Perguntei em meados de dezembro no X (ex-Twitter). Quantos militares palestinos morreram até agora em Gaza?
Não houve resposta. O Hamas não informa, logo a ONU não repete a informação para validá-la e a imprensa internacional não divulga.
Por quê? Porque não há militares em Gaza. Todos são civis. Se morreu em Gaza e não é soldado de Israel, então é civil.
Há três tipos de civis em Gaza:
🔎 Civis combatentes do Hamas.
🔎 Civis não-combatentes que são militantes ou simpatizantes do Hamas.
🔎 Civis não-combatentes que não são militantes ou simpatizantes do Hamas.
A população de Gaza é estimada em 2,4 milhões de habitantes. Segundo dados fornecidos unicamente pelo Hamas foram mortos até agora 20 mil civis. Isso corresponde a 0,8% da população. Extrapolando linearmente, se a guerra durar mais 2 meses, serão 40 mil mortos (1,6%). Bem… o número máximo estimado de militantes do Hamas corresponde a 1,6% da população.
Mas – seja qual for o número verdadeiro de mortos – não se sabe qual é a porcentagem de cada um dos três tipos de civis que morreram.
Sabe-se, entretanto, que as proporções de crianças e mulheres mortas é informação fraudulenta do Hamas: são números falsamente majorados para dizer que Israel está cometendo um genocídio em Gaza.
Há uma discussão sobre o número total de mortos em Gaza por Israel. Um depoimento pessoal de um amigo que mora em Israel, o Fernando Lasman, esclarece a questão:
Acredito que o número total de mortos pode ser crível, mas a leitura da opinião pública é feita presumindo-se tendenciosamente uma maioria desproporcional (que nós aqui sabemos) de crianças e mulheres vitimadas, e essa leitura tem aumentado a pressão e o isolamento de Israel ante seus aliados, que reagem pelas vidas dos inocentes vitimados, que seriam em sua maioria apenas civis.
O problema é a distribuição das vítimas e a leitura internacional da ação de Israel, não exatamente o número total, que talvez seja ainda conservador.
Israel está sendo encarado como genocida, quando claramente a ação em Gaza tem menos vítimas que outros conflitos em outros momentos e locais em que houve perdas maiores de civis.
Essa sensação de que Israel está ultrapassando limites humanitários, propositadamente ou não, vem em parte da guerra de propaganda que ela de fato está perdendo, e que causa objetivamente seu isolamento e enfraquecimento político.
Creio eu que esse era o objetivo final, e ele está sendo atingido.
Um governo não-democrático em um regime democrático
Dizer tudo isso (que foi dito acima) não é defender o atual governo de Israel, comandado pelo populista-autoritário Netanyahu – que é um adversário da democracia. Mas apesar do seu governo atual, o regime político de Israel é uma democracia liberal – a única do Oriente Médio, uma ilha cercada por quatorze autocracias (sem contar Gaza e Cisjordânia).
Um governo democrático em Israel deveria fazer tudo diferente do que fez o governo Bibi. Não declararia guerra ao Hamas, não reconheceria o governo de Gaza como um Estado ou proto-Estado (um player legítimo da ordem internacional), faria uma operação de caráter policial, usando recursos militares, para capturar os terroristas (e, só quando houvesse resistência armada, matá-los) e libertar os reféns. Parece a mesma coisa, mas como estratégia não é. Nem na prática, pois uma vez declarada a guerra (que é um campo de realismo, não de política orientada por princípios éticos), não tem volta.
Na guerra, em qualquer guerra, morrem civis inocentes. Só para dar um exemplo de país contíguo (a Síria): o ditador al-Assad, de 2011 para cá, matou milhares de civis sírios. Não, não foram 20 mil, nem 200 mil e sim 400 mil.
Não existe guerra humanitária
À luz da democracia, a primeira (e única) “lei da guerra” deveria ser: está expressamente proibido fazer guerra! Democracia é um modo não guerreiro de regulação de conflitos: não é guerra e sim evitar a guerra. Portanto, quando uma guerra se instala, a democracia já perdeu.
Ah!… Mas isso – de um ponto de vista realista – é impossível. Certo. Então pelas mesmas razões de realpolitik é impossível exigir de um contendor em guerra que obedeça leis de proporcionalidade no uso da própria força em relação à força empregada por seu(s) inimigos(s), moderação no emprego de seus meios bélicos ou faça uma guerra humanitária. Seria como exigir que ele, para obedecer “leis da guerra”, abrisse mão de suas vantagens competitivas para ganhar a guerra, correndo o risco de ser derrotado. Qualquer Estado, diante da possibilidade de ser aniquilado, recorrerá a todos os meios a seu alcance para sobreviver.
Nada disso, porém, significa que a crueldade, o genocídio, o terrorismo, não devam ser condenados, assim como todas as demais violações das Convenções de Genebra (1864, 1906, 1929 e 1949) e de seus protocolos adicionais (1977, 2005). Mas as violações dessas convenções só podem ser punidas ex post pelos tribunais internacionais (TIJ, TPI) aos países que reconhecem esses organismos (e muitos não reconhecem).
Por outro lado, sanções econômicas aos países que descumprem essas “leis” não podem funcionar se parte do mundo sabota tais sanções (um exemplo atual são as sanções ao ditador Putin, que não são acatadas pela China, pelo Irã e por vários outros países, inclusive o Brasil).
