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Guinada Conservadora

É um lugar comum acreditar que eleições municipais são um termômetro para a disputa presidencial. Costumo me descolar desta posição, uma vez que os grandes vencedores de pleitos municipais (assim como seus padrinhos) raramente conseguem relevância no pleito nacional subsequente. Vimos isso em 2012, 2016, 2020 e tudo leva a crer que o cenário deve se repetir em 2024.

Considerando os resultados que emergiram das urnas municipais, entretanto, surge um indício claro de como será o próximo Congresso Nacional a partir de 2027. Isso se explica porque prefeitos e deputados federais vivem uma relação de simbiose completa diante dos mecanismos de funcionamento do sistema político. Deputados precisam dos votos dos prefeitos na mesma medida que estes precisam de suas emendas e nesta dinâmica, a mágica acontece.

Isto se torna ainda mais real diante do protagonismo assumido pelo Congresso Nacional em tempos recentes, tomando o controle do orçamento, seja com emendas de relator, impositivas, secretas ou de qualquer ordem. Ao mudar as regras de efetivação das emendas, o parlamento passou a depender infinitamente menos do governo do que no passado. Se tempos atrás, os parlamentares viviam do acesso e bom relacionamento com os ministérios, hoje a lógica se inverteu. Deputados e Senadores são os senhores de milhões de reais de emendas que dependem exclusivamente de sua decisão.

Nesta nova correlação de forças, as emendas alimentam prefeitos, que em troca canalizam votos para os deputados. Um mecanismo que passa ao largo do governo federal e tem capacidade de reconduzir indefinidamente muitos parlamentares por diversas legislaturas, reelegendo grupos políticos em seus currais eleitorais no comando das prefeituras, a exemplo de como sempre funcionou a chamada “velha política”. O resultado impactou nas urnas: em 2022 vimos uma das menores taxas de renovação da história do parlamento.

Isto significa que os resultados das eleições municipais ainda não respondem quem possui chances de chegar ao Planalto em 2026, porém, fornecem sinais claros sobre que tipo de parlamento que teremos no próximo ciclo. Estaremos diante de um Congresso Nacional de mesmo corte político dos prefeitos eleitos, ou seja, de centro, com perfil ideológico de inclinação à direita.

Este movimento explica o fato de a esquerda, que controla a máquina federal, vencer em apenas uma capital, Fortaleza, e ainda de forma apertada. Em todas as outras onde foi para o segundo turno, foi derrotada. Foram revezes em Cuiabá, Porto Alegre, Natal, Aracaju e São Paulo e ainda em muitas cidades médias. Há um claro descolamento do discurso da esquerda da realidade vivida pelo eleitor, um modelo que não soube se modernizar e perdeu conexão com a população.

Estamos diante da evolução de um quadro que começou a ser desenhado com as manifestações de 2013, passou pela Lava Jato, impeachment e a eleição de Bolsonaro. As eleições municipais de 2024 foram mais um episódio deste processo que tem potencial para inverter o estado atual da realidade de poder em 2026.

Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado.

Freios e Contrapesos

Não se enganem, o embate entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (com Planalto na retaguarda) pelo domínio do orçamento é uma batalha pelo controle político do país. Estão em jogo os mecanismos do presidencialismo de coalizão e inclusive uma mudança mais profunda, sobre a introdução formal do semipresidencialismo no país. Aquele que conseguir vencer este conflito terá em suas mãos os instrumentos de poder para controlar a agenda de qualquer governo.

Na última década, o Congresso Nacional avançou de forma consistente no controle do orçamento federal, primeiramente sob o comando de Eduardo Cunha, com a aprovação das emendas impositivas, em um primeiro movimento que fortaleceu muito os parlamentares. Aos poucos, outros capítulos foram adicionados nesta história, como orçamento secreto, as chamadas RP9, e as emendas PIX.

O resultado deste acúmulo de poder nas mãos do Congresso Nacional abriu caminho para a manutenção do mandato dos parlamentares, com uma das mais baixas taxas de renovação na política, na mesma medida que os tornou independentes do Planalto. Um caminho iniciado por Cunha e concluído por Arthur Lira, que ocupou o espaço aberto pelos vazios de poder gentilmente fornecidos por Bolsonaro durante seu mandato.

As novas regras transformaram a Presidência da República em terreno desconhecido para Lula, mudando a dinâmica de governança do país. O Planalto agora estava sem o poder da liberação de emendas em troca de apoio, instrumento essencial para o exercício de poder dentro do presidencialismo de coalizão. Sem estes mecanismos, o palácio havia se tornado mero instrumento decorativo da arquitetura de Niemeyer na capital.

Entretanto, a chegada de Flávio Dino ao STF começou a reposicionar o jogo político. O novo Ministro determinou regras rígidas para execução e distribuição de recursos do orçamento, como transparência para emendas de relator e limitação de remessa de emendas PIX. Em ato contínuo, resolveu pela suspensão das emendas parlamentares até que o parlamento formule regras que forneçam transparência e rastreabilidade. Com a decisão, Dino recolocou o Planalto de volta no jogo e provocou a ira dos cardeais legislativos.

A reação do Congresso foi imediata. A Comissão Mista de Orçamento rejeitou Medida Provisória que distribuía R$ 1,3 bilhão ao Judiciário e Lira desengavetou projeto que limita decisões monocráticas do STF. Além disso, nos corredores da Câmara, o tema do semipresidencialismo voltou à tona. Tudo isso, enquanto Alexandre de Moraes resiste aos vazamentos de seu gabinete no caso batizado na capital de “Vaza Toga”.

Esta dinâmica descortina a real luta pelo poder em Brasília, ao mesmo tempo que alimenta o jogo de traições na sucessão do comando das Casas do Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados. Com a decisão de Dino, Lula entra com muito mais poder na batalha pela sucessão de Lira, buscando evitar que o alagoano escolha o vencedor e siga dando as cartas na República. Uma batalha que envolve freios e contrapesos entre os poderes e pode desenhar um novo equilíbrio de forças na República. A conferir.