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Uma escalada perigosa

Os ataques usando mísseis e drones feitos pelo Irã contra Israel em resposta a morte de Mohammed Reza Zahedi, alto oficial da Guarda Revolucionária Iraniana, morto em uma explosão no consulado iraniano em Damasco, cuja autoria é atribuída a Israel, por autoridades do país persa, inauguram uma nova fase do conflito na região, este é o primeiro ataque militar do Irã ao solo de Israel e mostra que o país persa está mais altivo na persecução de seus objetivos estratégicos, e mais confiante em sua capacidade de se defender da reação militar de Israel e realizar novos ataques.

O Irã mantinha um padrão de enfrentar Israel usando prepostos, ou seja, armando e treinando outros entes, sobretudo Hamas e Hezbollah. Foram cerca de 300 projéteis disparados contra Israel, sendo estimado que 170 desses fossem aeronaves não tripuladas de emprego único e 130 mísseis balísticos. Jordânia e Arábia Saudita atuaram para interceptar os mísseis e drones, que também foram interceptados pelas Forças de Defesa de Israel.

Era esperado que haveria retaliação iraniana pela morte do líder da Guarda Revolucionária, a novidade é a intervenção direta do Irã ao invés de usar sua rede de organizações aliadas. O que pode ser lido como o marco do programa nuclear iraniano ter conseguido uma massa crítica suficiente e uma rede de apoio envolvendo China e Rússia que minimiza a capacidade israelense de responder ao Irã, aliás a resposta moderada mostra uma complicação do cenário. 

Os ataques iranianos também solidificam a posição dos EUA em prol da defesa de Israel e baixam a capacidade desse ator de manobrar por um cessar-fogo em Gaza. É interessante notar os próximos passos de atores regionais relevantes, como Emirados Árabes Unidos e Jordânia, bem como potenciais globais como China e Rússia, cada um desses com uma série de interesses em múltiplos tabuleiros.

O Irã mostrou capacidade de atingir Israel, ainda que o Domo de Ferro e a coalizão informal com os países do golfo tenham minimizado o impacto do ataque. É preciso levar em conta que a divisão do gabinete israelense e forte escrutínio que a campanha em Gaza tenha contribuído nos cálculos iranianos, por que foram fatores que em conjunto a contextos geopolíticos mais amplos agiram para temperar a resposta israelense.

A operação militar prolongada e em larga escala na Faixa de Gaza tem consequências econômicas e sociais para Israel e um novo front pode complicar ainda mais essa situação e pode escalar as operações para o norte de Israel.

Muitas dúvidas ainda permanecem, mas podemos ter certeza que o jogo no Oriente Médio está ainda mais complicado e muito mais perigoso.

Foto: Mustafa Hassona/Anadolu Agency via Getty Images

Não há solução no curto prazo para o conflito israelo-palestino

A defesa de Israel ao ataque terrorista do Hamas – atuando como ponta de lança do eixo autocrático (Rússia, Irã, Síria e outras tiranias do Oriente Médio, com o apoio da China e de governos populistas da Europa, América Latina e África, reunidos no BRICS e no Sul Global) em guerra (a segunda grande guerra fria) contra as democracias liberais – é legítima, independentemente de seu governo atual ser ou não ser democrático. Qualquer governo de Israel – autocrático ou democrático – teria de reagir, contra-atacando o Hamas, sob pena de deixar a sociedade israelense vulnerável a novos ataques terroristas. Todo problema aqui é como reagir.

O governo Netanyahu não é democrático. É populista-autoritário, abrigando muitos tarados supremacistas. Entretanto, o regime político de Israel é uma democracia liberal segundo todos os institutos que monitoram a democracia no mundo (V-Dem, Freedom House, The Economist Intelligence Unit etc.).

Ao reagir declarando imediatamente guerra total ao Hamas, bombardeando e invadindo militarmente o território de Gaza com efeitos colaterais inevitáveis, como a morte de civis não-combatentes, passíveis de serem explorados cinematograficamente, o governo Netanyahu caiu numa armadilha, talvez uma armadilha na qual não poderia não cair – mas caiu. De sorte que Israel perdeu a guerra de propaganda – uma guerra suja, com a divulgação diária, feita exclusivamente pelo Hamas, de proporções falsificadas de mulheres e crianças mortas em relação ao número total de mortos de palestinos em Gaza. Além disso, ficou vulnerável a acusações infundadas de terrorismo e genocídio.

Perdida a guerra da propaganda, o problema é o que fazer daqui para frente. A guerra quente, na sua forma atual, não pode ser eterna. Em algum momento deverá haver cessação das hostilidades generalizadas. Mas o governo Netanyahu dificulta – e no limite inviabiliza – qualquer negociação de paz. Por isso precisa ser derrubado pelos próprios democratas israelenses, por meio dos mecanismos legais disponíveis em seu regime democrático. De preferência, isso não deve ser feito só depois da fase atual da guerra (quente) e sim o quanto antes. Após a queda do governo Bibi, uma nova coalizão democrática no governo de Israel deve buscar ativamente a paz, entrando em negociação com as potências democráticas e com os países da região que não apoiam o Hamas. Fará parte necessariamente dessa negociação parar e começar a remover os assentamentos judaicos na Cisjordânia (ou negociar áreas ocupadas por troca de terras em outros lugares – quando isso for possível) e suspender a presença ostensiva de forças militares e policiais naquele território.

O Hamas, a Jihad Islâmica, a Frente de Libertação da Palestina, o Hezbollah e as milícias xiitas que atuam na Síria, no Iraque e no Iêmem sob o comando do Irã, não são players válidos nas relações internacionais porque são organizações terroristas. Com eles não se pode contar para a ereção de um Estado palestino que, ao lado do Estado de Israel, possa estabelecer a paz na região. Um Estado comandado por terroristas será um Estado fora da lei, um Estado de bandidos que viverá fustigando Israel, e não um Estado de direito – nem mesmo será um Estado autocrático que, por razões de realpolitik, não queira atacar Israel.

Gaza (visível) não é o Hamas, mas o Hamas é Gaza (invisível) porque está profundamente enraizado na sociedade palestina que ali vive a ponto de ter conseguido transformar o território da Faixa em um laboratório de experimentos exterministas e em uma fábrica de terroristas que visam a aniquilar Israel. O terrorismo em Gaza já se reproduz intergeracionalmente por meio das famílias, das escolas, das mesquitas e de entidades civis com a ajuda de militantes autocráticos homiziados em agências da ONU e em organizações humanitárias internacionais, com financiamento e apoio do Irã, da Turquia, sobretudo do Catar, e de outras autocracias da região.

A estratégia de matar os milhares de militantes do Hamas um-a-um é inócua no curto prazo. Cada líder morto será imediatamente substituído por outro líder. Até agora, pelos números fornecidos pelas próprias Forças de Defesa de Israel, só foram mortos 25% do presumível total de combatentes do Hamas. O Hamas é uma rede extensa e profunda. Israel não dispõe do tempo político necessário para consumar a operação de eliminar todos os nodos da rede (que perfazem cerca de 2% da população de Gaza) um-a-um, o que exigiria – numa avaliação otimista – oito meses de guerra na sua forma atual. Mas o Hamas ainda pode ser muito mais numeroso do que se estima (se considerarmos jovens menores de idade e simpatizantes que estão entrando continuamente no combate).

Por outro lado, matar no atacado os militantes e simpatizantes do Hamas para extinguí-lo completamente, exigiria arrasar a terra de Gaza eliminando boa parte da população palestina. Isso não foi feito até agora por Israel porque seria inaceitável. Pelos números (sempre falsificados) de mortos divulgados pelo próprio Hamas, morreram cerca de 1% de civis palestinos (incluindo combatentes do Hamas – que são considerados civis).

A rede de túneis que abriga a infra-estrutura bélica do Hamas pode ser destruida, mas a rede de túneis não é nada diante da rede de pessoas. Uma rede não é a coleção de seu nodos. Para eliminar o Hamas seria necessário quebrar as conexões entre os nodos dessa rede e cortar os atalhos entre os seus clusters (dentro e fora do território de Gaza). Isso não pode ser feito no curto prazo.

A única saída (provisória) é uma negociação bancada pelas potências democráticas em aliança realista com autocracias do Oriente Médio que não visam a destruição de Israel para impor um novo governo em Gaza e na Cisjordânia sem a participação de organizações terroristas – o embrião de um Estado palestino – que mantenha uma coexistência não-beligerante vigiada com o Estado de Israel.

Nos curto e médio prazos é altamente improvável que esse novo Estado palestino seja um Estado democrático de direito. Será mais uma ditadura, entre as quatorze que já existem no Oriente Médio (a única democracia da região seguirá sendo Israel por muito tempo). Uma saída mais definitiva talvez possa ser alcançada no tempo de uma geração, se as crianças palestinas que ainda vão nascer e as de hoje (menores de 12 anos) deixarem de ser doutrinadas por organizações do jihadismo ofensivo islâmico e por organismos internacionais disfarçados de humanitários.

Israel diante da bifurcação

Sim, existe uma extrema-direita autocrática (e teocrática) na sociedade de Israel e no governo de Israel. Assim como, infelizmente, existe também na sociedade americana (ameaçando voltar ao governo dos EUA com Trump). Assim como existe até na própria Alemanha (com a AfD). Essa é uma das características da segunda guerra fria, que não é igual à primeira porque não opõe dois blocos coesionados de países (Leste x Oeste) e sim porque está presente dentro de cada país. A divisão não é global e sim glocal. Fomos assaltados, nos anos 20 do século 21, pelo anos 20 do século 20 (muito antes da primeira guerra fria).

Mas há uma armadilha aqui: fazer uma conexão mecânica do que acontece em Gaza com os propósitos delirantes dessa força autocrática presente em Israel. Fosse o governo israelense composto por moderados, até por democratas, uma vez colocada em curso uma guerra (não uma ação policial com recursos militares para caçar os terroristas e libertar os reféns, mas uma guerra mesmo), aconteceria no teatro de guerra de Gaza alguma coisa muito parecida com o que está acontecendo agora. Ou seja, do fato dos extremistas isralenses estarem no governo e terem intenção genocida, não se pode derivar que a ação de Israel na guerra seja orientada por uma intenção genocida.

Falando de intenções

E por falar de intenções, o Hamas, sim, tem uma intenção genocida. Eliminar um grupo populacional: os judeus (inicialmente os de Israel).

A África do Sul, que mantém relações cordiais com o Hamas e atuando como fantoche do eixo autocrático, tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio.

Israel tem uma intenção: neutralizar a organização terrorista Hamas, matando ou prendendo seus combatentes e destruir sua infra-estrutura bélica em Gaza para evitar que ataquem novamente o território israelense.

Israel não tem a intenção de dizimar um grupo populacional inteiro (os palestinos). Se tivesse, com seu poder bélico (aéreo), não teria matado cerca de 1% da população de Gaza (segundo os números fornecidos pelo próprio Hamas) e sim muito mais.

Ao divulgar a fake news de que morreram cerca de 80% de mulheres e crianças em Gaza, o Hamas tem uma intenção: condenar falsamente Israel por genocídio. Isso é uma impossibilidade (demográfica) e uma alta improbabilidade (estatística). Se esses dados fossem corretos, só teriam morrido na guerra pouco mais de 5 mil homens (englobando civis combatentes do Hamas e civis não-combatentes). Seria necesssário acreditar que, por algum motivo milagroso, os combatentes do Hamas praticamente não morrem nos confrontos armados de que participam.

Israel diante da bifurcação

A cada bala perdida que mata uma mulher civil não-combatente em Gaza, a cada morte de criança palestina como resultado colateral de uma bomba lançada pelas FDI para destruir um túnel ou outra instalação da infra-estrutura bélica do Hamas, não podemos dizer: “Estão vendo? Se não fossem os tarados supremacistas Smotrich, Ben-Gvir e Katz – abrigados no governo Netanyahu – isso não estaria acontecendo”. Eles são, de fato, militantes autocráticos (e, alguns, teocráticos), mas mesmo que esses e outros extremistas não estivessem no governo, aconteceria, sim, o que está acontecendo – havendo guerra.

Há perdas de civis inocentes em todas as guerras. E há crimes de guerra em todas as guerras. Na Segunda Guerra Mundial morreram 40 milhões de civis. Na guerra da Coréia estima-se que morreram quase 2 milhões de civis. Na guerra do Vietnã, a mesma coisa: cerca de 2 milhões de civis mortos. Na guerra da Síria morreram mais de 300 mil civis. Na guerra civil etíope estima-se que mais de 400 mil pessoas tenham perdido a vida. Em todas essas guerras houve crimes de guerra.