O único modo de não ter violações de direitos humanos é não ter guerra. É preciso parar de papo furado. Não há guerra humanitária.
Havendo guerra, com Netanyahu ou sem Netanyahu, haveria civis mortos. A menos que Israel tomasse a decisão irrealista de:
Não bombardear alvos em Gaza, pois que civis inocentes podem ser atingidos.
Não entrar com tropas armadas no território de Gaza, pois que civis inocentes podem ser confundidos com os jihadistas e mortos ou feridos. As Forças de Defesa de Israel poderiam, no máximo, portar cassetetes, spray de pimenta, armas de choque e munição não-letal.
Cessar fogo imediatamente e explicar para a população que, infelizmente, não se pode fazer nada, pois civis inocentes podem ser mortos ou feridos.
Fazer um apelo ao Hamas para que devolva os reféns com vida e em boas condições de saude.
Fazer um apelo ao Hamas para que não lance mais mísseis em Israel e prometa que não tornará a invadir o território do país.
Ora, isso significaria, objetivamente, dar a vitória ao Hamas, deixando a população israelense vulnerável a novos ataques terroristas. É inaceitável por qualquer governo (e por qualquer sociedade).
Gedankenexperiment
Façamos aqui uma “Gedankenexperiment”. (Segundo a IA do Google, o termo “Gedankenexperiment” é alemão e significa “experimento mental”. É um termo usado pelo físico Albert Einstein para descrever a sua abordagem única de usar experiências conceptuais em vez de experiências reais. Os experimentos mentais são narrativas que convidam o leitor a imaginar e avaliar uma situação hipotética. São utilizados na investigação filosófica para elucidar determinada concepção ou, até mesmo, para apoiar ou refutar alguma teoria. Os experimentos mentais são raciocínios lógicos (subjuntivos) sobre um experimento não realizável na prática). Então, vamos lá:
Se Israel parar os bombardeios em Gaza e retirar as suas tropas da Faixa.
Se Israel – como é o correto a ser feito – retirar todos os seus assentados na Cisjordânia (assim como já fez em Gaza).
Se Israel se retirar completamente da Cisjordânia não deixando mais nenhum civil, militar ou policial israelense naquele território.
Se Israel soltar todos os prisioneiros do Hamas, da Jihad Islâmica, da PFLP, do Hezbollah e de outros grupos que cometeram (ou apoiaram) atentados terroristas contra israelenses.
Se Israel reconhecer todos os grupos terroristas do jihadismo ofensivo islâmico como players válidos, com direito a montar seu próprio governo em Gaza e na Cisjordânia.
Se Israel pagar um aluguel anual aos palestinos e acertar os atrasados dos últimos 75 anos com multa, indenizando os palestinos (ou os seus descendentes) pelas perdas que alegam que sofreram.
Se Israel remover o governo populista-autoritário de Netanyahu, colocando em seu lugar um governo democrático-liberal.
O que aconteceria?
Seria possível construir um Estado de direito palestino na região, que reconhecesse a existência legítima do Estado de Israel?
Os israelenses poderiam viver em segurança em Israel pois não haveria mais atentados no país?
Os judeus do mundo inteiro poderiam viver tranquilos pois cessaria todo antissemitismo?
Haveria, afinal, paz na região?
Ou nada disso seria suficiente se Israel não se dissolvesse como Estado e os judeus se retirassem da região, dispersando-se mais uma vez pelo mundo? Pois este é o significado do lema: “From the river to the sea, Palestine will be free”.
O que é possível e impossível na relação Israel-Palestina
Pesquisa do Palestinian Center for Policy and Survey Research (PSR), Public Opinion Poll 90 (22/11 a 02/12 de 2023) revela que somente 7% dos entrevistados defendem o estabelecimento de uma democracia. Revela também que 88% dos palestinos querem a renúncia de Abbas. Em Gaza, Hanniyeh – chefe supremo do Hamas – tem o apoio de 71% dos entrevistados contra 24% de Abbas. Na Cisjordânia ele tem 82% de apoio. Isso é mais uma indicação do que é possível e impossível na relação Israel-Palestina.
1 – É possível erigir um Estado palestino sob supervisão internacional. É impossível que esse Estado seja um Estado de direito no curto ou médio prazos. Teremos mais uma autocracia entre as quatorze que já existem no Oriente Médio. Israel continuará sendo a única democracia da região (se o governo populista-autoritário de Netanyahu não erodir o próprio regime).
2 – É possível um pacto de não-agressão (sem guerra quente) com Israel sob supervisão internacional para que duas unidades nacionais coexistam. É impossível que passem da coexistência vigiada para a convivência (sem guerra fria) no prazo de uma geração.
A atual geração de palestinos vai continuar odiando Israel. Mesmo que Israel retire todos os assentados da Cisjordânia (assim como já se retirou de Gaza) isso não vai mudar a imagem que os palestinos têm do país vizinho. Uma próxima geração, talvez, se deixar de ser doutrinada por organizações do jihadismo ofensivo islâmico e por organismos internacionais disfarçados de humanitários, possa ter outra mentalidade. Difícil uma solução em menos de 25 anos.