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Maduro não precisa mais de Lula

Não existe vácuo de poder, tampouco espaço de influência deixado em branco na geopolítica. As escolhas do Brasil no curso do malfadado processo eleitoral venezuelano impuseram um alto preço para nossa diplomacia. É possível dizer que o país perdeu influência na medida e quem adotou uma postura pusilânime diante das reiteradas e sistemáticas violações aos direitos humanos praticados pelo regime bolivariano de Nicolas Maduro.

O governo petista, por meio do Acordo de Barbados, tornou-se fiador da eleição. Diante da usurpação criminosa dos resultados, ao invés de Lula endurecer o discurso e mudar de ação, em linha com as demais democracias ocidentais, preferiu permanecer na retórica improdutiva de cobrar a divulgação de atas, mas sem articular qualquer pressão minimamente efetiva. Deu a Maduro o que mais precisava: tempo para se impor pelas armas. E ele o aproveitou, principalmente para perseguir seus opositores e fechar o cerco das liberdades públicas usando como alicerce as Forças Armadas.

Edmundo Gonzales, que unificou a oposição venezuelana, teve de se evadir. E só conseguiu fazê-lo mediante a coação. O reconhecimento da “vitória de Maduro foi condição para que pudesse deixar o país. Foi para o exílio, embarcando num avião do governo espanhol. A cena, típica de ditaduras, foi seguida de reações tímidas do governo brasileiro, que assistiu tudo inerte e incapaz de fazer qualquer gesto de apoio aos perseguidos políticos presos aos milhares. Ao contrário. Ignorando a perseguição aos líderes e militantes oposicionistas, o governo Lula preferiu dar a sugestão indecorosa de se realizar uma nova eleição, ainda que a anterior tenha sido fraudada.

No lugar do Brasil, que ficou preso na inação do governo petista, quem se fortaleceu foram duas potências geograficamente distantes mas crescentemente influentes no âmbito econômico e militar: China e Rússia. Segundo reportagem da BBC com informações do centro de estudos Diálogo Interamericanos, o regime chinês emprestou para a Venezuela cerca US$ 59 bilhões, cifra superior a qualquer outro país da região. Ainda segundo o portal, em 28 de junho, antes da eleição o ditador Xi Jinping declarou que a China e a Venezuela “apoiam-se mutuamente no panorama internacional”.

Além dos recursos provenientes de Pequim, a Venezuela vem num longo processo de militarização e de aquisição de armamentos. O principal fornecedor é a Rússia. Segundo a BBC, a maior parte das compras se deu entre 2005 e 2013, quando o investimento bélico ficou em cerca de US$ 11 bilhões. A capacidade militar do país se traduziu não apenas no fortalecimento das Forças Armadas oficiais mas também das milícias bolivarianas. Com sua capacidade militar ampliada, Maduro chegou a ameaçar o continente com uma guerra ao falar em tomar o território da Guiana.

Na estratégia russo-chinesa de oposição ao ocidente democrático, a Venezuela se tornou um instrumento importante de desestabilização regional numa área de influência geopolítica que deveria ser protagonizada diretamente pelo Brasil e, num espectro mais amplo, pelos Estados Unidos. Maduro tem lastro internacional e não está sozinho. Por isso se sente confiante não apenas em prender e perseguir seus adversários, mas também em escarnecer até seus antigos aliados.. Quem precisa do sorriso de Lula com o dinheiro de Xi Jinping e o arsenal de Vladimir Putin?

Lula vai romper com Maduro ou ser cúmplice de uma carnificina?

A fraude na eleição de domingo passado, 28 de julho, na Venezuela não foi nenhuma surpresa, mas apenas a conclusão de um projeto criminoso que vinha transcorrendo a olhos vistos: olhares espantados, ingênuos ou cúmplices.

Meu olhar esteve sempre com os espantados; incluindo o espanto com a ingenuidade de democratas que insistiam em confiar nos bons propósitos do ditador candidato, mesmo diante de fraudes e violências escancaradas.

O presidente Lula e o PT não estão entre os ingênuos, são cúmplices.

O Brasil foi um dos fiadores do Acordo de Barbados, pactuado em outubro de 2023 entre o governo Maduro e grupos de oposição da Venezuela, que abriu caminho para a eleição presidencial de 2024.

Tratava-se de um acordo de boas intenções eleitorais. Uma das partes sendo um tirano – embora de uma tirania enfraquecida –, imponha-se muita cautela, mas também cabia alguma esperança e, de modo geral, achou-se que valia a pena tentar.

