o V-Dem 2024, a Europa tem 18 democracias liberais em 50 países (36%). Nas Américas são 7 democracias liberais em 36 países (19,4%). Na Oceania 2 em 14 países (14,29%). Na Ásia 4 em 49 países (8,2%). Na África 1 democracia liberal em 54 países (1,6%). Essas democracias liberais precisam ser defendidas

Mas não se trata mais, apenas, de defender a ordem internacional baseada em regras. Eclodida uma segunda grande guerra fria, trata-se de defender o mundo livre (as democracias liberais) contra as investidas do eixo autocrático visando a exterminá-las.

Então são quatro as prioridades agora:

1 – Defender a União Europeia.

2 – Defender a Ucrânia contra a invasão do ditador Putin.

3 – Defender Israel contra os ataques da teocracia iraniana e seus braços terroristas (Hamas, Hezbollah, Houthis etc).

4 – Defender Taiwan contra as tentativas de invasão e anexação da ditadura chinesa.

Ao contrário do que fizeram parecer alguns meios de comunicação, os que não concordavam com essas prioridades não ganharam, perderam as eleições para o parlamento europeu.

As eleições para o parlamento europeu e a defesa do mundo livre

As eleições para o parlamento europeu devem ser vistas no contexto da segunda guerra fria, já instalada e movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais. Apurados os resultados, pode-se dizer que venceu o mundo livre.

Não importa se quem defende as democracias liberais é dito de direita (como Ursula von der Leyen) ou de esquerda ou centro-esquerda (como Scholz ou Frederiksen).

E não importa se quem ataca as democracias liberais é dito de direita (Orbán ou Erdogan) ou de esquerda (Xi Jinping ou Kim Jong-un). Ou mesmo Putin, que apoia tanto a extrema-direita como a esquerda populista, desde que militem contra a ordem liberal e o mundo livre.

O eixo autocrático articula as maiores e mais cruéis ditaduras do planeta e os regimes iliberais (autocráticos, ainda que eleitorais): Rússia, China, Coréia do Norte, Irã, Turquia, Hungria, Síria e outras ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, Cuba, Venezuela, Nicarágua.

E o eixo autocrático está investindo para alinhar a si regimes eleitorais (que são chamados de democracias, mas não são democracias liberais) parasitados por populismos, como México, Colômbia, Honduras, Bolívia, Brasil e África do Sul.

O fundamental, então, não é ser ou se dizer de direita ou de esquerda e sim defender a ordem liberal e o mundo livre contra as investidas do eixo autocrático. A Europa tem a maior concentração de democracias liberais do planeta. Segundo o V-Dem 2024, a Europa tem 18 democracias liberais em 50 países (36%). Nas Américas são 7 democracias liberais em 36 países (19,4%). Na Oceania 2 em 14 países (14,29%). Na Ásia 4 em 49 países (8,2%). Na África 1 democracia liberal em 54 países (1,6%). Essas democracias liberais precisam ser defendidas

Mas não se trata mais, apenas, de defender a ordem internacional baseada em regras. Eclodida uma segunda grande guerra fria, trata-se de defender o mundo livre (as democracias liberais) contra as investidas do eixo autocrático visando a exterminá-las.

Então são quatro as prioridades agora:

1 – Defender a União Europeia.

2 – Defender a Ucrânia contra a invasão do ditador Putin.

3 – Defender Israel contra os ataques da teocracia iraniana e seus braços terroristas (Hamas, Hezbollah, Houthis etc).

4 – Defender Taiwan contra as tentativas de invasão e anexação da ditadura chinesa.

Ao contrário do que fizeram parecer alguns meios de comunicação, os que não concordavam com essas prioridades não ganharam, perderam as eleições para o parlamento europeu.

A Netwar

A netwar é a nova forma de guerra em uma sociedade-em-rede. Não é, como geralmente se pensa, a luta sem quartel travada nas mídias sociais (que dela representam apenas um pequeno aspecto). Antes de qualquer coisa, a netwar é social, não digital. É uma guerra que alcança as redes de pessoas (inclusive as que não interagem nas mídias sociais).

