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Foto: EFE/Andre Coelho.

Decadência Política

Lula é classificado como um líder político habilidoso, capaz de governar com facilidade e criar maiorias no parlamento, encantamento nas ruas e condescendência da imprensa. Seu terceiro mandato, entretanto, tem sido diferente, longe das características que o levaram a deixar o Planalto em 2010 com uma popularidade que beirava os 87%, Lula hoje enfrenta seus mais baixos índices de aprovação, com cerca de 46% e seu governo tem números ainda piores, de 41%.

Fato é que muitos se perguntam se ele perdeu a magia ou a capacidade de mobilizar apoios como no passado. Na verdade, estamos falando sobre uma série de fatores que somados provam esta tese, entretanto, existe um fato que raramente é considerado nesta equação, ou seja, que Lula jamais foi uma figura dotada de uma qualidade ímpar no campo da articulação, mas alguém que tinha em torno em si nomes que foram capazes de gerir seu capital político. Longe deles, Lula se tornou um político comum.

Neste terceiro mandato, Lula cometeu um dos erros mais prosaicos da política, aquele que mostra a principal fraqueza de um mandatário, ou seja, cercou-se de pessoas que apenas concordam com tudo que diz e opina, chamados na política americana de “yes man”. Estas pessoas servem apenas para aplaudir, porém jamais para ponderar, opinar, discordar e oferecer visões diferentes. Um erro comum, mas fatal nas esferas de poder.

Isto explica a guinada à esquerda depois de uma eleição que venceu pelo centro. Lula poderia ter construído um terceiro mandato de união nacional pelo centro político, algo que certamente redirecionaria o país da polarização em quatro anos. Sua aposta, contudo, foi no sentido oposto e os resultados começam a ser colhidos em uma onda crescente de impopularidade que pode levá-lo à primeira derrota eleitoral desde 1998.

Justamente pela falta de visões diferentes em torno de si, surgiu neste mandato um Lula em estado puro, apresentando um governo datado, ultrapassado, vacilante, fora de foco ou sintonia com as ruas e com os desafios internacionais atuais. Vemos programas serem reeditados, boas ideias desprezadas, um modelo superado de comunicação e uma administração refém de pautas que não dialogam com a sociedade e as demandas dos brasileiros. Lula governa para um país que somente ele acredita que ainda existe.

Ao redor de si, o Presidente não possui sequer um dos nomes que estavam na condução da política quando chegou ao Planalto. Alguns se afastaram de sua órbita cotidiana como Luiz Dulci e Gilberto Carvalho, muitos foram atingidos pelas operações contra corrupção, como José Dirceu e Antônio Palocci. Houve quem optasse pelo caminho da aposentadoria, como José Genoíno e alguns faleceram como Márcio Thomaz Bastos e Luiz Gushiken. Isto significa que todos aqueles nomes influentes e com acesso direto a Lula não circulam mais pelos corredores do Planalto. Hoje, o Presidente é cercado de uma plateia disposta a aplaudir e bajular, ao invés de possuir assessores e líderes políticos dispostos a construir e contribuir.

Lula é um líder político em decadência, alguém sem o viço de outro tempos, que deixou de cativar, inspirar ou influenciar as pessoas como antes. Talvez seja tarde demais para corrigir este erro. Hoje temos um Presidente refém de si mesmo.

Foto: Sérgio Lima/Poder360 .

Crise de Identidade

Em 1988 o legislador elaborou uma carta constitucional de claro teor parlamentarista. A aposta era esperada, afinal, em 1993 o Brasil encararia um plebiscito que poderia mudar o sistema de governo. Faltou combinar com os russos, como diria Garrincha, e o eleitor optou pelo presidencialismo. O resultado foi o modelo popularmente conhecido como “presidencialismo de coalizão”, onde o Planalto fatiava o governo entre os aliados diante da necessidade de formar maioria em um sistema fragmentado.

Cerca de 30 anos antes, outra tentativa de mudança no tapetão havia sido desenhada, com a adoção do sistema parlamentar em meio ao mandato de João Goulart. O objetivo era evitar um golpe e a manutenção do mandato do Presidente, porém confiscando seus poderes, entregando-os para uma espécie de Primeiro-Ministro. Inicialmente escolhido para chefiar o governo, o mineiro Tancredo Neves acabou renunciando, o que abriu uma crise sucessória envolvendo os nomes de San Tiago Dantas, Auro de Moura Andrade e Brochado da Rocha. Instaurado em 1961, o incipiente parlamentarismo foi derrotado no referendo de 1963, devolvendo o país ao presidencialismo tradicional.

Agora uma nova tentativa volta à baila, entretanto, muito mais para normalizar uma situação de fato, do que uma iniciativa para mudar as regras do sistema. De fato, o país já vive em um modelo parlamentar. Torto, é verdade, mas parlamentar. Um movimento que começou nos anos Dilma, mas que se intensificou enquanto Bolsonaro ocupava o Planalto. Hoje, com o controle do orçamento em suas mãos, o parlamento tomou para si, indiretamente, a função de governar, ou seja, assumindo o bônus de direcionar recursos, porém, sem qualquer tipo de ônus ou desgaste.

Com o objetivo de normalizar institucionalmente esta situação, surgiu a discussão do semipresidencialismo na Câmara dos Deputados. O modelo é inspirado no sistema francês onde o Presidente, chefe de estado, é eleito pela população e o primeiro-ministro, chefe de governo, indicado pelo Presidente, depende da confiança do parlamento. Este deve liderar seu gabinete, formado pelo conselho de ministros. Neste caso, o controle do governo se divide, assim como o poder, responsabilizando o Congresso Nacional e o Presidente, que podem inclusive derrubar o Primeiro-Ministro.

Fato é que diante do atual modelo, com a autonomia do parlamento por meio das emendas, houve o sepultamento do Presidencialismo de Coalizão, uma vez que este mecanismo depende do poder do governo em manter uma maioria por intermédio da alocação de recursos. Hoje estamos diante de um novo sistema. Se 20 anos atrás, mais de 70% dos recursos repousavam sob o domínio do governo, hoje apenas 7% estão sob seu controle. O parlamento tornou-se senhor do orçamento. Formar um base de apoio do governo no Congresso Nacional da forma tradicional tornou-se impossível.

Mais do que mudar o sistema de governo, a proposta vem reconhecer e disciplinar uma mudança que de fato já ocorreu no interior do modelo político, responsabilizando seus agentes eleitos de acordo com as funções que exercem, sejam deputados, senadores e o próprio Presidente da República, atualmente um legítimo pato manco diante das atuais regras. Resolver esta crise de identidade se tornou ponto central de nosso país, que vive um sistema disfuncional, errático e desorientado, incapaz de gerar as políticas públicas e regras de controle necessárias para a condução de um governo.