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Alexandre de Moraes e a politização da justiça

Em resposta a mais uma decisão resultante da hiperatividade jurídico-política do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que obrigou o senador Marcos do Val (Podemos-ES) a exercer as altas e dignas funções de representante do povo com uma tornozoleira eletrônica amarrada na perna, um bloco de senadores da oposição emitiu, com razão, uma nota de repúdio, esclarecendo o óbvio sobre a ordem do ministro: 

“…compromete o exercício pleno do mandato de um representante eleito, afetando não apenas sua atuação pessoal, mas também a autoridade do Senado como instituição democrática”. Esses mesmos senadores informam que o presidente do Senado será acionado para tomar a devida atitude em face aos “abusos de autoridade cometidos pelo Ministro”.

De fato, a ordem vexaminosa que atingiu o senador Marcos do Val alarga-se em outras restrições que embaraçam gravemente o exercício da atividade parlamentar. O grave incidente, porém, logo passou para segundo plano quando o mesmo Alexandre de Moraes decretou, monocraticamente, a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Independentemente da antipatia que se possa ter em relação aos indivíduos que têm sido alvo das arbitrárias decisões do ministro, é preciso admitir que Alexandre de Moraes alargou demasiadamente seu campo de atuação e tem exercido a “justiça” de forma personalista, vaidosa e extremamente politizada.

A tentativa de golpe de Estado – que teve como um de seus momentos a invasão e depredação das sedes dos Poderes da República, em 8 de janeiro de 2023, por bolsonaristas anônimos e “malucos” (definição do próprio Jair Bolsonaro) e que foi secretamente dirigida por bolsonaristas graúdos, a começar pelo próprio ex-presidente – foi abortada por uma vigorosa reação que, no âmbito do Judiciário, teve no ministro Alexandre de Moraes o ator mais importante.

A atuação do ministro do STF, no entanto, degradou-se e tornou-se dificilmente defensável após aplicação de penas desproporcionais a centenas de pessoas simples, muitas delas apenas ludibriadas e insufladas por aqueles que verdadeiramente mereciam alguma punição.

Por ter pichado com batom uma estátua, Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira, mãe de dois filhos, foi condenada a 14 anos de prisão; por ter jogado ao chão e danificado um relógio de valor histórico, o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira foi condenado a 17 anos de prisão; por ter sentado na cadeira ministerial de Alexandre de Moraes, o mecânico Fábio Alexandre de Oliveira foi condenado a 17 anos de prisão.

Aponto aqui a materialidade dos delitos, a devida individualização dos procedimentos denunciados. O voto de Moraes, acompanhado por outros ministros, estende, porém, o delito pessoal para delitos coletivos como “associação criminosa armada”, “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e “tentativa de golpe de Estado”, o que é insensato, covarde e injusto.

Apesar de abusivas, as referidas penas foram sendo confirmadas pelo plenário do STF e enaltecidas pela militância petista; algum ministro que ousou dissentir virou alvo imediato de escárnio da esquerda mais autoritária e liberticida.

Já está bastante claro, por essa e por outras atuações, que a disposição de Alexandre de Moraes é a do enfrentamento para além do que requer suas funções judicantes. 

Visivelmente, ele se mexe, fala e gesticula com intenção política. Seus votos e sentenças proferidos na vetusta Suprema Corte são agora vazados em tom de palanque: aos gritos e sem qualquer cuidado de compostura ou de diplomacia.

Aliás, as recentes e já referidas ações do magistrado parecem ter sido concebidas com o intuito de usá-las como estofo desses veementes discursos políticos. 

Sobre tais ações, declarou não sem razão a vereadora Janaína Paschoal que foram “desnecessárias, midiáticas e desproporcionais”, não ajudando em nada a resolver a crise internacional na qual nos meteram.

A crise internacional referida é o perigoso litígio Brasil X EUA, que precisa ser tratado com a maior cautela e prudência e não com ações irracionais e discursos incendiários.

Depois de anos ensaiando um poder despótico sob a justificativa de defender a democracia, Alexandre de Moraes se viu finalmente confrontado por um poder externo capaz de lhe impor algum limite.

O brasileiro comum, no entanto, não deveria tomar parte nessa contenda. Não há mocinhos em cena, só há bandidos. Ninguém com clareza moral está protagonizando, nesse momento, o jogo pesado e sujo da política.

Moraes, Trump, Bolsonaro e Lula estão sentados jogando pôquer. Há muitos interessados no jogo, porque é um jogo de altos interesses. Mas ninguém está jogando pelo bem, pela verdade ou pela justiça. Todos estão ali pelo prazer de jogar, pela ânsia de vencer, pelo frenesi do poder.