Rapidamente, porém, Maduro começou a exacerbar em seus métodos escusos: fraude após fraude, violência após violência, o ditador tentou acabar com as chances da oposição muito antes do pleito. Essa oposição, liderada pela corajosa María Corina Machado, resistiu. E resistiu, mesmo prevendo a monumental fraude em que se iria concluir o processo eleitoral, afinal, esta era a forma de luta política que lhe estava posta.

Agora, estando já escancarada a fraude, tornada oficial pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), essa luta política prossegue, com desdobramentos já assustadores e ainda mais imprevisíveis.

Cinismo e cumplicidade de Celso Amorim

Neste momento gravíssimo do povo venezuelano, tanto o governo brasileiro quanto o partido do presidente Lula assumem atitudes de cinismo e se prestam ao papel sujo de validação do projeto criminoso do ditador Maduro.

O governo brasileiro, diga-se, depois que Maduro ameaçou o povo venezuelano com um “banho de sangue”, passou a expressar sua cumplicidade bolivariana com alguma manha diplomática, como que se acautelando.

No domingo eleitoral, já no avançado das votações, falando de Caracas, o enviado de Lula, assessor especial Celso Amorim, saiu-se com uma fala enviesada da qual destaco os trechos seguintes:

“Estou acompanhando de perto o processo eleitoral venezuelano. Ainda há mesas de votação abertas. É motivo de satisfação que a jornada tenha transcorrido com tranquilidade, sem incidentes de monta;

“O presidente Lula vem sendo informado ao longo do dia. Vamos aguardar os resultados finais e esperamos que sejam respeitados por todos os candidatos”.

Antes do fim do dia, tiros disparados contra eleitores mataram uma pessoa na cidade de Guásimos, do estado de Táchira. Um dia depois já eram registradas mais de 10 mortes pela ação da repressão policial e de milícias chavistas.

Nesta terça-feira, 30, o Procurador Geral da Venezuela, Tarek William Saab, anunciou a prisão de 749 oposicionistas em protestos, acrescentando que foram presos por “terrorismo”.

Esse mesmo Saab prepara a prisão de María Corina, tendo acusado ela e mais dois líderes opositores – Leopoldo López e Lester Toledo – de serem responsáveis pelo “ataque ao sistema de transmissão do Conselho Nacional Eleitoral (CNE)”.

Sobre tais atrocidades não se tem notícia de qualquer manifestação do “tranquilo” Celso Amorim. Nem de Lula, que, segundo Amorim, está sendo informado sobre tudo.

A cumplicidade do PT

Se a cumplicidade do governo Lula se expressa com alguma cautela, a cumplicidade do PT revela-se ansiosa e apressada. Em nota, o PT diz que a escandalosa fraude do ditador venezuelano foi uma “jornada pacífica, democrática e soberana”; e destila lá outras tantas despudoradas sabujices.

No plano internacional, a fraude de Maduro teve apoio de ditaduras: Nicarágua, Cuba, China, Rússia, além da terrível teocracia iraniana e mais alguns regimes autoritários.

Quanto aos países democráticos, a maioria já denuncia a fraude; enquanto alguns permanecem na cautela da desconfiança e exigem transparência. O mesmo acontece com organismos multilaterais, como a ONU.

A OEA, por sua vez, avançou em uma condenação duríssima; bastando que se destaque o seguinte trecho:

“Ao longo de todo este processo eleitoral assistimos à aplicação, por parte do regime venezuelano, do seu esquema repressivo complementado por ações destinadas a distorcer completamente o resultado eleitoral, colocando esse resultado à disposição das mais aberrantes manipulações”.

Tensão nas ruas

No momento em que concluo este artigo, início da noite de terça-feira, 30 de julho, a situação na Venezuela é tensa, grave, quase explosiva.

Há manifestações chamadas tanto pela oposição quanto pelo regime ditatorial de Maduro. A oposição pediu manifestação pacífica, mas a repressão policial e as milícias chavistas irão armadas até os dentes.

Não se deve esquecer que Maduro prometeu um “banho de sangue”. Se há algo que talvez possa coibir a intenção sanguinária do tirano será a mais forte pressão internacional para que seja feita uma transição de regime e o poder seja entregue para o presidente verdadeiramente escolhido pelos venezuelanos: Edmundo González Urrutia.

O governo brasileiro não pode mais permanecer em acovardada cautela; tem de se decidir pela firme condenação do ditador aliado ou pela definitiva cumplicidade com a carnificina.