Para entender isso temos de voltar ao início da segunda década deste século, quando houve uma explosão das mídias sociais (incorretamente chamadas, no Brasil e em outros países, de redes sociais). Mídias sociais não são redes sociais. Poderiam ser, no máximo, ferramentas de netweaving. Acabaram, infelizmente, sendo o oposto ao conspirar contra as redes mais distribuídas do que centralizadas. Redes sociais são pessoas interagindo (enquanto estão interagindo) por qualquer meio (mídia). Não, não são ferramentas, dispositivos tecnológicos, sites, aplicativos, programas, algoritmos.

A netwar extravasa, não elimina, as guerras quentes (os conflitos armados que comumente chamamos de guerra). Aliás, o fato de um conflito ser armado só agrava circunstancialmente sua gravidade (pela ameaça mais premente às vidas humanas e dos demais seres vivos). Essencialmente, porém, ela altera o modo de regulação dos conflitos tornando-o menos pazeante e mais adversarial ou antagônico, ao produzir inimigos. Sim, a guerra, qualquer guerra, não é destruição de inimigos (um “efeito colateral”), mas construção de inimigos. Não importa se o inimigo da vez é a Eurásia ou a Lestásia, para lembrar o 1984 de George Orwell (1949). A guerra constroi inimigos como pretexto para reorganizar cosmos sociais, adotando padrões de organização hierárquicos regidos por modos de regulação autocráticos.

A netwar diminui os graus de distribuição das redes sociais e, consequentemente, altera a sua conectividade e a sua interatividade (ver imagem abaixo).

Imagem ilustrativa by Renato Cecchettini. Ao cortar conexões, a netwar multicentraliza a rede, quer dizer, converte uma rede mais distribuída do que centralizada em uma rede mais centralizada do que distribuída.

Não é “guerra de propaganda”. É reengenharia topológica. Ela multicentraliza (e estilhaça) as redes em miríades de esferas privadas opacas. É uma espécie de clustering fortemente restringido. A chamada tribalização, ou ilhamento em bolhas, é um dos efeitos observáveis dessa perturbação na fenomenologia da interação. A netwar desatalha, ou seja, corta as conexões (atalhos) entre os clusters. Ao fazer isso, conecta para dentro e desconecta para fora. E exclui nodos dos mundos sociais que habitavam. Com tudo isso, ela altera molecularmente comportamentos numa velocidade inimaginável, como numa reação em cadeia. Novos organismos sociais, malignos para a democracia, nascidos dessa operação, erigem-se em dias ou até em horas, talvez. Não há comparação com o tempo gasto para estruturar uma SS (Schutzstaffel) ou um Exército de Guardiães da Revolução Islâmica (Pásdárán), mais conhecido como Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC).

A netwar que está em curso – na segunda guerra fria que já eclodiu – é muito mais perigosa para as democracias do que todas as guerras mundiais do século passado (a primeira e a segunda guerras e a primeiro guerra fria).

Toda realidade política sob a terceira onda de autocratização em que vivemos está afetada por essa segunda guerra fria que se instalou, notadamente, a partir da terceira década do século 21. Como foi dito, não é uma terceira guerra mundial, nos moldes das duas anteriores, nem é uma reedição da primeira guerra fria do século 20, porque não é uma guerra de blocos demarcados sobre a geografia do globo. Não é EUA x China no lugar de EUA x URSS. A segunda guerra fria é fractal, se instala dentro de cada país.

Um eixo autocrático, o mais poderoso já conformado em toda a história humana (Rússia, China, Irã, Coréia do Norte, Turquia, Hungria, Cuba, Venezuela, Nicarágua, além de várias outras ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África e de Bharat – este último ainda uma incógnita), está movendo uma netwar mundial, uma campanha de isolamento e exterminação das democracias liberais. E, para tanto, está conquistando o alinhamento de regimes eleitorais não liberais parasitados por populismos (México, Honduras, Colômbia, Bolívia, Brasil, África do Sul, Indonésia et coetera).

Essa segunda guerra fria é uma guerra essencialmente política (ou antipolítica, quer dizer, contra a política: que não é guerra e sim evitar a guerra), com múltiplos eventos regionais de guerra quente (conflitos armados) que servem, fundamentalmente, para alimentar a netwar. A guerra do Hamas contra Israel não é uma guerra regional visando a alcançar objetivos militares locais, mas uma das espoletas para a explosão de uma netwar global. Mesmo que vença militarmente no terreno de Gaza, Israel já perdeu a netwar cujo palco é o mundo inteiro (e tanto é assim que se manifesta nos campi das universidades americanas, passando pelas ruas e praças de Paris, de Londres e de Bogotá, até chegar na avenida Paulista no Brasil). A guerra de Putin contra a Ucrânia não é só contra a Ucrânia, para conquistar território e se apropriar de recursos naturais, e sim contra a ordem liberal vigente na Europa e nos Estados Unidos. E ela é travada em todo lugar, até na Assembleia Geral da ONU e no seu Conselho de Segurança.