Militares e civis são pessoas. No balanço de mortos para avaliar a letalidade de uma guerra, todas as pessoas devem ser consideradas. No caso do Hamas, porém, essa distinção não se aplica: todos os mortos do lado do Hamas são civis.

Ainda assim, a guerra de Israel contra o Hamas está sendo uma das menos letais do nosso período histórico (até agora, pois tem pouco mais de 100 dias; se durar 8 meses, como avalia o governo Netanyahu, mantendo-se a dinâmica atual, matará cerca de 70 mil pessoas). Ora, a guerra da Rússia contra a Ucrânia já matou mais de 200 mil pessoas. A guerra do Afeganistão matou mais de 170 mil pessoas. A guerra Irã-Iraque deixou 1,5 milhões de mortos.

Israel está agora diante de uma bifurcação que selará o seu destino. Mantendo-se o governo Netanyahu com a composição atual e não havendo um levante da sociedade civil israelense contra esse governo, a democracia de Israel tende a se autocratizar com o esticamento da guerra por motivos políticos internos (aliás, em alguma medida, toda guerra é interna: a decisão de fazê-la, continuá-la ou encerrá-la é tomada sempre por uma força política em disputa por supremacia interna com outras forças políticas). Mas os democratas defendemos Israel enquanto seu regime continuar sendo uma democracia, o que não equivale a dizer que defendemos todas as suas ações.

Democratas defendem o direito de auto-defesa, mas não propriamente a guerra – que, em si, envolve violações dos direitos humanos. Se Hitler invade a França, defendemos a França, mas não todas as ações violentas da Resistência Francesa (algumas bárbaras e até terroristas). Se o eixo autocrático invade a Ucrânia, defendemos a Ucrânia – o que não significa que aprovamos quaisquer ações do exército ucraniano. Se o Hamas ataca Israel, defendemos Israel, o que não significa que aprovamos as ações de guerra de Israel.

Gaza em pratos limpos

Perguntei em meados de dezembro no X (ex-Twitter). Quantos militares palestinos morreram até agora em Gaza?

Não houve resposta. O Hamas não informa, logo a ONU não repete a informação para validá-la e a imprensa internacional não divulga.

Por quê? Porque não há militares em Gaza. Todos são civis. Se morreu em Gaza e não é soldado de Israel, então é civil.

Há três tipos de civis em Gaza:

🔎 Civis combatentes do Hamas.

🔎 Civis não-combatentes que são militantes ou simpatizantes do Hamas.

🔎 Civis não-combatentes que não são militantes ou simpatizantes do Hamas.

A população de Gaza é estimada em 2,4 milhões de habitantes. Segundo dados fornecidos unicamente pelo Hamas foram mortos até agora 20 mil civis. Isso corresponde a 0,8% da população. Extrapolando linearmente, se a guerra durar mais 2 meses, serão 40 mil mortos (1,6%). Bem… o número máximo estimado de militantes do Hamas corresponde a 1,6% da população.

Mas – seja qual for o número verdadeiro de mortos – não se sabe qual é a porcentagem de cada um dos três tipos de civis que morreram.

Sabe-se, entretanto, que as proporções de crianças e mulheres mortas é informação fraudulenta do Hamas: são números falsamente majorados para dizer que Israel está cometendo um genocídio em Gaza.

Há uma discussão sobre o número total de mortos em Gaza por Israel. Um depoimento pessoal de um amigo que mora em Israel, o Fernando Lasman, esclarece a questão:

Acredito que o número total de mortos pode ser crível, mas a leitura da opinião pública é feita presumindo-se tendenciosamente uma maioria desproporcional (que nós aqui sabemos) de crianças e mulheres vitimadas, e essa leitura tem aumentado a pressão e o isolamento de Israel ante seus aliados, que reagem pelas vidas dos inocentes vitimados, que seriam em sua maioria apenas civis.

O problema é a distribuição das vítimas e a leitura internacional da ação de Israel, não exatamente o número total, que talvez seja ainda conservador.

Israel está sendo encarado como genocida, quando claramente a ação em Gaza tem menos vítimas que outros conflitos em outros momentos e locais em que houve perdas maiores de civis.

Essa sensação de que Israel está ultrapassando limites humanitários, propositadamente ou não, vem em parte da guerra de propaganda que ela de fato está perdendo, e que causa objetivamente seu isolamento e enfraquecimento político.

Creio eu que esse era o objetivo final, e ele está sendo atingido.

Um governo não-democrático em um regime democrático

Dizer tudo isso (que foi dito acima) não é defender o atual governo de Israel, comandado pelo populista-autoritário Netanyahu – que é um adversário da democracia. Mas apesar do seu governo atual, o regime político de Israel é uma democracia liberal – a única do Oriente Médio, uma ilha cercada por quatorze autocracias (sem contar Gaza e Cisjordânia).

Um governo democrático em Israel deveria fazer tudo diferente do que fez o governo Bibi. Não declararia guerra ao Hamas, não reconheceria o governo de Gaza como um Estado ou proto-Estado (um player legítimo da ordem internacional), faria uma operação de caráter policial, usando recursos militares, para capturar os terroristas (e, só quando houvesse resistência armada, matá-los) e libertar os reféns. Parece a mesma coisa, mas como estratégia não é. Nem na prática, pois uma vez declarada a guerra (que é um campo de realismo, não de política orientada por princípios éticos), não tem volta.

Na guerra, em qualquer guerra, morrem civis inocentes. Só para dar um exemplo de país contíguo (a Síria): o ditador al-Assad, de 2011 para cá, matou milhares de civis sírios. Não, não foram 20 mil, nem 200 mil e sim 400 mil.

Não existe guerra humanitária

À luz da democracia, a primeira (e única) “lei da guerra” deveria ser: está expressamente proibido fazer guerra! Democracia é um modo não guerreiro de regulação de conflitos: não é guerra e sim evitar a guerra. Portanto, quando uma guerra se instala, a democracia já perdeu.

Ah!… Mas isso – de um ponto de vista realista – é impossível. Certo. Então pelas mesmas razões de realpolitik é impossível exigir de um contendor em guerra que obedeça leis de proporcionalidade no uso da própria força em relação à força empregada por seu(s) inimigos(s), moderação no emprego de seus meios bélicos ou faça uma guerra humanitária. Seria como exigir que ele, para obedecer “leis da guerra”, abrisse mão de suas vantagens competitivas para ganhar a guerra, correndo o risco de ser derrotado. Qualquer Estado, diante da possibilidade de ser aniquilado, recorrerá a todos os meios a seu alcance para sobreviver.

Nada disso, porém, significa que a crueldade, o genocídio, o terrorismo, não devam ser condenados, assim como todas as demais violações das Convenções de Genebra (1864, 1906, 1929 e 1949) e de seus protocolos adicionais (1977, 2005). Mas as violações dessas convenções só podem ser punidas ex post pelos tribunais internacionais (TIJ, TPI) aos países que reconhecem esses organismos (e muitos não reconhecem).

Por outro lado, sanções econômicas aos países que descumprem essas “leis” não podem funcionar se parte do mundo sabota tais sanções (um exemplo atual são as sanções ao ditador Putin, que não são acatadas pela China, pelo Irã e por vários outros países, inclusive o Brasil).

O único modo de não ter violações de direitos humanos é não ter guerra. É preciso parar de papo furado. Não há guerra humanitária.

Havendo guerra, com Netanyahu ou sem Netanyahu, haveria civis mortos. A menos que Israel tomasse a decisão irrealista de:

Não bombardear alvos em Gaza, pois que civis inocentes podem ser atingidos.

Não entrar com tropas armadas no território de Gaza, pois que civis inocentes podem ser confundidos com os jihadistas e mortos ou feridos. As Forças de Defesa de Israel poderiam, no máximo, portar cassetetes, spray de pimenta, armas de choque e munição não-letal.

Cessar fogo imediatamente e explicar para a população que, infelizmente, não se pode fazer nada, pois civis inocentes podem ser mortos ou feridos.

Fazer um apelo ao Hamas para que devolva os reféns com vida e em boas condições de saude.

Fazer um apelo ao Hamas para que não lance mais mísseis em Israel e prometa que não tornará a invadir o território do país.

Ora, isso significaria, objetivamente, dar a vitória ao Hamas, deixando a população israelense vulnerável a novos ataques terroristas. É inaceitável por qualquer governo (e por qualquer sociedade).

Gedankenexperiment

Façamos aqui uma “Gedankenexperiment”. (Segundo a IA do Google, o termo “Gedankenexperiment” é alemão e significa “experimento mental”. É um termo usado pelo físico Albert Einstein para descrever a sua abordagem única de usar experiências conceptuais em vez de experiências reais. Os experimentos mentais são narrativas que convidam o leitor a imaginar e avaliar uma situação hipotética. São utilizados na investigação filosófica para elucidar determinada concepção ou, até mesmo, para apoiar ou refutar alguma teoria. Os experimentos mentais são raciocínios lógicos (subjuntivos) sobre um experimento não realizável na prática). Então, vamos lá:

Se Israel parar os bombardeios em Gaza e retirar as suas tropas da Faixa.

Se Israel – como é o correto a ser feito – retirar todos os seus assentados na Cisjordânia (assim como já fez em Gaza).

Se Israel se retirar completamente da Cisjordânia não deixando mais nenhum civil, militar ou policial israelense naquele território.

Se Israel soltar todos os prisioneiros do Hamas, da Jihad Islâmica, da PFLP, do Hezbollah e de outros grupos que cometeram (ou apoiaram) atentados terroristas contra israelenses.

Se Israel reconhecer todos os grupos terroristas do jihadismo ofensivo islâmico como players válidos, com direito a montar seu próprio governo em Gaza e na Cisjordânia.

Se Israel pagar um aluguel anual aos palestinos e acertar os atrasados dos últimos 75 anos com multa, indenizando os palestinos (ou os seus descendentes) pelas perdas que alegam que sofreram.

Se Israel remover o governo populista-autoritário de Netanyahu, colocando em seu lugar um governo democrático-liberal.

O que aconteceria?

Seria possível construir um Estado de direito palestino na região, que reconhecesse a existência legítima do Estado de Israel?

Os israelenses poderiam viver em segurança em Israel pois não haveria mais atentados no país?

Os judeus do mundo inteiro poderiam viver tranquilos pois cessaria todo antissemitismo?

Haveria, afinal, paz na região?

Ou nada disso seria suficiente se Israel não se dissolvesse como Estado e os judeus se retirassem da região, dispersando-se mais uma vez pelo mundo? Pois este é o significado do lema: “From the river to the sea, Palestine will be free”.

O que é possível e impossível na relação Israel-Palestina

Pesquisa do Palestinian Center for Policy and Survey Research (PSR), Public Opinion Poll 90 (22/11 a 02/12 de 2023) revela que somente 7% dos entrevistados defendem o estabelecimento de uma democracia. Revela também que 88% dos palestinos querem a renúncia de Abbas. Em Gaza, Hanniyeh – chefe supremo do Hamas – tem o apoio de 71% dos entrevistados contra 24% de Abbas. Na Cisjordânia ele tem 82% de apoio. Isso é mais uma indicação do que é possível e impossível na relação Israel-Palestina.

1 – É possível erigir um Estado palestino sob supervisão internacional. É impossível que esse Estado seja um Estado de direito no curto ou médio prazos. Teremos mais uma autocracia entre as quatorze que já existem no Oriente Médio. Israel continuará sendo a única democracia da região (se o governo populista-autoritário de Netanyahu não erodir o próprio regime).

2 – É possível um pacto de não-agressão (sem guerra quente) com Israel sob supervisão internacional para que duas unidades nacionais coexistam. É impossível que passem da coexistência vigiada para a convivência (sem guerra fria) no prazo de uma geração.

A atual geração de palestinos vai continuar odiando Israel. Mesmo que Israel retire todos os assentados da Cisjordânia (assim como já se retirou de Gaza) isso não vai mudar a imagem que os palestinos têm do país vizinho. Uma próxima geração, talvez, se deixar de ser doutrinada por organizações do jihadismo ofensivo islâmico e por organismos internacionais disfarçados de humanitários, possa ter outra mentalidade. Difícil uma solução em menos de 25 anos.