Você que torce, briga, se contorce e se desespera nas redes e nas ruas é só uma das muitas fichas empurradas para lá e para cá nas apostas graúdas desses grandes players.

Foto: Igo Estrela/Metrópoles.

Anistia sim; para Bolsonaro e para a “rataria”, não

Felipe Moura Brasil publicou, em O Antagonista, texto extenso e criterioso detalhando palavras e ações não republicanas de Jair Bolsonaro e seu entorno, elencadas desde julho de 2022 até o recente indiciamento pela Polícia Federal do ex-presidente e mais 36 envolvidos como suspeitos em uma tentativa de golpe de Estado.

O título do artigo – “Como Bolsonaro alimentou a ´Rataria´”– já indica ao leitor o nível rebaixado no qual os planejamentos do assalto ao poder transcorreram. “Rataria”, no caso, foi palavra usada por um dos participantes do plano para designar os aliados mais aloprados do então ainda presidente Bolsonaro: aqueles que estariam dispostos a agir fora do limite de inibições éticas.

Há quem continue negando os fatos ou minimizando sua gravidade. Se o caro leitor é um desses, sugiro consultar as quase 900 páginas do inquérito da PF que resultou no indiciamento ou ir direito à cronologia dos fatos resumida no artigo supracitado. Limito-me aqui a comentar o tema da Anistia aos condenados do 8 de janeiro.

PL da Anistia

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 5064/2023 que concede anistia aos acusados e condenados pela invasão das sedes dos três poderes da República em 8 de janeiro de 2023.

Esse PL tinha boas chances de ser aprovado até quando sobrevieram, seguidamente, a tragédia do bolsonarista suicida que atacou o Supremo Tribunal Federal e o inquérito em tela. Agora, sua aprovação tornou-se improvável; e muitos já dão a antes possível Anistia como morta e enterrada.

Mas a anistia me parece justa, desde que haja o cuidado de afastar o claro objetivo de anistiar os condenados pela sublevação de 8 de janeiro do insinuado propósito de fazer subir nesse PL um “jabuti” para recuperar a elegibilidade de Bolsonaro e/ou salvá-lo antecipadamente de possíveis futuras condenações em face dos vários inquéritos policiais de que é objeto; medida que poderia se estender aos 36 outros envolvidos no inquérito do momento.

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro deve ser considerada à parte. O ex-presidente foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter – quando no cargo de Presidente da República – reunido embaixadores para desabonar a Justiça Eleitoral brasileira contando mentiras (pelo menos, ele jamais juntou às graves acusações que fez nenhum fiapo de prova). Portanto, esses fatos não estão vinculados aos episódios de 8 de janeiro e não tem cabimento apelar para que sejam tratados no PL da Anistia.

Os condenados do 8 de janeiro de 2023 e a rataria

Embora haja vínculos entre a invasão dos três poderes em 8 de janeiro de 2023 e o suposto planejamento de golpe de Estado transcorrido entre novembro e dezembro de 2022, eles não são a mesma coisa; e mais: condenação é uma coisa e inquérito é outra.

Quem é condenado está cumprindo pena ou foragido. Quem é alvo de inquérito – salvo decretação de prisão preventiva – permanece em liberdade com largo tempo pela frente para poder se defender. A defesa de Bolsonaro e dos outros 36 envolvidos tem a oportunidade de tentar provar que são inocentes sem necessidade de pleitear qualquer anistia.

Em relação aos “peixes pequenos” já condenados pela baderna de 8 de janeiro há uma flagrante injustiça na forma de exorbitância das penas: condenações de até 17 anos de reclusão para pessoas que vandalizaram os ambientes dos poderes, quebraram vidraças, surrupiaram lá uns objetos, sentaram nas cadeiras de autoridades, escreveram desaforos em estátuas com batons…

Sem dúvida, são ações reprováveis e merecedoras de punição; jamais, porém, num exagero de dosimetria de pena que revela mais o desejo de vindita do que o cumprimento sensato e equilibrado daquilo que a Lei e a Justiça ordenam.

Qual seria a dosimetria justa nesses casos? Não sei, mas o bom senso diz que os condenados já pagaram o suficiente; daí a urgência da viabilização do PL da anistia.

A injustiça contra os condenados do 8 de janeiro tornou-se ainda mais patente com as revelações do inquérito da “rataria”.

Os referidos condenados – na maior parte gente humilde e anônima – foram instrumentalizados: usados como massa de manobra por gente poderosa que segue livre. Se agora essa gente – ou parte dela – encontra-se num certo aperto por causa do inquérito da PF, que não busque escapar prejudicando aqueles que já foram tão prejudicados por suas inescrupulosas manipulações; que não tente a “rataria” pegar carona na anistia alheia.