As três dezenas de democracias liberais que restaram não vão conseguir passar incólumes por essa nova guerra mundial que já está em curso: ao que tudo indica haverá declínio de direitos políticos e liberdades civis até mesmo nesses países de democracia mais avançada ou plena (União Europeia sem Hungria, Reino Unido, Noruega e Suíça, EUA, Canadá, Barbados, Costa Rica, Chile e Uruguai, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Israel, Austrália e Nova Zelândia).

Não se sabe ainda o que acontecerá, mas já se pode apostar que não será bom para as democracias.

A ONU sem cláusula democrática não serve mais à democracia

Sabe-se que é difícil falar disso, mas está cada vez mais claro que a ONU se converteu em uma armadilha para as democracias liberais e plenas. A admissão de países sem critérios democráticos – não havia como ser de outro jeito após a segunda guerra mundial – conformou uma maioria avessa às democracias liberais e plenas na organização. As ditaduras e os regimes parasitados por populismos hoje são maioria em quase todas as instâncias da ONU, inclusive no Conselho de Segurança (na sua composição atual, o Conselho tem 6 ditaduras: Albânia, China, Gabão, Moçambique, Emirados Árabes Unidos e Rússia contra 5 democracias liberais: EUA, Reino Unido, França, Suiça e Japão). No Conselho de Direitos Humanos, suprema ironia, as ditaduras (que não respeitam direitos humanos em seus próprios países) perfazem 74% do colegiado.

Na segunda guerra fria em que vivemos essa ordem mundial herdada da segunda grande guerra, que logrou atravessar mais ou menos incólume a primeira guerra fria, praticamente acabou. Na raiz desse problema havia uma ilusão dos democratas de que a democracia se espalharia naturalmente pelo mundo, à medida que a adoção de uma economia de mercado, com a melhoria do bem-estar das populações, ensejasse o surgimento de uma classe média democrática. Isso não aconteceu, nem na China e não vai mais acontecer em lugar algum.

O fato é que se não fosse o poder de veto de EUA, França e Reino Unido, a coisa já teria ido para o beleléu. No limite, com um cessar-fogo imposto pela maioria pró-autocrática da ONU, a Ucrânia estaria condenada a ceder seu território para a Rússia, Israel seria condenado como genocida e sanções a esses países seriam aprovadas por descumprimento das decisões.

As democracias liberais e plenas hoje dependem, quase que exclusivamente, do poder de veto que três democracias liberais ainda têm no Conselho de Segurança. Se for adotada uma regra majoritarista (quem tiver mais votos leva), as democracias correm o risco de virar os grandes vilões do mundo na Organização das Nações Unidas.

Uma ONU não avessa à democracia deveria unir Estados democráticos de direito e não qualquer tipo de Estado. Até o Mercosul tem cláusula democrática. A ONU não tem. Isso significa igualar tiranias sangrentas às mais avançadas democracias. Um voto da Noruega é anulado por um da Síria. O voto da Finlândia é neutralizado pelo da Eritréia, do Reino Unido pelo do Iêmem, da Suíça pelo do Sudão.

Hoje a ONU espelha a ordem não-democrática do mundo engolfado por uma terceira grande onda de autocratização, com 89 autocracias contra apenas 32 democracias liberais (segundo o V-Dem 2023) e um número ainda não determinável (mas que pode chegar à dezenas) de regimes eleitorais parasitados por populismos com propensão crescente de entrar em transição autocratizante.

 Lula – um agente da segunda guerra fria ainda na vibe da primeira – quer adotar o majoritarismo em todas as instâncias da ONU (quem tiver mais votos leva) porque sabe que as autocracias e os regimes eleitorais parasitados por populismos são hoje maioria na organização. Sim, as democracias liberais e plenas são hoje minoritárias no mundo.

A continuar assim – e tudo indica que vai – dias piores virão.


Nota

Usamos aqui a classificação de regimes políticos baseada no V-Dem e modificada por Augusto de Franco conforme mostram os dois diagramas abaixo: