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Bolsonarismo não é conservadorismo. É estorvo para o Brasil

A direita brasileira tem um relacionamento tóxico com o bolsonarismo. Nem sempre é fácil perceber que se está em um relacionamento desse tipo, mas reconhecer os padrões é o primeiro passo para impor limites e, quem sabe, fechar um ciclo e se abrir para relacionamentos mais saudáveis.

Uma das características do relacionamento tóxico é o controle excessivo. “Não existe direita sem Bolsonaro”, diz a parte abusiva, querendo impor sua autoridade e hegemonia, além de ditar quem são os amigos e quem são os inimigos a serem combatidos.

Nos relacionamentos abusivos tampouco a vítima percebe o quanto seus projetos são desprezados pelo seu carrasco, que só reconhece como legítimas suas próprias aspirações. O abuso, em tal relacionamento, é deliberado, sistemático e tem como objetivo o controle e o poder sobre o outro.

Desde 2019, Bolsonaro, seus filhos e seu séquito se impõem sobre uma direita passiva, subserviente, incapaz de confrontar esse agrupamento político que vem arruinando o país ao retroalimentar com seu radicalismo e sua estupidez a popularidade e o poder do outro espectro político que dizem combater.

A bem da verdade, muitos políticos de direita, inclusive aqueles que têm ambição presidencial, desejam intimamente que Jair seja preso, Eduardo fique morando com o Michey, Michelle volte para seus cultos e salões, Flávio se recolha à sua mansão milionária antecipadamente quitada, Carlos permaneça longe das redes sociais…torcem, enfim, pelo expurgo de toda a família Bolsonaro da vida pública, mas não dizem isso por um misto de covardia e autointeresse. 

É que eles esperam herdar o espólio eleitoral do bolsonarismo e, com esse intuito, não cumprem com a obrigação moral de condená-lo publicamente e, assim, tentar recuperar um mínimo de dignidade para a direita brasileira.

Com qualquer pessoa minimamente conhecedora das ideias políticas será capaz de constatar, as práticas bolsonaristas dificilmente poderiam ser encaixadas no que seriamente se entende por conservadorismo político.

Pouco importa o número de edições do CPAC (Conservative Political Action Conference) que Eduardo Bolsonaro conseguiu organizar no Brasil; importa analisar se as atitudes dos que se autoproclamam conservadores são, de fato, compatíveis com os princípios do conservadorismo.

De saída, já nos deparamos com um problema: estamos em busca dos princípios conservadores, mas, ao analisar as ações da família Bolsonaro, constatamos que se trata de uma família que carece de princípios.

Agir por princípio significa orientar as próprias ações com base em normas ou valores considerados fundamentais, universais ou racionais, independentemente das consequências imediatas ou das conveniências pessoais. Trata-se de um compromisso com o que se considera certo em si mesmo, não apenas útil ou vantajoso.

Dito isso, fazer conchavo com ministro da alta corte para blindar o filho que fez “rachadinha” não é agir por princípio. Aliás, fazer “rachadinha” não é agir por princípio. Tentar interferir na Polícia Federal (PF) a fim de obstruir operações que envolvem aliados e filhos não é agir por princípio. Sabotar a CPI da Lava Toga, ou seja, inviabilizar a possibilidade legal de frear os abusos autoritários do STF por interesse pessoal e depois incentivar a turba contra essa mesma instituição não é agir por princípio.

São tantos os exemplos da falta de princípio nas ações do clã Bolsonaro que seria fastidioso para o estimado leitor se eu continuasse a elencá-los. Retornemos, pois, para a questão da incompatibilidade entre bolsonarismo e conservadorismo.

Phrónēsis (φρόνησις), prudência, discernimento, a sabedoria prática enaltecida por Aristóteles é princípio basilar do conservadorismo, o que leva a um instintivo repúdio a falas e ações que almejem a convulsão social.

Que dizer, pois, de um autointitulado “conservador” que sai da sua pátria para conspirar incansavelmente com uma potência estrangeira até conseguir que esta imponha contra o seu país taxação exorbitante e injusta e que, após consumada a traição, repercute o seu feito com as seguintes frases:

“Às vezes é necessário tacar fogo na floresta inteira”; “Várias famílias vão chorar, vai haver sofrimento”; “Se houver cenário de terra arrasada, pelo menos eu estarei vingado”; “Vai vir mais sacrifício”; “Eu sou o cara do Lula Livre na direita”.

Interessante que uma expressão parecida com a “terra arrasada” – que Eduardo Bolsonaro antevê como consequência da sua vingança – aparece no livro “o mínimo sobre conservadorismo”, de Bruno Garschagen. Veja o que escreve ali o referido cientista político: 

Quando a terra está devastada, os homens sensatos usarão aquilo que têm de melhor para reconstruí-la. Não podem agir, portanto, como arautos da salvação revolucionária porque assim serão parte da degradação em curso.

Ou seja, os homens sensatos (segundo Garschagen,os conservadores) não são nem aqueles que, como Eduardo, contribuem para arrasar ou devastar a terra, tampouco aqueles que se apresentam como salvadores no cenário de destruição, mas são aqueles que dão o melhor de si para reconstruir o que os irresponsáveis destruíram.

Infelizmente a falta de cultura é tão grande em nosso país que radicais são aceitos como legítimos defensores de uma vertente política que sequer compreendem e, assim, o bolsonarismo vai se passando como se conservadorismo fosse.

Não nos custa nada, porém, chamar atenção para o equívoco e alertar a direita que ainda tem algum juízo da necessidade premente de se afastar de vez desse sectarismo nefasto.

Em honra do verdadeiro conservadorismo, deixo o arremate do texto para quem entende do assunto e concluo o artigo citando novamente Garschagen:

Um ambiente caótico, instável, desequilibrado é anticonservador e só favorece aqueles que se alimentam e crescem com a desordem. Um conservador, quando entra na luta política, deve agir com inteligência, estratégia, destemor e eficiência, não com bravatas inócuas, indignação seletiva, brigas permanentes e lacração ´à direita´.

Assim, quando a sandice é a norma, o conservador deve agir com lucidez; quando a irracionalidade é a regra, o conservador deve agir com racionalidade; quando a paixão política é o padrão, o conservador deve agir com ceticismo; quando a destruição é o hábito, o conservador deve agir como construtor, mesmo que tudo ao seu redor seja instabilidade, crise, desolação. É dever do conservador construir a ordem e vencer a desordem”.

Direita bolsotrumpista contra o Brasil e esquerda lulista contra o Ocidente

As relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos datam do início do século XIX, mais precisamente de 1824, quando os EUA se tornaram o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, proclamada em 1822. Esse gesto foi importante e simbólico, marcando o início de uma longa relação bilateral.

De lá pra cá, com alguns percalços, os dois países seguiram por uma via de entendimento, mantendo relações cordiais e cooperativas de “amizade pragmática” ou “pragmatismo responsável.”

Pode-se afirmar que os Estados Unidos têm sido, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um dos parceiros mais importantes para o Brasil, especialmente nas áreas de segurança, investimento e cooperação estratégica – ainda que essa primazia tenha sido relativizada nas últimas décadas com a ascensão de novos parceiros, principalmente a China.

A parceria Brasil-EUA, construída ao longo de décadas, com base em interesses estratégicos, afinidades políticas e cooperação econômica, sofreu um desgaste acelerado em poucas semanas, devido às atitudes desastradas de líderes políticos de ambos os lados.

Demolir é sempre mais fácil do que edificar. Gestos imprudentes, declarações hostis e falta de senso diplomático têm corroído, em ritmo preocupante, uma longa e relevante relação bilateral.

A afrontosa investida de Trump contra o Brasil – com a tarifa de 50% sobre nossos produtos, a intromissão em questões da Justiça brasileira e a revogação de visto de vários ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – foi levada a cabo sob a justificativa de proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro, denunciado pela PGR e investigado pela Polícia Federal (PF).

Essa justificativa ideológica teve o condão de animar, no Brasil, a massa “bolsotrumpista”, comandada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que vem esticando a corda e trabalhando fervorosamente por um cenário de terra arrasada no seu país, do qual fugiu.

Apesar de Eduardo Bolsonaro se vangloriar de ter induzido Trump a tão contraproducente atitude, essa clara traição da Pátria não foi bem acolhida pela totalidade dos bolsonaristas.

Há entre eles mesmos uma percepção de que o tiro saiu pela culatra. Trump foi ao ponto de ameaçar o Pix e o comércio da Rua 25 de Março, duas paixões dos brasileiros; uma maluquice que claramente pode resultar em menos votos de patriotas para o time dos bolsonaros, em 2026.

Ruim para o bolsonarismo, bom para o lulopetismo. O governo Lula vinha mal e o presidente vinha com inclinação constantemente negativa nas pesquisas de opinião. O governo continua mal, porém, com a inesperada contribuição da estupidez bolsotrumpista, a popularidade do presidente melhorou.

Lula está se sentindo à vontade para radicalizar o mofado discurso “anti-imperialista” contra os EUA. 

Pouco importa os impactos da persistência nesse confronto desigual: o importante é capitalizar demagogicamente a questão. Cego aos interesses do povo brasileiro que diz defender, Lula mira tão somente a eleição, em outubro de 2026.

Em artigo anterior, escrevi que Jair Bolsonaro era apenas pretexto para os ataques de Trump ao Brasil, sendo a atuação de Lula no Brics o motivo de fundo.

No Brics, Lula fala muito, mas manda pouco; mesmo assim, açulado pelo seu séquito de fanáticos, vislumbra ser alçado a uma liderança compartilhada com Xi Jinping e Putin.

Do ponto de vista da democracia – construção civilizatória de origem ocidental, espalhada beneficamente por outros continentes – o Brics não é coisa boa. 

Para o Brasil, o clube dos autocratas antiocidentais prestou até agora apenas o desserviço de ensejar um confronto com o importante aliado de 200 anos.

Em editorial intitulado “Brasil paga a conta da imprudência de Lula”, o jornal O Estadão defendeu que o Brasil abandone o Brics; tendo, dentre outros severos alertas, afirmado o seguinte: “Sairá cara a decisão de Lula de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump”.

Lula está disposto a pagar o preço. Ou melhor, fazer o Brasil pagar. Sua decisão está tomada e ele há tempos atua como um agente das principais forças antiocidentais, antidemocráticas e anticivilizatórias da atualidade, a saber, Rússia, China e Irã. 

Em reunião no Chile, com mais quatro presidentes de esquerda, Lula afirmou que “A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas”.

Feito o diagnóstico, ele insistiu na necessidade de “regulamentação das plataformas digitais”, “combate à desinformação” e uma governança digital global”. Isso, claro, para garantir a defesa daquilo que ele entende por democracia.

Ocorre que a mais perigosa ofensiva antidemocrática em curso no mundo hoje é a ofensiva militar e ideológica contra o Ocidente que, além das ações bélicas efetivas da Rússia na Ucrânia, contam com o apoio do palavrório pérfido e malicioso do presidente brasileiro.